Embrapa busca formas de reduzir necessidade de importação de fertilizantes
Em entrevista à Exame, presidente da Embrapa, Celso Moretti, detalha iniciativas que podem resultar em uma diminuição de até 25% na necessidade de importação de fertilizantes até 2030
Alessandra Azevedo
Publicado em 6 de março de 2022 às 09h00.
Com necessidade de importar 85% dos fertilizantes usados em solo nacional, o Brasil se vê diante de uma situação delicada para a próxima safra, com a dificuldade para conseguir insumos da Rússia e de Belarus em meio à guerra na Ucrânia. Enquanto o governo federal busca alternativas em locais como Canadá e Irã, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ( Embrapa ) propõe iniciativas que podem eventualmente reduzir a dependência de fertilizantes de fora.
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O presidente da Embrapa, Celso Moretti, conversou com a Exame sobre o assunto e detalhou algumas das ações que devem ser levadas adiante nos próximos meses. As frentes de atuação incluem otimização do uso de fertilizantes e investimento em novas tecnologias. A previsão é que, se o Brasil avançar de forma consistente em fontes alternativas de fertilizantes, seja possível reduzir em até 25% a necessidade de importação até 2030.
Leia os principais trechos da entrevista:
Qual o cenário que a gente encontra hoje no mercado de fertilizantes?
O Brasil hoje importa 85% dos fertilizantes que consome para a sua agricultura. No ano passado, o país consumiu 43 milhões de toneladas de fertilizantes. As três principais cadeias – soja, milho e cana de açúcar – consumiram 73%. O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo, atrás dos Estados Unidos, da Índia e da China, e nós consumimos algo em torno de 8,5% a 9% de todo o produto no mundo. Só que esses outros três países são grandes produtores de fertilizantes, e o Brasil não.
E é da Rússia que vem grande parte desses fertilizantes, certo?
Quase metade do potássio consumido no Brasil vem da Rússia e de Belarus. Existe uma dependência brasileira muito forte da importação de fertilizantes. Obviamente que agora, quando tem um conflito como esse na região do leste europeu, principalmente na região onde está acontecendo, é muito preocupante. Vi uma reportagem dizendo que as empresas que fazem seguro de carga no Mar Negro não estão fazendo, porque é uma região que hoje está em guerra. Isso tudo causa bastante preocupação aqui no Brasil, em função do agronegócio responder por 26% do PIB brasileiro.
Você acha que existe risco de desabastecimento?
Acho que, por enquanto, não. Nós estamos colhendo a safra de verão ainda. Agora vamos começar o plantio da safra de inverno, que é a conhecida como safrinha, nos meses de março e abril. Quem ia plantar agora, na safrinha, já comprou seus adubos, que já vinham com preço crescente em função do que aconteceu ano passado, na crise energética na China, também um vendedor de adubo para o Brasil. Não vejo problemas no curto prazo.
Você mencionou que o Brasil não é um grande produtor de fertilizantes, que importa muito. Por que o país não produz tanto? Quais são as dificuldades?
Tem uma série de razões. O Brasil fez a opção, e acho que isso já tem mais de quatro décadas, de canalizar o investimento do país para outras áreas que não a priorização de produção de fertilizantes. Temos a Petrobras, uma das maiores empresas de gás e óleo do mundo, mas há alguns anos a Petrobras não vem investindo na área de produção de adubos nitrogenados. E há questões naturais. O Brasil, em função do solo, da questão mineral, não tem grandes jazidas de fósforo e potássio. Temos uma jazida de potássio que fica no Amazonas, mas existem questões ambientais e legais que neste momento impedem a exploração.
Quais são as iniciativas da Embrapa no sentido de otimizar a produção de fertilizantes no país e diminuir a dependência do exterior?
Temos uma ação de curtíssimo prazo que deve iniciar na primeira quinzena de abril, a chamada Caravana Fert Brasil, uma caravana de pesquisadores e técnicos da Embrapa que vão visitar todas as regiões produtoras do Brasil, orientando os produtores a fazer melhor utilização dos fertilizantes que têm à sua disposição. O grande objetivo é aumentar a eficiência do uso de fertilizantes no Brasil.
