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Faeda, da Defensoria Pública: presídios privados?

Gian Kojikovski O massacre que ocorreu no último domingo no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, em Manaus, levantou questões sobre as políticas públicas para punição e ressocialização de condenados. A disputa entre as facções Primeiro Comando da Capital e Família do Norte resultou na morte de ao menos 56 pessoas. O modelo de administração prisional […]

FAEDA: “o modelo de privatização adotado hoje é inconstitucional” / Divulgação

FAEDA: “o modelo de privatização adotado hoje é inconstitucional” / Divulgação

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Gian Kojikovski

Publicado em 4 de janeiro de 2017 às 14h36.

Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h02.

Gian Kojikovski

O massacre que ocorreu no último domingo no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, em Manaus, levantou questões sobre as políticas públicas para punição e ressocialização de condenados. A disputa entre as facções Primeiro Comando da Capital e Família do Norte resultou na morte de ao menos 56 pessoas. O modelo de administração prisional do local, que se baseava na prestação terceirizada de trabalhos como o de agentes carcerários se mostrou ineficiente tanto para impedir a entrada de armas no complexo como para controlar a rebelião. É uma questão fundamental a se observar num momento em que o Brasil debate a privatização de presídios e da administração de unidades prisionais. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo é um dos órgãos que mais estuda esse tipo de relação e seu defensor Bernardo Faeda e Silva, um dos maiores especialistas brasileiros no assunto. Ele concedeu a seguinte entrevista a EXAME Hoje.

No massacre ocorrido em Manaus, o fato de que os serviços prestados no complexo prisional serem terceirizados – a empresa responsável é a Umanizzare – causou polêmica. Empresas privadas são mais eficientes nessa seara?

A grande questão, e essa é a opinião do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, é que o modelo de privatização adotado hoje é inconstitucional. Juridicamente, ele não é possível no Brasil. Constitucionalmente, esse serviço é indelegável – ou seja, é prerrogativa do Estado, e não pode ser objeto nem de terceirização, nem de privatização.

Então, pela Constituição, esse serviço não poderia ser prestado por empresas privadas?

Pela Constituição, o monopólio do uso da força é prerrogativa do estado e faz parte da segurança pública. O sistema carcerário faz parte da segurança pública. Diferentemente de serviços como telefonia ou distribuição de energia elétrica, as prisões não têm como consequência o desenvolvimento da sociedade. Os usuários também não se beneficiam da prestação desse serviço de acordo com sua conveniência ou necessidade, como acontece com o transporte público, por exemplo. Temos a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 620.000 presos. Essa quantidade é um entrave ao desenvolvimento eficaz dessa prestação de serviço tanto pelo estado quanto seria por qualquer empresa privada.

Se na visão do senhor privatizar não é a solução, por onde começar a resolver o problema?

O sistema prisional brasileiro como um todo está falido. O sistema é baseado em superencarceramento que gera superlotação e não atinge as finalidades para o qual existe. Ele não tem como finalidade a ideia de ressocialização, apenas a de punição, e o conceito da prisão não se baseia só nisso. Como o sistema prisional está desenvolvido hoje, ele muito mais viola direitos e dignidades do que tenta ressocializar o preso. A solução não é migrar para o particular justamente pela característica de essencialidade do serviço e da inerência desse tipo de serviço público à prestação estatal. Não há benefício público nenhum nessa migração, como acontece com outros serviços, como a concessão energia elétrica, por exemplo. Nesse caso, o destinatário do serviço público está naquela situação por uma imposição judicial, então o serviço público prisional não pode ser comparado com uma em que há livre disposição do destinatário.

 

Mas qual a solução para isso?

São necessárias políticas públicas de desencarceramento, o aprisionamento não cumpre o papel de ressocialização porque as condições infraestruturais são indignas. Alguém que comete um crime tem que ser punido com privação de liberdade, mas o que acontece é a privação de dignidade. Não é concedido aos aprisionados direitos humanos básicos. Não há um cálculo, mas enquanto houver superencarceramento, isso vai ser um entrave para a prestação adequada desse serviço. Existem países muito maiores, como a Índia, que têm sua população carcerária menor. Se essa fosse a solução, por que um país que encarcera tanto como o Brasil não resolveu o problema de segurança pública ainda?

Como praticar esse desencarceramento de maneira que não dificulte ainda mais a segurança pública nos estados?

É um problema de dupla ordem. No código penal, existe um excesso de previsões de penas restritivas de liberdade, enquanto poderiam ser restritivas de direitos, em relação a determinados delitos mais leves. É necessário ampliar a quantidade de delitos que podem ser resolvidos de outra forma, como uma composição civil ou negociação de reparação de danos, inclusive com a vítima. Seria uma justiça penal que visa a negociação no lugar da privação. O outro lado é a mentalidade tanto dos aplicadores do direito como da população, que acha que a punição é mais importante que a ressocialização. Acaba sendo um sentimento de vingança, mas a justiça não pode se basear nisso.

No final das contas, a superlotação de cadeias e a política carcerária ruim foram responsável por criar facções como essas envolvidas no massacre em Manaus?

Justamente. Esse superencarceramento também foi responsável pela criação dessas facções, que surgiram por conta da ineficiência do estado, e compete só ao estado garantir direitos às pessoas apenadas e aprisionadas. Foi a partir do massacre do Carandiru que houve o aparecimento e o crescimento dessas organizações criminosas. Agora, o estado tem que lidar com isso.

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