Brasil

Com economia agonizante, Mariana quer volta de Samarco

A cena da fila, que se repete todos os dias, mostra a aflição de um município que vê poucas alternativas imediatas para sua agonizante economia


	Tragédia em Mariana: desde que as minas da Samarco foram fechadas, há quatro meses, o número de pessoas buscando emprego cresceu de 300 para 1.900
 (Antonio Cruz/ Agência Brasil)

Tragédia em Mariana: desde que as minas da Samarco foram fechadas, há quatro meses, o número de pessoas buscando emprego cresceu de 300 para 1.900 (Antonio Cruz/ Agência Brasil)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de março de 2016 às 10h52.

Mariana - Demitido por uma das fornecedoras da mineradora Samarco, dias após o rompimento mortal de uma barragem de rejeitos, o mecânico de manutenção Genivaldo Nascimento, 27, ajuda a alongar uma incômoda fila de desempregados no Site Nacional de Empregos, próximo à prefeitura de Mariana (MG), epicentro do pior desastre ambiental da história do Brasil.

A cena da fila, que se repete todos os dias, mostra a aflição de um município que vê poucas alternativas imediatas para sua agonizante economia, a não ser o retorno da mineradora Samarco, um dos principais motores da cidade.

"Eu nunca fiquei desempregado na minha vida, estou desesperado, tenho dois filhos para criar, estou bravo porque estão prejudicando a Samarco", afirmou Nascimento, atribuindo o desemprego à paralisação da empresa, que precisa de autorizações estaduais e federais para reiniciar a mineração.

O sentimento do mecânico permeia grande parte da população marianense que sofre com o aumento do desemprego e com a desaceleração econômica da cidade, que tem cerca de 90 por cento de sua arrecadação proveniente da atividade minerária.

Desde que as minas da Samarco foram fechadas, há quatro meses, o número de pessoas buscando emprego cresceu de 300 para 1.900, segundo a prefeitura, ainda que a Samarco esteja garantindo por ora pagamentos a grande parte dos seus cerca de 3 mil funcionários diretos em licença remunerada.

No sábado, cerca de mil pessoas marcharam pelas ruas de paralelepípedos do centro da cidade, reverberando um grito de guerra que resume suas demandas: "Justiça sim, desemprego não!".

A mobilização teve como principal objetivo pressionar autoridades para o retorno da mineradora.

Em contrapartida, o promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais Antonio Carlos Oliveira ressaltou a necessidade de cautela neste processo.

"É o poder econômico sempre falando mais alto em detrimento do meio ambiente... A preocupação é grande, sim, de que os órgãos ambientais de alguma forma se deixem seduzir ou pressionar pela voz da comunidade e de que eles cedam sem que haja a devida regularização", afirmou Oliveira à Reuters.

Primeira capital de Minas Gerais, a cidade tem cerca de 60 mil habitantes e mais de três séculos de vida marcados pela exploração de seus recursos naturais.

Dos vales de Mariana, há quase 40 anos, a Samarco explora o minério que a tornou a segunda maior exportadora global de pelotas, atrás apenas de uma de suas donas, a gigante Vale, que também opera no município e que teve algumas atividades afetadas pela tragédia. Somente em 2014, a Samarco teve um lucro líquido de 2,8 bilhões de reais.

Ao longo desse tempo, a geração de divisas das atividades da Samarco e a ausência de diversificação da economia tornou o município extremamente dependente dos recursos da companhia.

O coordenador de campanhas do Greenpeace, Nilo D'avila, destacou que a reação da cidade a favor da empresa é resultado de como a economia local está estruturada.

"O monopólio econômico extrativista tem esse problema, se repete isso em todo lugar. Quando o Ibama vai fazer uma operação nas fronteiras da exploração ilegal de madeira, essa reação (dos moradores) também é comum, é o meio de vida das pessoas", afirmou.

Para D'avila, a empresa já provou que não tinha condições de estar operando e se não mostrar uma mudança de postura, os riscos para novos danos ao meio ambiente permanecem altos.

O colapso da barragem de Fundão, em 5 de novembro, liberou uma onda de lama que deixou pelo menos 18 mortos, centenas de desabrigados e poluiu o importante Rio Doce, que cruza diversas cidades até atingir o Atlântico, na costa do Espírito Santo.

O rejeito de mineração causou maiores danos no distrito de Bento Rodrigues, que fica distante mais de 50 km do centro histórico de Mariana, que não foi afetado.