Qual é o ganho esperado com essa ação?
Vamos poder aumentar essa eficiência de 60% para até 70% ainda em 2022, o que pode gerar uma economia da ordem de 1 bilhão de dólares para a agricultura brasileira no uso racional de fertilizantes. É uma medida de curtíssimo prazo que pode realmente ter um impacto significativo já na próxima safra de verão, que começa em setembro. Esse é o primeiro pilar, são dois pilares de ações que a Embrapa vai desenvolver este ano para apoiar a agropecuária brasileira.
Qual é o segundo pilar?
O segundo pilar é o uso de um conjunto de tecnologias que vão reduzir a dependência de importação de fertilizantes. É um trabalho que já vem sendo feito e vai ser fortalecido. Esse segundo pilar tem alguns componentes. O primeiro é o uso de biofertilizantes. Em 2019, a Embrapa colocou no mercado brasileiro um biofertilizante chamado BiomaPhos. São duas bactérias que descobrimos que, quando você aplica no solo, elas atuam sobre o fósforo que está no solo e deixa o fósforo mais disponível para a planta. Com isso, o produtor tem que usar menos fosfato, menos adubo.
Esse biofertilizante já é bastante utilizado?
Na safra de 19/20 foram 300 mil hectares no Brasil com BiomaPhos. Na de 20/21, 1,5 milhão de hectares, e 21/22 a previsão é de 3 milhões de hectares. O segundo componente do segundo pilar é o uso do que a gente chama de fertilização de precisão, onde o produtor faz o levantamento do solo e vê onde que está faltando nutrientes na fazenda. Ao invés de aplicar o fertilizante de maneira uniforme, ele regula para aplicar a quantidade necessária em cada local.
Há outros tipos de adubos que também podem ser utilizados?
O terceiro ponto que pode ser trabalhado é o uso de adubos organominerais, combinar o uso de fertilizantes minerais, que o Brasil importa, com adubos orgânicos, como esterco bovino, suíno ou de aves. A planta se beneficia tanto do adubo mineral quanto do combinado. O quarto componente é o que a gente chama de remineralizadores, condicionadores do solo ou pó de rocha. Existem algumas evidências mostrando que poderiam funcionar para repor a demanda de nutrientes das plantas, mas ainda estamos estudando essa possibilidade.
Qual é o quinto componente?
São os fertilizantes nanoestruturados, que são partículas minúsculas, menores que a espessura de um fio de cabelo, com as quais desenvolvemos adubos. Elas fazem a liberação lenta do adubo no solo. Você coloca o adubo e ele vai sendo lentamente liberado para a planta. Com isso, a planta demora mais para ter fome, vamos dizer assim.
Essas cinco iniciativas também são de curto prazo?
As dos bioinsumos, nanoesruturados e organominerais já são realidade. O BiomaPhos já está no mercado. A do pó de rocha estamos estudando. Mas a gente precisa obviamente fortalecer o uso de todas essas estratégias.
Qual o impacto do uso dessas estratégias na diminuição da dependência de fertilizantes do exterior?
Nossa previsão é que, se o Brasil avançar de forma consistente nessas frentes de fontes alternativas de fertilizantes, até 2030 consigamos reduzir em 25% a necessidade de importação. O Brasil importa 43 milhões de toneladas. Se a gente colocar a energia necessária nessas frentes, vai poder, até 2030, reduzir 10 milhões de toneladas de importação de fertilizante, se continuasse estável esse número de 43 milhões. O que a gente espera é que até lá o Brasil esteja produzindo mais alimentos do que produz hoje e usando menos adubo, tendo uma agricultura mais eficiente, competitiva e sustentável.
Essas iniciativas fazem parte das ações que a ministra Tereza Cristina anunciou que seriam estudadas pela Embrapa? Recentemente, ela disse que acionou a empresa para estudos de eficiência.
