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Melo, do Insper: Força de Lula é limitada

Cientista político explica que o ex-presidente mantém apelo com o eleitorado, mas este não é motivo único para um bom desempenho nas eleições do ano que vem

CARLOS MELO: Lula tem eleitoral fiel, mas a redução da máquina do PT nas eleições de 2016 pode complicar as pretensões à presidência / Divulgação

CARLOS MELO: Lula tem eleitoral fiel, mas a redução da máquina do PT nas eleições de 2016 pode complicar as pretensões à presidência / Divulgação

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 10h04.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece como favorito para assumir a presidência, e venceria as eleições de 2018 no primeiro e no segundo turno, de acordo com pesquisa da CNT/MDA. Hoje, Lula aparece com 30,5% das intenções de voto na pesquisa estimulada — antes os 24,8% que apresentava em outubro passado. Apesar de ser réu em cinco ações na justiça, Lula vem ganhando força, impulsionado pela narrativa de perseguição jurídica que construiu e pelas denúncias de corrupção contra políticos de altos quadros do governo Temer.

O cientista político Carlos Melo, especialista em liderança e cultura política do Insper, explica a EXAME Hoje como o ex-presidente mantém o apelo com o eleitorado, fala sobre suas chances de chegar ao segundo turno, mas avisa que não tem nada garantido — e que a distância para o pleito ainda trará bastante flutuação nos números.

O que explica a liderança de Lula no cenário eleitoral, mesmo com tantas acusações contra o ex-presidente?
Neste momento, as pesquisas têm uma influência enorme de recall. A resposta é guiada pela lembrança. Tem muito tempo até 2018. Não se sabe o que vai acontecer, quem serão os candidatos e quais outros atores vão entrar no jogo. As pesquisas no momento são a fotografia de um cenário que vai se transformar tanto daqui até lá que é difícil confiar nelas. Além disso, a pesquisa foi feita no contexto da morte de dona Marisa Letícia [esposa de Lula], em que há certa comoção. O que dá para dizer é que há fidelidade. O PT tem eleitores fiéis. Trata-se de gente que não acredita nos escândalos de corrupção, ou que acredita e mesmo assim acha que, dentre as alternativas do sistema político brasileiro, o partido ainda é a melhor alternativa.

Nas eleições municipais de 2016, o PT perdeu espaço nas câmaras e teve redução de 60% no número de prefeituras. Na presidência é diferente?
Os votos do Lula apresentados na pesquisa, entre 20 a 25% do total, estão dentro do patamar histórico do PT. É o piso do partido. No documentários Entreatos, de João Moreira Salles, que conta a história da campanha de 2002, fica claro que, para o Duda Mendonça [marqueteiro do partido na época], o desafio da eleição era conquistar o terço neutro do eleitorado. Havia um terço pró-PT, um terço anti-PT, e o objetivo era conquistar esse terço final. É interessante notar que o eleitorado se mantém coeso em torno do Lula nesse terço, apesar de o partido não estar com a mesma força. A questão final é: com esse terço ele ganha uma eleição? Não, mas vai para o segundo turno. Hoje, as possibilidades que Lula tem hoje de conquistar aquele outro terço decisivo para eleger um presidente são muito menores. Os motivos da rejeição ao Lula hoje são muito diferentes do que em 1994, 1998 e 2002, e a possibilidade de ele romper o teto dos 50% parece muito menor.

Por que continuamos presos aos nomes tradicionais, como o do próprio Lula, elegendo políticos como Fernando Collor, Renan Calheiros, José Sarney, enquanto pregamos mudança da política no Brasil?
Não é bem isso. Fernando Collor tem recursos para fazer campanha em Alagoas — tem cabo eleitoral, bases políticas. Sarney idem, com sua família gigantesca no Maranhão. O PT é outra história. No ano passado, o partido saiu de mais de 600 prefeituras para 250, não está presente em nenhuma grande cidade e ainda perdeu o governo federal. O tamanho da máquina diminuiu demais para ajudar em uma campanha nacional. Não é só uma questão de o brasileiro votar nos conhecidos, ele vota em quem consegue chegar até ele para conquistar o voto. Para quem tem máquina, é muito mais fácil.

