Especialistas classificaram o plano como “extremamente deficitário e inconsistente” (Adriano Machado/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 19 de agosto de 2020 às 07h22.
O plano de instalação de barreiras sanitárias nas aldeias apresentado pelo governo federal deixou 70% das terras indígenas fora. É o que mostra o documento produzido pela Grupo de Trabalho liderado pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) obtido pelo GLOBO. Nele, apenas 163 das 537 terras indígenas (excluindo as que possuem povos isolados) aparecem como beneficiadas pelas medidas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para conter o avanço da Covid-19 entre esses povos.
Após a análise do documento, os especialistas convidados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) que compõem o Grupo de Trabalho classificaram o plano como “extremamente deficitário e inconsistente”, com terras indígenas duplicadas e outras sem a presença de nenhum agente do governo. A Apib enviou ontem uma petição ao ministro Luís Roberto Barroso pedindo ao STF que determine a revisão das medidas apresentadas pelo governo.
“O Plano da União carece de revisão técnica e faz uso superficial e inadequado de estudos, de informações e terminologia”, diz a petição enviada ao ministro Barroso.
No “Anexo C” do plano , o governo afirma que há 274 barreiras sanitárias instaladas, nas quais 132 (48%) têm ação exclusiva de índios, ou seja, nenhuma participação de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Apenas 25 delas (9%) possuem atuação exclusiva de agentes do governo. Outras 55 barreiras citadas no documento (20%) não têm sequer informação de composição.
No levantamento feito pela Apib junto às organizações regionais e às comunidades indígenas pode-se verificar que quase a totalidade das barreiras foi instalada e está sendo mantida pelas próprias comunidades indígenas, sem qualquer apoio da União.
— Um plano extremamente deficitário, com objetivos e metas que não priorizam salvar vidas indígenas. Além de demostrar de forma clara que o governo não está aberto ao diálogo intercultural, pois não acatou as contribuições oferecidas no âmbito do grupo de trabalho — afirma o advogado que representa a Apib no STF, Eloy Terena.
A Apib afirma ainda que no plano não há qualquer medida voltada para a instalação de barreiras de contenção de invasores, considerada ação emergencial de prevenção e combate à Covid-19.
A retirada de garimpeiros, madeireiros e grileiros das terras indígenas Arariboia, Karipuna, Kayapó, Mundurucu, Trincheira Bacajá, Uru-Eu-Wau-Wau e Yanomami foi tema de polêmica no julgamento no STF pelo fato de a Corte não ter estabelecido um prazo para a saída dos invasores. Apenas o ministro Edson Fachin votou para retirada imediata. Há dois dias os kayapós bloqueiam a rodovia BR-163, no Sudoeste do Pará, contra construção de ferrovia em suas terras e pedem ajuda para combater a Covid-19.
— A própria AGU (Advocacia-Geral da União) e o ministro Ricardo Lewandowski apoiaram o estabelecimento de um prazo de 60 dias. Parece, portanto, razoável a fixação de um prazo de 60 dias para que se apresente um plano de “desintrusão”, com previsão de prazo para a realização das operações e, principalmente, a definição do orçamento para realizá-las — diz Terena.
Por fim, a entidade pede transparência dos dados do subsistema de atenção à saúde dos povos indígenas para que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) adote os procedimentos técnicos de rotina na produção de estatísticas públicas. O relatório enviado ao STF conclui que “há grave omissão do governo federal no combate à Covid-19 em meio aos povos indígenas”.
Procurada, a ministra Damares Alves não se manifestou. O documento analisado pela Apib possui, entre outras inconsistência, casos como o da aldeia Buriti (povo Terena), em Mato Grosso do Sul. O governo diz manter uma barreira com “cerca de 300 homens, 24 horas por dia”. Há de fato uma barreira. No entanto, mantida pela própria comunidade .