Lula em discurso nesta quarta-feira: ex-presidente tentou se mostrar como oposto a Bolsonaro, defendendo vacinas e isolamento (Amanda Perobelli/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 10 de março de 2021 às 11h51.
Última atualização em 10 de março de 2021 às 17h02.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quebrou o silêncio nesta quarta-feira, 10. O petista falou nesta manhã em São Bernardo do Campo pela primeira vez desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu há dois dias anular as condenações contra o ex-presidente, o que o tornou novamente elegível em 2022.
O pronunciamento começou por volta das 11h30, transmitido ao vivo pelas redes sociais. Lula falou por mais de uma hora. "Faz cinco anos que eu não falo", disse.
O ex-presidente usou a atenção que o discurso recebeu para falar sobre o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e a Lava Jato, mas usa até agora boa parte do pronunciamento para criticar o governo do presidente Jair Bolsonaro e falar sobre sua trajetória política.
Lula disse que está "tranquilo", que a "verdade venceu" e que sua defesa pretende seguir brigando pela suspeição de Moro. Em uma pista sobre seus próximos passos, afirmou que deseja viajar pelo país e também "conversar com a classe política".
O tom mais amplo do discurso buscou atingir uma base para além de seus eleitores assíduos, de olho em uma parcela da população desacreditada com a gestão Bolsonaro. O principal tema da fala foi a gestão de Bolsonaro na pandemia, em uma prévia do que pode ser a campanha em 2022. Temas como a inflação dos alimentos e a política econômica também apareceram.
Logo nas primeiras frases do discurso, o petista alfinetou Bolsonaro. "Espero que todos estejam de máscara", disse.
Lula usa boa parte da fala para falar sobre as vacinas e a gestão da pandemia. "Vou tomar minha vacina, não importa de que país", disse. "E quero fazer propaganda pro povo brasileiro. Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da república ou do ministro da Saúde."
"Tome vacina porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você do covid. Mas mesmo tomando vacina, não ache que você pode tomar vacina e já tirar a camisa, já ir pro boteco pedir uma cerveja gelada, ficar conversando. Não. Você precisa continuar fazendo o isolamento, precisa continuar utilizando máscara, utilizando álcool em gel. Pelo amor de deus. Esse vírus, essa noite, matou quase 2.000 pessoas. As mortes estão sendo naturalizadas."
Ao falar sobre a pandemia, disse que a dor que sentiu ao ficar preso por 580 dias não se compara ao sofrimento da população em meio ao coronavírus. "Por isso, quero prestar minha solidariedade às vítimas do coronavírus, aos familiares das vítimas do coronavírus [...], aos heróis e às heroínas do SUS que por tanto tempo foram descredenciados [...], porque só mostravam as coisas ruins que aconteciam no SUS", disse.
Lula também disse que tem "solidariedade" com os governadores que, segundo ele, estão "lutando para dar vacina" mesmo em meio ao que chamou de um governo e Ministério da Saúde "incompetentes".
Lula criticou também a gestão econômica do governo e o ministro da Economia Paulo Guedes, se dizendo contrário a privatizações recentes, como a da BR Distribuidora.
"Vocês já ouviram o Guedes falar uma palavra sobre crescimento econômico? [...] Não, é vender", disse. "O que vai fazer diminuir nossa dívida em relação ao PIB é o crescimento econômico. Se o Estado não confia em sua política e não investe, por que um empresário haveria de investir?"
Em tom conciliador, disse que quer "conversar com a classe política", inclusive com outros partidos, e com os empresários, afirmando que, em sua visão, é preciso crescimento e geração de empregos para que as empresas cresçam. "Não tenham medo de mim", disse, ao falar sobre os empresários. "Eu sou radical. Eu sou radical porque eu quero ir a fundo nos problemas desse país."
Sobre a política econômica na pandemia, disse ser favorável ao auxílio emergencial e a apoio econômico aos pequenos empresários. "Quantos restaurantes não estão fechando?", disse.
Ao falar sobre os combustíveis, tema de polêmica recente do governo Bolsonaro, Lula questionou que o preço do petróleo brasileiro siga o preço internacional, uma visão que é criticada por economistas por ser onerosa à Petrobras. "O Brasil tem a matéria prima", disse. O ex-presidente disse também que, em sua gestão, o governo reduziu o nível de poluentes nos combustíveis ao "padrão europeu" e que desenvolveu tecnologia para explorar o pré-sal brasileiro.
Em outro momento, citou as regulações recentes do governo federal que ampliaram o acesso a armas e fez um afago às Forças Armadas e à polícia, grupos fortemente aliados de Bolsonaro. "Um presidente da república não é eleito para falar bobagem de fake news, não é eleito para incentivar a compra de armas, como se nós tivéssemos necessitando de armas. Quem está precisando de arma são as nossas Forças Armadas, quem está precisando de arma é a nossa polícia."
"Esse povo não está precisando de arma, está precisando de emprego", disse, afirmando que isso é "papel de um presidente da República" e dizendo que o presidente tem feito políticas para "milicianos".