Mesmo assim, a dimensão da destruição não desencoraja os pedidos pelo retorno das atividades da Samarco.

"Lá fora, veem a Samarco como quem matou o Rio Doce, mas é a gente aqui que vive a realidade", disse o secretário do Sindicato Metabase Mariana, Ronilton Condessa, que teme que a discussão pela retomada das operações da empresa seja entremeada pelo impacto negativo do desastre do ponto de vista ambiental, sem levar em conta, por exemplo, a ameaça ao emprego dos trabalhadores.

O prefeito da cidade, Duarte Junior (PPS), pede que os órgãos sejam ágeis ao analisar os pedidos da Samarco para o retorno às atividades.

A partir deste mês, o município deixa de receber cerca de 5 milhões de reais mensais de arrecadação com Imposto sobre Serviços e Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cefem), devido à paralisação das operações da mineradora.

"A questão é que a gente precisa se preocupar com o lado econômico da cidade... Um avião, quando cai, também mata pessoas e a empresa não espera para voar no outro dia", disse o prefeito, de seu escritório no centro da cidade.

Entraves e desafios

O presidente da mineradora, Roberto Carvalho, afirmou à Reuters na quinta-feira passada que espera voltar a operar no quarto trimestre, com capacidade anual de 19 milhões de toneladas de pelotas de minério de ferro, quase dois terços do volume antes do desastre.

Duas cavas seriam usadas para receber os rejeitos das atividades temporariamente por dois ou três anos e a empresa ainda estuda alternativas para o longo prazo.

Mas para retornar à produção, a Samarco precisa da permissão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), no âmbito estadual, e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), no federal.

Para o DNPM, a empresa precisa apresentar licenças ambientais aprovadas e um novo plano de aproveitamento econômico, com informações sobre tempo de vida útil do projeto, fluxo de caixa, dentre outras questões, explicou o diretor de fiscalização do órgão, Walter Arcoverde, em Brasília.

Já o processo de licenciamento ambiental foi iniciado no mês passado junto à Semad, segundo o subsecretário de Gestão e Regularização Ambiental Integrada do órgão, Geraldo Abreu.

Para Abreu, se não fosse o desastre, um pedido como o que foi apresentado "tramitaria com facilidade grande", devido à simplicidade das intervenções necessárias. Ele reconhece que a liberação extrapola a discussão técnica e jurídica.

"A retomada de um empreendimento que provocou um acidente tão grande em extensão e em impacto, eu vou lhe dizer que, em tese, era para lacrar, mas nós sabemos dos impactos que isso traria (para a economia de Minas Gerais)", afirmou Abreu.

O subsecretário da Semad afirmou que poderá ser dada uma prioridade para a avaliação dos estudos, mas que tudo será feito com critério.

"Imagina se pulamos etapa e dá algum problema, estarei até prestando um desserviço para a empresa. Se der mais um problema, ela pode lacrar o caixão e acabou", afirmou.

A partir do momento em que a empresa apresentar os documentos ao DNPM, o órgão deve levar cerca de três meses para avaliar e decidir se as atividades poderão ser reiniciadas, segundo Arcoverde.

Já a Semad deverá precisar de até oito meses para ter uma conclusão sobre o pedido de licenciamento ambiental.

A Samarco, entretanto, parece já ter recebido uma segunda chance dos diretamente impactados pelo desastre.

O aposentado Marcos de Freitas, 55, perdeu sua casa e tudo o que tinha quando a barragem entrou em colapso e soterrou o distrito de Bento Rodrigues, onde morava.

Agora, sentado na sala de uma casa alugada pela mineradora, ele quer que o complexo de minas da empresa volte a funcionar.

"Eu não tenho nada do que reclamar da Samarco, só agradecer, ela tem que voltar a produzir para gerar emprego", afirmou Freitas, que teve que abandonar a casa de sete quartos, uma das mais antigas do distrito, onde morava com sua família, quando a lama já chegava aos seus tornozelos.

Acompanhe tudo sobre:Desastres naturaisEmpresasMariana (MG)Samarco

Mais de Brasil

Rio usa drone para monitorar Réveillon, identificar foragidos e flagrar crimes na cidade

Queda no desemprego em 2024 é consistente, diz coordenadora do IBGE

Processo de extradição de Oswaldo Eustáquio avança na Espanha

Rodovias concedidas em São Paulo devem receber 3,8 milhões de veículos