Brasil

Poder de barrar denúncia contra Temer está com a Câmara

Diante do ineditismo do caso, professora da FGV explica os ritos a serem seguidos pelo STF e pela Câmara após denúncia de Janot

Temer: "Não há nada que indique que os deputados vão votar com espírito republicano", diz professora da FGV (Ueslei Marcelino/Reuters)

Temer: "Não há nada que indique que os deputados vão votar com espírito republicano", diz professora da FGV (Ueslei Marcelino/Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 27 de junho de 2017 às 16h20.

Última atualização em 27 de junho de 2017 às 19h03.

Pela primeira vez na história do país um presidente foi denunciado criminalmente ao Supremo Tribunal Federal. Na noite de segunda-feira, 26, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou a primeira de três denúncias contra o presidente Michel Temer, acusado de corrupção passiva.

Segundo a PGR, o presidente era o destinatário de uma mala contendo 500 mil reais em propina da J&F recebida pelo ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. Temer também seria beneficiado com a promessa de 38 milhões de reais em vantagens indevidas.

Nas sessenta páginas da denúncia, a PGR diz haver “provas abundantes” contra Temer, como a delação de sete executivos da JBS, o áudio gravado pelo empresário Joesley Batista no Palácio do Jaburu e a filmagem do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, homem de confiança do presidente, correndo com a famosa mala com 500.000 reais.

Diante do ineditismo do caso, surgem dúvidas em relação ao ritos a serem seguidos agora pelo Supremo Tribunal Federal e pela Câmara dos Deputados. EXAME Hoje conversou com a professora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenadora do projeto Supremo em Pauta, Eloísa Machado de Almeida sobre os próximos passos da denúncia.

Eloísa Machado de Almeida, professora de direito constitucional da FGV, : manto de imunidade ao redor do presidente só vai aprofundar ainda mais a crise política

É a primeira vez na história do país que um presidente é denunciado criminalmente. Quais as dúvidas que isso levanta em relação aos ritos a serem seguidos no STF? Quais são as possibilidades?

A Constituição diz muito claramente que no caso de crime comum é necessário uma autorização da Câmara dos Deputados por dois terços de seus membros para depois o caso ser analisado pelo STF. Quando olhamos o regimento interno da Câmara dos Deputados, ele também é muito claro em relação ao procedimento. Primeiro a presidência do STF, e não Fachin, deve enviar essa denúncia para a Câmara. Lá será recebida pelo presidente, Rodrigo Maia, que deve enviá-la imediatamente para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A CCJ tem cinco seções para produzir um relatório. Nessas cinco seções, o presidente pode ser ouvido, tem amplo direito à defesa, o assunto é discutido, etc. Depois, a CCJ produz um relatório que será votado pela comissão, mas não será essa votação que decide se o procedimento segue para o STF ou não.

Caso a CCJ rejeite o relatório o que acontece?  

Não, não importa se ele é negado na CCJ, pode acontecer de resolverem produzir outro relatório.

E depois?

Esse relatório é enviado à mesa da Câmara dos Deputados, que precisa publicar o seu teor e incluí-lo na ordem do dia seguinte para ir ao Plenário da Casa. O relatório precisa ser aprovado por dois terços dos deputados para que o STF dê continuidade ao procedimento.

Reportagem da Folha de S.Paulo afirma que uma das principais dúvidas no caso é em que momento deve-se abrir prazo para a primeira manifestação da defesa. Fachin teria que decidir se dá prazo para isso antes de enviar a denúncia para Câmara ou depois. Mas pelo o que a senhora está dizendo isso só seria depois?

Exatamente, isso tudo só depois de a denúncia ser enviada para a Câmara.

Se a Câmara barrar a denúncia, há alguma alternativa?

Não, se na Câmara for negado, acabou. A Constituição diz claramente que a denúncia não segue no Supremo sem a autorização da Câmara dos Deputados. O que acontece é que essa denúncia não desaparece, ela vai ficar aguardando o Temer deixar de ser presidente para daí ter continuidade nas instâncias comuns, fora do STF.

Caso a Câmara vote favoravelmente à denúncia, o que acontece?

Caso a denúncia seja autorizada pela Câmara o seu recebimento será analisado pelo Plenário do Supremo. Importante dizer que não será uma decisão só do ministro Edson Fachin. Se o plenário decidir aceitar o recebimento, Temer vira oficialmente réu e é afastado de seu cargo por um prazo máximo de 180, com a possibilidade de ser preso ao final do processo. Com Temer afastado, quem assume é Rodrigo Maia. O que imagina-se é que, ser for afastado, Temer renunciaria e eleições indiretas seriam convocadas.

O STF vem tendo papel central no desenrolar da crise política. É um momento de protagonismo do STF?

Eu acho que nesse caso não é um protagonismo do STF. A Câmara tem o poder de impedir que o STF analise a questão, e em caso da Câmara impedir não há muito que o Supremo possa fazer. Nesse momento me parece muito mais um protagonismo da Câmara dos Deputados em decidir o destino do presidente Michel Temer.

Uma Câmara como a atual, com dezenas de parlamentares citados em delações premiadas e envolvidos em escândalos, como o próprio ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, tem condições morais de fazer esse juízo ou isso não é uma questão, já que a Constituição assim o determina?

A Constituição assim o determina, e é lamentável que uma Câmara dos Deputados que só se move de acordo com seus próprios interesses coloque esse manto de imunidade, mesmo que temporária, ao redor do presidente, caso a denúncia seja barrada. Isso só vai aprofundar ainda mais a crise política. Não há nada que indique que os deputados vão votar com espírito republicano. Eles vão votar com instinto de preservação, em troca de sobrevivência ou qualquer benesse que esse governo mequetrefe, que está aí sobrevivendo aos trancos e barrancos, possa oferecer.

Acompanhe tudo sobre:Delação premiadaExame HojeFGV - Fundação Getúlio VargasMichel TemerOperação Lava JatoSupremo Tribunal Federal (STF)

Mais de Brasil

PF convoca Mauro Cid a prestar novo depoimento na terça-feira

Justiça argentina ordena prisão de 61 brasileiros investigados por atos de 8 de janeiro

Ajuste fiscal não será 'serra elétrica' em gastos, diz Padilha

G20: Argentina quer impedir menção à proposta de taxação aos super-ricos em declaração final