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Documento da CIA vincula Médici à "violência"

Documento do Conselho de Segurança Nacional faz parte dos papéis que a CIA tornou públicos em 2016 e 2017

Ditadura Militar: o documento é o segundo revelado recentemente pelos americanos a ligar presidentes do ciclo militar a violações dos direitos humanos (Paulo Pinto/Fotos Públicas)

Ditadura Militar: o documento é o segundo revelado recentemente pelos americanos a ligar presidentes do ciclo militar a violações dos direitos humanos (Paulo Pinto/Fotos Públicas)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 17 de maio de 2018 às 10h44.

Última atualização em 17 de maio de 2018 às 12h21.

São Paulo - Memorando de 11 de fevereiro de 1971, escrito pelo assessor do Conselho Segurança Nacional dos Estados Unidos Arnold Nachmanoff, mostra que o governo americano acreditava que o presidente brasileiro Emílio Garrastazu Médici "devia ter consciência da extensão da violência usada pelas forças de segurança brasileiras". "E, talvez, dado consentimento tácito em vez de enfrentar os elementos da linha dura nas Forças Armadas."

Sobre Médici, o documento dizia ainda que, apesar de sua possível conivência, seu "instintos próprios parecem moderados". "Ele (Médici) teve um papel pessoal em desarmar a polêmica sobre a tortura no último ano. Contudo, o reaparecimento da publicidade em torno da tortura pode danificar sua imagem seriamente", escreveu Nachmanoff.

O documento do Conselho de Segurança Nacional faz parte dos papéis que a Agência Central de Inteligência (CIA) americana tornou públicos em 2016 e 2017. Ele foi enviado ao então conselheiro de segurança nacional, Henry Kissinger, em razão da visita que Médici faria aos Estados Unidos.

O título era "Relatos de tortura podem complicar a visita de Medici". Trata-se do segundo documento revelado recentemente pelos americanos a ligar presidentes do ciclo militar (1964-1985) a violações dos direitos humanos - na semana passada, outro memorando da CIA fez o mesmo com Ernesto Geisel e João Figueiredo. Médici governou o País de 1969 a 1974.

"Relatos sobre o crescimento do uso de violência e tortura por oficiais brasileiros em sua campanha contra terroristas e subversivos tornaram-se mais frequentes nas semanas recentes após terem diminuído no último verão", começa o papel. Em alguns casos, segue o documento, suspeitos de terrorismo aparentemente foram mortos depois de terem sido submetidos "a torturas extremas para evitar o risco de serem soltos como parte do resgate em um sequestro".

A parte do documento que explicaria essa passagem continua sob sigilo. Fazia pouco menos de um mês que o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), havia sido libertado em troca do banimento de 70 prisioneiros. Pouco depois de seu sequestro, o guerrilheiro Eduardo Leite, o Bacuri, foi morto pelos órgãos de segurança. Segundo colegas de cárcere, sua morte serviu para impedir que Leite fosse solto com os 70.

O documento cita ainda as denúncias do então cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, sobre a tortura de padres e freiras, um incidente que "abriu uma confrontação entre a Igreja e o governo". "Esse episódio deve ter uma larga publicidade tanto lá como aqui."

A preocupação de Nachmanoff estava ligada à atuação do senador democrata Frank Church, que conduzia audiências no Senado sobre o Brasil que poderiam "priorizar a questão da tortura". A gestão do presidente Richard Nixon (republicano) tinha de lidar com um Congresso largamente democrata.

A visita de Médici era negociada entre o chanceler Mário Gibson Barbosa e o embaixador americano William Rountree. "Ele (Médici) até agora conseguiu evitar que o problema da tortura afetasse sua imagem pessoal." O relatório estimava, porém, que nova publicidade sobre a tortura, principalmente ligada à ação do Igreja, poderia danificar seriamente sua imagem.

O documento diz que o secretário de Estado, William P. Rogers, "expressara sua preocupação" ao colega Gibson Barbosa. A mensagem privada mostraria os problemas práticos e potencial de embaraço para os dois presidentes em razão do ressurgimento das denúncias. "A mensagem não iria moralizar, mas enfatizar nosso mútuo interesse de proteger Médici e a imagem do governo do Brasil."

Banidos

Em 5 de março de 1971, novo relatório da CIA dava mais detalhes sobre as denúncias. Com o título "Brasil sob Medici", afirmava que as forças de segurança "declararam guerra aos terroristas e estão empenhadas em extirpá-los". "Isso explica o tratamento cruel a qualquer suspeito de ligação com o terrorismo (...) A tortura é largamente usada para obter informações. Em vários casos, espancamentos e torturas têm provocado mortos sob interrogatórios."

Mais adiante, ele diz que as forças de segurança "consideram pessoas que tenham sido banidas para outros países em troca de embaixadores sequestrados como sujeitas à liquidação em caso de retorno". "Ao menos dois tiveram esse destino." O papel não diz a identidade dos mortos.

"Humanista"

Seis páginas com a transcrição da conversa de 22 de outubro de 1974 do secretário de Estado Henry Kissinger com seu staff mostram ele e a burocracia do departamento acuados pelo Congresso americano para que a política externa dos Estados Unidos levasse em consideração o respeito aos direitos humanos. "O que vocês querem que eu faça? Mostrar que eu sou um humanista?", pergunta Kissinger aos auxiliares.

Um deles responde que o democrata Don Fraser promovia audiências na Câmara e pressionava o governo republicano de Gerald Ford pelas relações com Coreia do Sul, Filipinas, Indonésia e Chile. "Todos aliados", diz Kissinger. Para ele, a pressão enfraquecia a posição americana no mundo. "Você acha que a posição apropriada para o Departamento de Estado é ser um reformatório para aliados?", questiona Kissinger.

O Brasil entrou na pressão de Fraser por causa do desaparecimento da professora da USP Ana Rosa Kucinski, de seu marido, Wilson Silva, e do ex-deputado estadual Paulo Stuart Wright. Eles militavam em organizações clandestinas - Wright era cidadão americano. É o que mostra telegrama do Departamento do Estado à embaixada no Brasil.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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