Opinião: Compliance e governança corporativa dão "assistência" para as SAFs
Boas práticas ajudam o futebol a prevenir fraudes e combater crimes como racismo e homofobia, que não são responsabilidade somente do Judiciário
Publicado em 24 de maio de 2023 às 15h33.
Última atualização em 24 de maio de 2023 às 16h09.
Não são poucos os casos, no Brasil e no exterior, de clubes de futebol e entidades relacionadas que tiveram severos danos patrimoniais ou de imagem devido a fraudes, má gestão ou casos de racismo, como o que ocorreu neste fim de semana com o jogador brasileiro Vinicius Júnior, do Real Madrid, em jogo da LaLiga® (Campeonato Espanhol).
Outro exemplo recente de danos dessa natureza é a Operação “Penalidade Máxima,” que investiga suspeitas de manipulação de resultados em jogos nas séries A e B do Campeonato Brasileiro para fraudar apostas esportivas.
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Já na Europa tivemos recentemente os casos do Juventus (Itália) e do Manchester City (Inglaterra), que estão sofrendo graves consequências por causa de fraudes financeiras. O time Juventus perdeu pontos na Serie A® (Campeonato Italiano), enquanto o Manchester City poderá receber punição semelhante, correndo até o risco de ser expulso da Premier League ® (Campeonato Inglês).
Um dos piores problemas do futebol ocorre fora das quatro linhas. São os incontáveis casos de violência física, com brigas entre torcidas, e abusos verbais, que geralmente incluem racismo, homofobia e machismo.
O combate a esses crimes é responsabilidade não apenas do Judiciário. Os eventos ocorridos na LaLiga ® no último final de semana comprovam que é necessário que todas as entidades envolvidas com o futebol se empenhem no combate ao racismo, o que inclui os clubes de futebol, as entidades de comando do esporte e os organizadores de campeonatos.
Futebol e ESG
O futebol também deve ter objetivos sociais que vão além dos resultados esportivos e do lucro, o que já é observado no mundo empresarial por meio dos esforços em ESG (boas práticas de Meio Ambiente, Social e Governança).
Nessa linha, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) instituiu em fevereiro de 2023 punições contra clubes por atos de racismo praticados por torcedores. O texto do Regulamento Geral de Competições foi alterado, de forma que agora os clubes podem ser multados em até R$ 500 mil (R$ 1 milhão, em caso de reincidência) ou até mesmo perderem pontos em competições.
É imensurável o prejuízo financeiro causado pela perda de pontos em campeonatos, tendo em vista que as premiações e os patrocínios se baseiam justamente na performance dos clubes. Além disso, casos de racismo afastam torcedores do futebol, o que é compreensível, e acabam prejudicando todos os envolvidos com o esporte, desde atletas e clubes até empresas, patrocinadores e investidores—com pedidos, inclusive, de boicote às marcas veiculada aos times e campeonatos. Para o consumidor, a ideia que fica é que os clubes e entidades envolvidas nos casos de racismo só tomam as atitudes necessárias quando a ação pesa no “caixa”.
Assim, além de campanhas de conscientização, como já fazem diversos times, é essencial adotar canais de denúncia, destinados aos torcedores, para identificar essas condutas e aplicar punições, como multas e banimento de estádios, além da responsabilização cível e criminal.
A Lei nº 14.193/21, que instituiu a Sociedade Anônima de Futebol (SAF), publicada em 6 de agosto de 2021, contemplou o compliance e a governança ao tornar obrigatório o conselho de administração e o Conselho Fiscal em SAFs, assim como na criação de regras de transparência e de mitigação de conflitos de interesses. Exemplo disso são as restrições de investidores e administradores relacionados a mais de um clube de futebol.
Esses quase dois anos das SAFs foram de grande avanço, tendo seis equipes da Série A do Campeonato Brasileiro 2023 aderido à SAF—Cruzeiro (MG), Cuiabá (MT), Bahia (BA), Botafogo (RJ), Vasco (RJ) e América (MG). Diversas equipes das divisões inferiores seguiram pelo mesmo caminho, como Gama (DF), Paraná (PR), Figueirense/SC), e há outros clubes em discussões avançadas para implementar a SAF—caso do Atlético (MG), Coritiba (PR), Juventude (RS).
Líderes importantes do futebol já afirmaram que o futebol brasileiro precisa se atualizar para implementar normas de compliance e governança para atrair investimentos estrangeiros.
Um programa de compliance busca prevenir e mitigar os riscos aos quais um clube de futebol ou SAF está exposto, com o menor impacto possível na condução das atividades principais.