Há como Lula se viabilizar?
A pesquisa traz outros candidatos ainda fracos, como aconteceu com Collor, em 1989. Hoje em dia, não vejo Lula como alternativa interessante para setores econômicos e empresariais, como Collor acabou se tornando. Na rua ou pelas redes sociais, o apoio é limitado. Ainda há muito para acontecer, inclusive na Operação Lava-Jato. Não se sabe se ele sobrevive melhor ou pior que os opositores. Outro ponto: não sabemos como vai ser se tiver Lula, Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Cristovam Buarque (PPS)… Essa eleição corre o risco de ter vários candidatos que pulverizem os votos no mesmo campo político. Se isso acontecer, há um cenário interessante para quem parte de um piso elevado, como o Lula. Resta saber se os 30% não vão se diluir. Haverá um candidato de centro que pode atrair alguma parcela desses votos? E quem vem do PSDB? Os três [Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra] hoje parecem fracos, mas talvez sejam fracos porque ainda são três, e não um. Quais deles sobrevivem à Lava-Jato? O grid não está formado. É cedo para tirar conclusões. Chama atenção a força de Lula, mas como fenômeno político não dá para especular.

Nesse sentido de pulverização de votos, é possível que se forme uma Frente Ampla de Esquerda para fortalecer essa ala?
Não acredito. Com o Lula na cabeça, não. Ele é uma figura controversa. Não o condeno pelas acusações, mas muito aconteceu durante o seu governo. Vai falar para o PSOL ou para a Marina se juntarem com ele. Se o PT aceitar ser coadjuvante numa junção com Marina ou Ciro, poderia até ser possível articular e puxar outras pontas. Se for para disputar a eleição e não ganhar, porque outros postulantes abririam mão de fazer carreira solo e divulgar seu partido? Se entenderem que a frente não tem chance, ela não tem como existir. Essa formação de uma grande frente fez sentido no movimento contra o impeachment, mas é difícil conciliar eleitoralmente. E precisa ver o quanto a Lava-Jato vai avançar sobre o PT, que pode fazer outros partidos se distanciarem.

Há uma onda de conservadorismo permeando as eleições deste ano em países como França, Alemanha e Holanda. O Brasil, com Jair Bolsonaro (PSC) aparecendo em segundo nas pesquisas, segue a mesma tendência?
O que se tem pelo mundo é uma onda não necessariamente conservadora, mas de fortalecimento de extremos. Analisando mais a fundo, vemos um vazio no centro. Enquanto nos Estados Unidos houve Donald Trump, por outro lado Bernie Sanders teve grande apelo. Para ver a polarização, nem precisa ir longe. Mais um caso notório é o Rio de Janeiro, com a disputa entre Marcelo Crivella e Marcelo Freixo. Mantida essa lógica, é preciso entender quem vai assumir os polos. Pode ser que Lula assuma, mas o Ciro pode ocupar esse posto por estar mais à esquerda. Do outro lado, pode ser o Geraldo Alckmin, que está mais à direita que o Aécio Neves, mas pode ser o Jair Bolsonaro. Não descarto uma radicalização. Para analisar melhor o cenário, esse grid de largada ainda precisa se desenhar. Só teremos uma noção melhor dessa corrida no começo do ano que vem.

Durante as eleições municipais, falava-se o tempo todo de renovação e do cansaço com a classe política. O desempenho do ex-presidente Lula contraria essa tendência?
Dá para sair um outsider, um populista à direita ou à esquerda. O apelo eleitoral da não-política foi muito expressivo em 2016, o que eu acho um horror. Por causa disso, o João Doria (PSDB) ganhou a eleição em São Paulo com um terço dos votos. Mas mais importante que esperar um outsider é entender os brancos, nulos e abstenções, que se mostraram uma variável importante. Com essa tendência se confirmando em 2018, um cara que parte de um piso elevado como o Lula se beneficia. Não porque cresceu, mas por uma diminuição do universo de votos válidos. Automaticamente, ele ganha força.

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