Lula marcou a transmissão na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC — mesmo local em que começou sua carreira política e o mesmo em que, há quase três anos, era levado preso pela Polícia Federal. "Há três anos, eu saía daqui contra a minha vontade", disse. "Fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história."
O ex-presidente afirmou que Fachin cumpriu uma reivindicação que era feita por sua defesa desde 2016. O ministro do STF decidiu que a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba não era competente para julgar o caso de Lula, o que anulou suas condenações e o tornou elegível em 2022. "O Moro entendia que a única forma de me pegar era me levar para a Lava Jato", disse. "Pela primeira vez, a verdade prevaleceu".
Na fala, agradeceu a líderes da América Latina, como o presidente argentino Alberto Fernández e o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica. Citou até mesmo o Papa Francisco, que o enviou uma carta quando estava preso.
No palanque, o petista falou ao lado de aliados como o ex-candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, o ex-prefeito e candidato à presidência em 2018 Fernando Haddad (PT). A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e outros nomes do partido também estiveram presentes.
No discurso de hoje, Lula citou o julgamento de ontem sobre a suspeição de Moro, afirmando que "a verdade" foi dita pelos ministros do STF no julgamento — e "até pela Cármen Lúcia", citando que a magistrada era, historicamente, amplamente defensora da Lava-Jato, mas disse ontem que poderia reavaliar seu voto diante das críticas à operação.
Lula disse estar "tranquilo" e que já foi absolvido "em todos os processos fora de Curitiba". Seu processo, com a decisão de Fachin, corre agora no Distrito Federal. Na fala, fica claro que o grande objetivo da defesa de Lula é a suspeição de Moro.
"Nós vamos continuar brigando para que o Moro seja considerado suspeito, porque ele não tem o direito de se transformar no maior mentiroso da história do Brasil e ser considerado herói por aqueles que queriam me culpar. Deus de barro não dura muito tempo", disse.
Ao citar a economia no momento, Lula disse também que a Lava Jato deveria ter prendido os culpados, mas preservado as empresas, afirmando que a operação fez uma "destruição na corrente geradora de empregos no país" e que ceifou mais de 1 milhão de empregos na construção civil.
Há duas questões tramitando sobre o ex-presidente neste momento. Primeiro, a decisão de Fachin, na segunda-feira, 8, pegou parte do STF de surpresa e virou de cabeça para baixo o jogo político no Brasil ao tornar Lula elegível até que seja novamente julgado. O ministro julgou que a Justiça Federal em Curitiba, que condenou Lula, não era competente para julgar o caso.
Enquanto isso, o STF retomou ontem o julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, em uma outra frente de debate no Supremo. Pautada pelo ministro Gilmar Mendes, a votação na Segunda Turna sobre a suspeição está agora empatada em 2x2 (mas ministros que votaram a favor de Moro já indicaram que podem ainda mudar o voto). O voto de Minerva ficou nas mãos do ministro Kassio Nunes Marques, o ministro mais novo da Corte, indicado no ano passado pelo presidente Bolsonaro. Marques pediu ontem vista do processo, paralisando a votação.
O processo de suspeição no STF foi iniciado após o vazamento de mensagens da força tarefa em Curitiba, em mensagens publicadas pelo site The Intercept (episódio que ficou conhecido como "Vaza Jato"). Uma suspeição anularia as sentenças de Moro na Lava Jato, incluindo sobre Lula, e praticamente confirmaria a possibilidade de o ex-presidente concorrer em 2022.
Mesmo com Lula podendo voltar ao páreo, as principais sondagens indicam que o presidente Jair Bolsonaro é ainda favorito ao pleito do ano que vem. As últimas pesquisas EXAME/IDEIA (feitas antes da decisão de Fachin) apontam que Bolsonaro seria até então provavelmente reeleito, com mais de 30% dos votos no primeiro turno e 17% de Lula. A aprovação do presidente, embora em leve queda, também segue na casa dos 30%.
Mas Lula e seus aliados apostam nas críticas crescentes a Bolsonaro e na memória afetiva que o ex-presidente tem junto a parte do eleitorado para virar o jogo. Chamou a atenção nos últimos dias uma pesquisa do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) em que o petista aparece liderando em possibilidade de votos: 50% dos entrevistados do Ipec disseram que escolheriam com certeza ou poderiam escolher Lula em 2022, ante 38% que disseram o mesmo sobre Bolsonaro.
Com o discurso de hoje, Lula praticamente confirma sua candidatura à presidência em 2022. A dúvida a partir de agora é como pretende construir uma coalizão para chegar lá. A presença de Boulos e Haddad nesta manhã levantou questionamentos sobre como será a chapa do PT para 2022. Até agora, não se sabe se o PT disputará com uma chapa pura, como fez em 2018 antes da prisão de Lula, ou se buscará alguma aliança.
O Ibovespa, principal índice acionário brasileiro, chegou a fechar o pregão em queda de 4% horas depois da decisão de Fachin, em meio às novas preocupações do mercado financeiro sobre a participação de Lula na eleição de 2022 e com a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro, a partir de agora, enterrar ainda mais a agenda de reformas de modo a fazer frente ao ex-presidente.