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Fundo de R$ 3,6 bi para campanhas 'é um desaforo', afirma Barroso

Em entrevista, ministro também disse que se opõe a qualquer possibilidade de voltar ao modelo de doações empresariais para campanhas

Luis Roberto Barroso (Foto/Wikimedia Commons)

Luis Roberto Barroso (Foto/Wikimedia Commons)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 20 de agosto de 2017 às 09h17.

Última atualização em 20 de agosto de 2017 às 09h19.

Brasília - Crítico do atual modelo eleitoral e partidário brasileiro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), considera um "desaforo" a criação de um fundo público com R$ 3,6 bilhões para financiar campanhas, como está sendo discutido na Câmara. Diz que o valor teria de ser menor, chegando, no máximo, a R$ 1 bilhão.

Futuro vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2018, Barroso aponta como positiva a proibição da doação empresarial nas eleições, sistema que, segundo ele, era "mafioso".

O ministro defende o barateamento das campanhas, o aumento da representatividade no Parlamento e a ampliação da governabilidade. Para ele, a solução é o Congresso aprovar o voto distrital misto para as eleições de 2022, mesmo pagando o "preço do distritão" para 2018 e 2020. "Se não passar a reforma política, vamos continuar afundando no lamaçal que se tornou a política brasileira, e a lama já passou do pescoço", afirmou o ministro ao Estadão/Broadcast. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Sistema atual

Para o ministro, o sistema eleitoral brasileiro, com voto proporcional, lista aberta e coligações, é um "desastre completo". "O eleitor não sabe exatamente quem ele elegeu, e o candidato não sabe exatamente por quem ele foi eleito", diz. "Não tem como funcionar, porque o eleitor não tem de quem cobrar e o candidato não tem a quem prestar contas. Esta é, a meu ver, a principal causa do descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Viraram mundos apartados, e isso, se perdurar por muito tempo, oferece um risco democrático. Portanto, é preciso reaproximar a política da sociedade."

O ministro critica a profusão de partidos políticos - atualmente são 35 registrados no TSE - e diz que o Supremo errou ao eliminar a cláusula de barreira, em julgamento em 2006. "Existem mais de três dezenas de partidos, existem outros tantos esperando na fila, de baixíssima densidade programática, e, na verdade, esses partidos acabam virando negócios privados. E, frequentemente, negócios privados desonestos, porque esses partidos vivem de apropriação privada do Fundo Partidário e da venda do tempo de televisão", afirma.

Fundo eleitoral

"A alternativa que se cogita, de R$ 3,6 bilhões, na atual conjuntura brasileira, é um desaforo, e, portanto, é compreensível a reação da sociedade. Um número mais compatível com a realidade brasileira, R$ 800 milhões, por exemplo, até R$ 1 bilhão, é uma discussão razoável, considerando a transição do modelo que nós temos para o do distrital misto, que é muito mais barato."

Governabilidade

No atual modelo presidencialista, segundo Barroso, o mandatário tem "excessivo protagonismo" e "mais poderes para fazer o mal do que o bem". A proposta do ministro é a adoção do semipresidencialismo, em que o presidente seria eleito pelo voto direto, conduziria as relações internacionais e indicaria o primeiro-ministro, bem como os ministros do Poder Judiciário.

"A eventual substituição do primeiro-ministro não abalaria as instituições, porque o fiador da estabilidade institucional é o presidente da República, que tem mandato e não pode ser destituído", avalia Barroso.

Distritão

Barroso diz não ver com simpatia o distritão, por considerar que esse sistema dificulta a representação de minorias e pode até encarecer as eleições. "Não me importaria que ele passasse, se esse for o preço para passar ao distrital misto em seguida. O sistema atual é tão ruim que possivelmente o distritão não é pior", avalia.

E completa: "Acho que nós ainda vamos ter uma eleição difícil (em 2018), mas, se passar a reforma política com o distrital misto, nós teremos um caminho para o futuro. Se não passar a reforma política, vamos continuar afundando no lamaçal que se tornou a política brasileira, e a lama já passou do pescoço", afirma.

Enfraquecimento das siglas

Barroso rebate as críticas de que os partidos políticos seriam enfraquecidos com a aprovação do distritão. "Enfraquecimento dos partidos não é uma profecia. É um diagnóstico. Os partidos já estão dilacerados, quase todos envolvidos em coisas erradas. Uma das situações reveladas pela Operação Lava Jato é que a corrupção no Brasil é multipartidária. Ninguém pode apontar o dedo para ninguém neste momento no Brasil. A única discussão que pode ter é: "O seu partido é mais corrupto do que o meu", afirma.

Doações empresariais

O ministro se opõe a qualquer possibilidade de voltar ao modelo de doações empresariais para campanhas, barrado pelo STF em 2015. Segundo ele, esse sistema foi "indecente no Brasil".

"O sistema era imoral no sentido constitucional da falta de moralidade administrativa, e, portanto, o Supremo fez muito bem em fulminá-la (doação empresarial). Pior que imoral, ele era mafioso, como aliás a colaboração premiada da JBS mostrou. Tudo era comprado. Do financiamento à desoneração, era pago com dinheiro público, era pago com recurso desviado", afirma.

Paternalismo

Apesar de apoiar financiamento público para as próximas eleições, Barroso defende o fim desse sistema a longo prazo. "A meta tem de ser acabar com o fundo. A política precisa ser financiada pela cidadania. Você vai conquistar adeptos, fazer crowdfunding (financiamento por meio de pequenas quantias, geralmente doadas pela internet por pessoas físicas), vai à sociedade buscar dinheiro. Essa dependência permanente da verba pública que se criou no Brasil para tudo tem que acabar. A sociedade tem que acabar com essa dependência do Estado. Esse paternalismo que existe no Brasil em relação a tudo precisa diminuir", diz.

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