Escola durante a pandemia: dificuldades na mensuração do Ideb 2021 (Amanda Perobelli/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 16 de setembro de 2022 às 13h04.
Última atualização em 18 de setembro de 2022 às 10h32.
O Inep, autarquia ligada ao Ministério da Educação, divulgou nesta sexta-feira, 16, a nova leva de dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Os números gerais mostraram pouca variação, em parte devido aos desafios de computar aprovação e notas durante a pandemia, mas a proficiência em testes de português e matemática, incluindo na alfabetização, evidenciam queda já esperada em relação aos anos anteriores.
O resultado foi o primeiro desde o início dos casos de covid-19 e fechamento das escolas — o Ideb é bianual e o último divulgado, em 2020, era referente ao ano anterior, em 2019.
Os números do Ideb ficaram, no geral, estáveis em 2021, sobretudo devido ao impacto da aprovação automática durante a pandemia:
O Ideb é um índice que vai de zero a dez e tenta mensurar aspectos de qualidade na educação por meio de duas frentes: desempenho no Saeb, uma prova de português e matemática feita em dezembro de 2021, e fluxo escolar, isto é, se os alunos estão permanecendo e avançando de série na escola (veja os detalhes no fim da página).
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O Ideb foi criado em 2007 e resultados são disponibilizados desde 2005 no Brasil. Antes da pandemia, o Brasil vinha avançando no índice, sobretudo nos anos iniciais do ensino fundamental, mas com dificuldades maiores no ensino médio. Grosso modo, um patamar a ser atingido é acima de seis, mais próximo de países desenvolvidos.
Como a EXAME mostrou, um dos principais desafios na mensuração do Ideb 2021 foi que redes utilizaram uma recomendação de não reprovar os alunos dadas as dificuldades de acompanhamento e avaliação durante a pandemia.
Depois disso, como os estados e municípios voltaram às aulas presenciais em momentos diferentes, alguns locais podem ter tido aprovação mais alta de forma artificial, o que puxou toda a nota para cima. As especificidades de cada lugar só poderão ser analisadas mais a fundo quando forem divulgados os microdados do Ideb, com detalhes sobre cada base de dados, dizem especialistas.
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Por isso, técnicos do Inep e representantes de órgãos de educação apontaram durante a apresentação dos resultados nesta sexta-feira que os números devem ser comparáveis sobretudo em relação ao histórico da própria localidade, mas que é difícil fazer comparações entre estados ou escolas sem entender, antes, as condições de cada região no momento da avaliação.
"[O resultado] deve ser usado sobretudo pelas redes e atores que trabalham com educação, mas entendo que a comparabilidade dos resultados deve ser evitada", disse Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), durante a apresentação do Ideb em Brasília. "Cada rede fez de um jeito, cada rede fez em um tempo, e esses fatores com certeza afetaram."
No caso das avaliações do Saeb, o segundo componente do Ideb, as notas mostram queda na proficiência, isto é, no quanto os alunos mostraram saber em português e matemática, com muitas etapas retrocedendo para patamares próximos de 2015 ou 2017.
No ensino infantil, cujos resultados foram divulgados pela primeira vez neste ano, houve uma queda de 24 pontos em Língua Portuguesa - que, nesta etapa, se refere sobretudo à alfabetização - em relação aos resultados piloto de 2019, disse o Inep.
"O ponto de maior atenção é realmente a alfabetização, a Língua Portuguesa, no 2º ano do fundamental", disse Clara Machado da Silva Alarcão, coordenadora-geral substituta do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
"Essas crianças precisam de ajuda para superar essas lacunas. Elas estão sentadas agora em turmas de 3º ano de todo o Brasil. Essa aplicação aconteceu há dez meses, estamos em condições de intervir e garantir a superação dessa lacuna que foi observada."
O secretário de educação básica do Ministério da Educação (MEC), Mauro Luiz Rabelo, disse que gestores poderão, agora, "correr atrás do prejuízo". "A gente entrega pra sociedade brasileira um retrato dos desafios que a educação tem pela frente", disse sobre os resultados.
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Pela Constituição, a gestão na ponta da maior parte do ensino médio e anos finais do ensino fundamental fica com estados, e a maior parte da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, com municípios. Ao MEC, cabe coordenar e prestar apoio técnico e financeiro, como via redistribuição de recursos do Fundeb (fundo da educação básica), além de liderar políticas nacionais, em programas como do livro didático e alimentação escolar.
Na pandemia, a gestão do MEC (primeiro com o ministro Abraham Weintraub e, depois, com Milton Ribeiro) foi criticada por, segundo questionamentos das secretarias estaduais e municipais, falhar em centralizar políticas para o combate aos atrasos educacionais, como a falta de apoio à conectividade dos alunos sem internet.
Além das notas bianuais, o Brasil tem metas gerais para cada etapa (e cada estado, escola ou município, individualmente). Com exceção dos anos iniciais do ensino fundamental, as etapas seguem longe da meta prevista, embora especialistas também argumentem que os valores, traçados antes da pandemia, se tornaram difíceis de serem atingidos em 2021 após a emergência sanitária.
A meta para 2021, antes da pandemia, era:
A nota menor do ensino médio no Ideb, historicamente, reflete taxas maiores de abandono da escola pelos alunos e desempenhos piores nas provas — os dois componentes que aparecem no Ideb. A pandemia não trouxe boas notícias nessa frente, uma vez que o ensino médio foi uma das etapas mais afetadas na permanência, com a necessidade dos alunos mais velhos de trabalhar em meio à crise econômica.
Desde que o Ideb foi criado, a orientação técnica é que o índice não deve ser visto como uma nota isolada em um ranking. O melhor dado a ser analisado é a evolução de cada escola, cidade ou estado na comparação consigo mesmo, ou com outros locais parecidos em condições socioeconômicas.
Como a EXAME mostrou, mesmo antes da covid-19, redes estaduais que atendem alunos mais pobres tiveram notas piores, pois há uma relação entre situação socioeconômica dos alunos e o desempenho. Se isso já era verdade antes da pandemia, os últimos dois anos ajudaram a escancarar as desigualdades, com problemas como a falta de acesso à internet para acompanhar as aulas, que serão refletidos nos números do Ideb.
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O Ideb de 2021, por isso, deve ser lido com cautela redobrada, disseram especialistas consultados pela EXAME. "Neste ano, praticamente a única comparação que pode ser feita é de um estado com ele mesmo”, disse em entrevista antes da divulgação dos resultados Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, organização com foco em educação.
Nesse contexto, disse Henriques, o Ideb de 2021 tem o risco de “penalizar com notas piores” as escolas que “foram mais rigorosas” na classificação do abandono escolar, por exemplo, porque tais redes admitirão que muitos alunos abandonaram e terão, assim, notas ruins no aspecto de fluxo.
A nota do Ideb para cada localidade inclui dois componentes:
Cada escola tem sua nota e uma meta própria a ser perseguida, assim como cada cidade, cada estado e, por fim, a média geral do Brasil. O índice geral inclui escolas públicas e particulares, mas o Inep também separa, na divulgação, os resultados específicos da rede pública e da privada.
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Embora seja um dos principais indicadores usados no debate sobre qualidade da educação, o Ideb não resume toda a discussão qualitativa, dizem especialistas, e há outros pontos que muitos argumentam que deveriam constar nas métricas.
Mas o índice é visto como um primeiro passo para analisar os dois objetivos que estão englobados na nota: o quanto os alunos estão continuando na escola e, uma vez matriculados, se estão aprendendo determinados conceitos esperados.