São Paulo: paulistanos já vêm engrossando movimento de interiorização desde os anos 1980, movimento que agora ganha impulso por conta de fatores como saturação do mercado de trabalho (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 24 de setembro de 2013 às 12h49.
São Paulo – Na década de 1980, os estrangeiros que chegavam ao Estado de São Paulo se concentravam na região metropolitana da capital paulista. Hoje, há um movimento significativo de grupos como bolivianos, paraguaios, chineses e coreanos partindo em direção a diferentes regiões do interior, para o trabalho em setores agrícolas, industriais e do comércio.
Os próprios paulistanos já vêm engrossando o movimento de interiorização da população desde os anos 1980, movimento que agora ganha impulso por conta de fatores como saturação do mercado de trabalho na cidade de São Paulo, aquecimento de segmentos variados no interior e busca por melhor qualidade de vida. Os mesmos motivos fazem crescer a migração de retorno aos estados de Minas Gerais e Paraná, bem como a movimentação de brasileiros entre outros estados que não o de São Paulo.
Essas são algumas das conclusões do Projeto Temático Observatório das Migrações em São Paulo, apoiado pela FAPESP e coordenado por Rosana Baeninger, professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo/Unicamp).
O conjunto dos dados levantados, desde 2009, por Baeninger, 16 pesquisadores e 38 alunos de mestrado, de doutorado e de iniciação científica deu forma à coleção de 12 volumes Por Dentro do Estado de São Paulo, lançada em agosto.
“Nosso objetivo foi analisar a configuração dos movimentos migratórios atuais a partir das raízes históricas desses processos. Para tanto, investigamos a formação social paulista desde o século 19, na passagem para o século 20 e ao longo dele, chegando ao início do século 21”, afirmou Baeninger, à Agência FAPESP.
As informações até 1950 foram obtidas a partir da naturalidade registrada em certidões de casamento, de anuários demográficos sanitários e de arquivos da Hospedaria dos Imigrantes, na cidade de São Paulo. A partir de então, foram analisadas séries históricas dos censos demográficos e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
“Contudo, como o censo demográfico mais recente contém informações que vão somente até 2010, entender as migrações contemporâneas, inclusive as ocorridas nos três últimos anos, exigiu uma série de visitas a campo, tanto nas regiões de origem quando na de destino das migrações”, contou Baeninger.
Dois exemplos de viagens como essas foram investigações sobre piauienses que deixam o Piauí para trabalhar em plantações paulistas de cana-de-açúcar e de laranja e bolivianos que partiram de seu país em direção não apenas à região metropolitana de São Paulo, como era de costume, mas também a polos têxteis como Indaiatuba e Americana.
Durante as visitas, os pesquisadores do Observatório das Migrações fizeram entrevistas qualitativas nas prefeituras e em órgãos vinculados à assistência social, questionando os profissionais sobre como percebem a chegada ou a partida de moradores.
De acordo com Baeninger, tais dados foram complementados com entrevistas biográficas feitas com os próprios migrantes internos e internacionais. “Pedíamos que nos contassem suas trajetórias, começando sempre com relatos mais recentes e contando quando e com quem migraram, onde moraram, entre outros aspectos.”
Razões das mudanças
Em relação à migração internacional, Baeninger afirmou que as novidades se explicam por conta da inserção de novas regiões paulistas na lógica do capital internacional – ou seja, mais investimento externo, mais demanda por mão de obra.
“Profissionais bem qualificados continuam chegando a polos de alta tecnologia como Campinas, vindos de países como Alemanha e França. Mas agora há também uma interiorização da mão de obra não qualificada que antes se concentrava na capital”, explicou a pesquisadora.
Nesse cenário, enquadram-se bolivianos e paraguaios na indústria têxtil de Indaiatuba e Americana; chineses no comércio de Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto; coreanos na indústria de semijoias e bijuterias de Limeira; e haitianos na construção civil de diferentes regiões.
A interiorização também cresce entre brasileiros, que continuam partindo da região metropolitana. “As oportunidades vêm florescendo no interior desde os anos 1970. Agora, outros fatores entram em jogo, como o aumento da violência na capital e a busca por uma melhor qualidade de vida”, disse Baeninger.
Tais motivadores também levam ao aumento da migração de retorno aos estados de Minas Gerais e Paraná, bem como à diminuição da migração dos demais estados para São Paulo. Sobre esse último aspecto, a pesquisadora afirmou que “trabalhadores que potencialmente migrariam ficam em suas regiões, quando aquecidas, ou seguem o capital internacional por diferentes estados do país”.
Novas agendas
De acordo com Baeninger, os dados coletados abrem novas agendas para os estudos populacionais. “A migração interna (entre estados) e a externa (de estrangeiros) estão cada vez mais inter-relacionadas e precisamos estudá-las concomitantemente. A formação social paulista – primeiro, trazendo imigrantes e, depois, buscando brasileiros em outros estados – contribuiu para que separássemos os dois tipos de movimentação. Mas somente uma visão global nos permitirá entender as novas territorialidades e regionalizações no século 21.”
Ainda segundo Baeninger, essa compreensão é fundamental para subsidiar políticas públicas. O Observatório das Migrações já promoveu, nesse sentido, quatro edições do Programa de Capacitação: População, Cidades e Políticas Sociais, destinado a gestores municipais de diferentes secretarias, paulistas ou não. “Publicamos editais e convidamos os participantes a pensar sobre a importância das dinâmicas populacionais para a gestão”, disse.
Um dos aspectos que Baeninger e seus parceiros consideram relevante do ponto de vista social é a criação de políticas contra posturas e atitudes preconceituosas. Segundo a pesquisadora, “os volumes migratórios são muito menores do que já foram no passado. Mas, por se destinarem em grande parte a áreas urbanas, são alvo de mais atenção e, infelizmente, de certo preconceito”.
Esse e outros temas devem seguir na pauta dos órgãos da Unicamp envolvidos no Observatório das Migrações – o próprio Núcleo de Estudos de População, o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas, o Instituto de Economia, a Faculdade de Ciências Aplicadas e o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – e de colaboradores externos vinculados à Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Marília, à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e à Faculdade Anhembi Morumbi.
Os títulos dos 12 volumes publicados são: Estado de São Paulo – Regiões Metropolitanas e Polos Regionais; Regiões Metropolitanas; Polos Regionais – São José dos Campos, Sorocaba e Ribeirão Preto; Polos Regionais – Bauru, São José do Rio Preto, Araçatuba e Presidente Prudente; Região de Limeira; Regiões Canavieiras; Retrato Paulista do Censo Demográfico de 2010; Povos Indígenas – Mobilidade Espacial; Migrações Internacionais; Processos Migratórios no Estado de São Paulo – Estudos Temáticos; Imigrantes Internacionais no Pós-Segunda Guerra Mundial; e Região Central.