Essas são duas iniciativas que estão dentro do rol de um conjunto maior de iniciativas. Fazem parte desse conjunto de ações que estão dentro do Plano Nacional de Fertilizantes, que vai ser divulgado em breve pelo governo federal. Se não me engano, ainda no mês de março.Existem várias outras ações previstas para o plano, mas ele será detalhado pela ministra.
O presidente Jair Bolsonaro citou um projeto de lei que permite exploração de terras indígenas como solução para o problema dos fertilizantes. A Embrapa já estudou algo nesse sentido? Isso é necessário?
Não temos esses estudos. Só ouvi falar sobre isso, mas não tenho acompanhado de perto essa questão. A gente não tem nenhum estudo relacionado a essa área. Nosso negócio é desenvolver tecnologia para resolver os problemas do agronegócio. Essa parte ambiental, legal, a gente deixa para quem de direito.
Você pode explicar por que o Brasil tem tanta necessidade de fertilizantes, mais do que em outros países? É a questão do solo mais pobre?
Os solos brasileiros são pobres e ácidos. O cerrado brasileiro é um grande exemplo disso. Quando a gente conta que, na década de 70, o Brasil era importador de alimentos, importava carne da Europa, leite dos Estados Unidos e feijão do México, as pessoas não acreditam que em menos de cinco décadas nós nos transformamos numa potência agroambiental. Um dos segredos foi conseguir transformar solos pobres e ácidos, que são do cerrado, em terra fértil. Isso foi com tecnologia, obviamente, e importando nutrientes, fertilizantes. Mas tem outros países no cinturão tropical que não conseguiram fazer isso. O Brasil fez.
Tem alguma outra iniciativa da Embrapa que possa ser destacada, ainda em relação aos impactos decorrentes da guerra?
A questão do abastecimento do trigo é bem interessante. Ele está na nossa mesa todo dia, para fazer biscoito, pão, massa. E o Brasil ainda é importador líquido de trigo. Aliás, a única commodity que importamos é o trigo. A Embrapa desenvolveu o trigo tropical, novidade no mundo. Nenhum outro lugar consegue produzir trigo na região tropical. O Brasil tem demanda anual de 12,5 milhões de toneladas de trigo. Ano passado, produzimos 7,5 milhões. Tivemos que importar 5 milhões. Para fazer essas 5 milhões, poderíamos usar 2 milhões de hectares nos cerrados, usando tecnologia da Embrapa. Ou seja, o Brasil já tem tecnologia para se tornar autossuficiente na produção de trigo.
O uso dessa tecnologia está em expansão?
Sim. O trigo tropical da Embrapa já ocupa 100 mil hectares nos cerrados de Goiás e de Minas Gerais. E nós temos capacidade para chegar a mais de 2 milhões de hectares nos cerrados. Temos tecnologia e terra para ter autossuficiência na produção de trigo e não ficarmos mais preocupados achar fornecedor, porque Ucrânia e Rússia são também grandes produtores de trigo. Temos tecnologia para produzir trigo nas regiões tropicais da África. E hoje há mais de 800 milhões de pessoas no mundo passando fome. Essa tecnologia da Embrapa pode contribuir para reduzir a fome no mundo.
Em quanto tempo seria possível chegar à autossuficiência no Brasil, se essa tecnologia fosse implementada em peso?
Depende de inúmeros fatores. A tecnologia já tem. Mas para aumentar drasticamente a área de produção, tem que ter sementes. Para isso, tem que ter empresas que vão enxergar que tem essa oportunidade e produzir mais sementes. Para ter gente querendo plantar mais, os moinhos precisam se deslocar. É preciso ter moinhos no Centro-Oeste, porque a maior parte está no Sul e no Sudeste. Para que tenha empresas produzindo sementes e para que moinhos sejam instalados, precisa ter crédito. Acho que esse tripé de sementes, moinho e crédito é razoável para ter essa expansão. A Embrapa fez o papel dela, de desenvolver a tecnologia.