A governança corporativa busca consolidar as boas práticas de gestão nos diversos níveis – diretoria, conselho de administração/deliberativo, órgãos de fiscalização etc.– para que a entidade preserve e otimize seu valor econômico ao longo prazo, bem como mitigue seus riscos espontaneamente.
Medidas de compliance e governança, ao buscar essa mitigação de riscos, tornam uma SAF mais atrativa para investidores.
Clubes de futebol e SAFs podem ser vítimas de irregularidades cometidas por funcionários, jogadores ou dirigentes que visam benefícios próprios. Apesar do amor e da paixão envolvidos no futebol, não são raros os casos de clubes que sofreram danos de imagem ou patrimônio por má conduta de indivíduos, como o caso de manipulação de resultados para fraudar apostas esportivas, que ainda está sob investigação e pode acarretar consequências imensuráveis.
A mitigação destes riscos passa pela criação de canal de denúncias para funcionários e parceiros. Esse canal precisa garantir a confidencialidade e o anonimato, além de assegurar a proteção aos denunciantes de boa-fé contra possíveis retaliações. Além disso, é necessário que as denúncias sejam devidamente apuradas e os responsáveis punidos.
É incontestável que os clubes de futebol jamais sobreviveriam sem seus stakeholders, ou seja, patrocinadores, investidores, fornecedores, torcida, comissão técnica, jogadores e as outras entidades ou indivíduos relacionados a uma equipe de futebol. É importante considerar, entretanto, eventuais riscos de conflito de interesses e transações com partes relacionadas.
Há casos em que tais stakeholders possuem influência ou até mesmo controle nas decisões dos clubes de futebol, mas nem sempre os interesses dos stakeholders são necessariamente os mesmos dos clubes. Assim, pode haver casos em que uma mesma pessoa atue com base em interesses potencialmente conflitantes – por exemplo, clube versus indivíduo/terceiro.
A transição para SAF já melhora essas relações, considerando os mecanismos trazidos pela Lei nº 14.193/21, porém esses mecanismos não são suficientes, sozinhos, para extinguir os riscos de conflito de interesses.
É essencial adotar procedimentos para decisões colegiadas ou para afastamento esporádico e temporário de indivíduos de discussões em que possa existir conflito de interesses. São necessários ainda mecanismos de mapeamento prévio de situações de potenciais conflitos de interesses para que sejam aplicados os mencionados procedimentos.
Além da eventual decisão pela transformação ou cisão para SAF, um clube de futebol também precisa decidir se venderá uma parcela da SAF para um investidor. Ambas as decisões não são triviais e, por isso, devem ser tomadas de forma transparente e com participação dos entes relevantes do clube—conselho deliberativo/administração, assembleia de sócios, presidência, departamento jurídico, financeiro etc.
A maioria dos clubes não possui procedimentos formais para o processo decisório para tais mudanças, os quais deveriam incluir definição de alçadas de aprovação e garantia do envolvimento de todos os entes relevantes do clube.
Assim, independentemente de haver ou não intenção de transição para SAF em certo momento, é interessante que os procedimentos de aprovação já estejam previamente definidos. Dessa forma, o clube se protegerá contra possíveis decisões unilaterais ou indevidas tomadas por gestões futuras.
A existência destes procedimentos vai garantir ainda maior segurança jurídica para os termos de aquisição da SAF. Vale lembrar que, nesse contexto, já tivemos casos de conflitos entre o comprador da SAF e o conselho deliberativo de clubes do Brasil.
As aquisições de SAFs também ensejam outros riscos. Por um lado, o comprador precisa conhecer as contingências e situação financeira e jurídica da SAF/clube. Por outro, o clube – que permanecerá no quadro societário da SAF junto com quem o adquiriu – também precisa conhecer o histórico e as práticas do comprador. Portanto, é indispensável a condução de due diligences (auditorias jurídicas) previamente às operações societárias.
Por fim, o mercado de futebol está exposto aos riscos de lavagem de dinheiro, tendo em vista os valores e os critérios envolvidos nas transações. Os valores de mercado para compra ou venda de jogadores, por exemplo, não são facilmente determináveis. É importante a verificação do histórico e a reputação das partes envolvidas nas transações, bem como o devido registro e o eventual reporte de situações suspeitas.
Para coordenação e aperfeiçoamento contínuo das medidas mencionadas, é interessante possuir uma área ou professional de compliance/governança, que vai buscar a criação de estruturas e alternativas para mitigação de riscos com o mínimo impacto nas atividades e nos projetos do clube ou SAF.