Entre emendas, cargos e projetos, governo busca agradar deputados
O objetivo é que, com as liberações, o presidente Temer seja absolvido das denúncias de corrupção votadas nesta quarta-feira
Reuters
Publicado em 25 de outubro de 2017 às 09h39.
Última atualização em 25 de outubro de 2017 às 09h46.
Brasília - O Palácio do Planalto pagou com emendas, projetos de lei, portarias e cargos a fatura da manutenção do presidente Michel Temer no cargo, com um custo não apenas político, mas também financeiro para o governo .
Temer foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por participação em organização criminosa e obstrução de Justiça. Junto como ele foram acusados os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral). O presidente já sobreviveu a uma acusação anterior, em agosto, por corrupção passiva, que acabou sendo barrada pelos deputados.
Nas últimas semanas, a liberação do pagamento de emendas até o dia 23 deste mês chegou a 1,1 bilhão de reais, de acordo com levantamento feito pelo site Contas Abertas. Em setembro, depois da apresentação da segunda denúncia contra Temer pela PGR, os empenhos chegaram a 1 bilhão.
O movimento é o mesmo da primeira denúncia. De acordo com o site, que usou como fonte de dados o portal Siga Brasil, foram empenhados de janeiro a maio apenas 102,6 milhões de reais.
Em junho, quando da tramitação da primeira denúncia, 2 bilhões de reais foram empenhados e, no mês seguinte, 2,2 bilhões de reais. Em agosto, com a derrubada da primeira denúncia, os empenhos naquele mês caíram para 199,2 milhões de reais.
"A cronologia dos empenhos demonstra, claramente, que as emendas estão sendo utilizadas como moedas de troca", afirmou o economista Gil Castelo Branco, secretário-geral do Contas Abertas.
Além das emendas, o governo chegou a voltar atrás em um dos seus principais projetos na área de infraestrutura, a concessão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, que deveria render 5,6 bilhões de reais aos cofres públicos com o pagamento de outorga, por pressão do PR, partido que controla o Ministério dos Transportes e a estatal aeroportuária Infraero.
Na última sexta-feira, depois de a Reuters adiantar a decisão do governo, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil confirmou que o governo estava reavaliando a concessão, anunciada como "jóia da coroa" do pacote apresentado no final de agosto.
Na conta da pressão do Congresso entrou, ainda, a portaria que limitou a definição de trabalho escravo e, na opinião de especialistas da área, dificultariaria a fiscalização do setor. Diretamente afetada pelas ações dos fiscais, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) tinha especial interesse no tema.
Nem mesmo a reação contrária, inclusive da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, fez o governo voltar atrás -- Temer prometeu apenas incorporar "sugestões" da PGR. Na terça-feira, uma liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a portaria.
Com 230 parlamentares, a FPA seria capaz de resolver sozinha o problema de Temer com a denúncia por participação em organização criminosa e obstrução da Justiça no Congresso. A força da chamada bancada ruralista fez com que o presidente não economizasse esforços.
Além da portaria sobre trabalho escravo, a FPA foi premiada com a publicação de um decreto que troca multas ambientais não pagas por investimentos de recuperação ambiental.
Pronto desde a metade de agosto, como mostrou a Reuters, o decreto, que dá desconto de até 60 por cento no valor das multas, só foi assinado no último final de semana.
Ajuste fiscal
Até mesmo a pauta de ajuste fiscal, em tese uma prioridade, parou enquanto o governo não resolve a questão da denúncia. Definições importantes --e impopulares-- sobre o Orçamento do próximo ano estão suspensas para não causarem atrito com os parlamentares.
Depois que o governo conseguiu aprovar o afrouxamento do rombo fiscal em 30 bilhões de reais para 2018, para um déficit primário de 159 bilhões de reais, deveria ter mandado uma mensagem modificativa ao Congresso com o detalhamento das receitas e despesas esperadas para o próximo ano, o que ainda não aconteceu.
Por trás da demora estão medidas provisórias que foram concebidas para garantir o cumprimento da meta, mas que seguem estacionadas na Casa Civil.
O governo não quis sofrer o desgaste de levá-las à apreciação da Câmara antes da votação da denúncia contra Temer pois mexem com os interesses de grupos que exercem forte pressão sobre o Legislativo.
As medidas, que mexem diretamente no bolso dos funcionários públicos, somam 11,9 bilhões de reais para 2018. Incluem 6 bilhões de reais com a equiparação do modelo de tributação dos chamados fundos fechados de investimentos com os fundos abertos, 4 bilhões de reais com reoneração da folha de pagamento das empresas e mais 1,9 bilhão de reais com elevação na contribuição previdenciária por funcionários públicos.
Estão na lista ainda medidas de controle de despesas que nem sequer foram enviadas ao Congresso, como o adiamento dos reajustes dos servidores, com economia prevista de 5,1 bilhões de reais para o ano que vem, e a imposição efetiva de um teto remuneratório a todas as verbas recebidos pelos servidores, com economia de 725 milhões de reais para 2018.
Na noite de segunda-feira, Temer reuniu no Palácio da Alvorada alguns dos líderes da base para um último acerto e contagem de votos. Na terça-feira, passou o dia no Planalto com a agenda liberada para receber parlamentares e resolver pendências de última hora.
Líderes ouvidos pela Reuters confirmam que a liberação de emendas ajuda no humor dos parlamentares, especialmente a um ano das eleições. "É uma coisa natural, é do jogo", disse um dos líderes.
Outro parlamentar, com trânsito frequente no Planalto, confirmou que a liberação de emendas entrou na negociação, assim como nomeações no Estados. "Boa parte ainda é de promessas da primeira denúncia que estão sendo cumpridas agora", disse.
O governo trabalha para conseguir manter os 263 votos favoráveis da primeira denúncia. A conta era de que poderia perder mais de 20. No entanto, o deputado Beto Mansur (PRB-SP), vice-líder do governo e responsável pelo levantamento de votos na Câmara, garante que o governo agora terá entre 260 e 270 votos.