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Briga Doria-Bolsonaro deixa obras sob impasse

De 7 projetos que dependem da parceria entre o Planalto e o Palácio dos Bandeirantes, em 5 Brasília decidiu por mais estudos antes de autorizar as ações

São Paulo: governador nega haver conflito com o Bolsonaro (Marcos Corrêa/PR/Flickr)

São Paulo: governador nega haver conflito com o Bolsonaro (Marcos Corrêa/PR/Flickr)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 13 de outubro de 2019 às 14h58.

Última atualização em 13 de outubro de 2019 às 15h00.

Rio - O descompasso político entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria (PSDB) cria impasses em obras e projetos dados como certos pelo governo de São Paulo, mas que exigem aval do governo federal para serem viabilizados. De sete projetos que dependem da parceria entre o Planalto e o Palácio dos Bandeirantes, em cinco Brasília decidiu por mais estudos antes de autorizar as ações ou já determinou rumos diferentes daqueles que Doria defendia.

Quadro similar ocorre no Rio de Janeiro, onde o PSL, partido do presidente, ocupa cargos no governo Wilson Witzel (PSC) mesmo após determinação contrária do presidente da legenda no Estado, senador Flávio Bolsonaro. Aliados de Witzel acusam Bolsonaro de se omitir em questões fundamentais para o Estado com a intenção de não fortalecer um eventual futuro adversário, que poderá se beneficiar se fizer boa administração.

Em São Paulo, um dos impasses é a construção da ponte para ligar Santos e Guarujá, no litoral, antiga promessa de governos tucanos. A gestão Doria diz que fez acordo para viabilizar o empreendimento, avaliado em R$ 2,9 bilhões, por meio de um contrato aditivo com a Ecovias, concessionária que administra as Rodovias Anchieta e Imigrantes. A empresa custearia a obra e, em troca, cobraria pedágio de quem cruzar a ponte. Mas a gestão do porto, que é federal, sinaliza oposição ao plano. Ao Estado, informou que a ponte "apresenta potenciais impactos na operação portuária, como redução de velocidade dos navios e até mesmo a restrição à navegação" e que a obra poderia comprometer o projeto de expansão da zona portuária que está em discussão.

Além da ponte, Doria depende de Bolsonaro para fechar o Campo de Marte, aeroporto na zona norte da capital; transferir a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) da zona oeste para outro lugar; construir um trem para ligar os terminais do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos; entregar a linha de trem entre a capital e Campinas e, por fim, repassar a gestores privados a Hidrovia Tietê-Paraná e 22 aeroportos. De todos esses projetos, os únicos que não têm entraves, por ora, são o trem regional e a concessão de aeroportos.

Relações

Oficialmente, os governos de Rio e São Paulo negam haver conflito com o governo federal. A gestão Bolsonaro foi questionada sobre o tema, mas não se manifestou. "Os projetos de parceria estão caminhando conforme o governo do Estado gostaria", disse o secretário de Governo, Rodrigo Garcia, vice-governador.

Há duas semanas, a liberação do Estado para tomar empréstimos de até R$ 4 bilhões, para obras do Metrô e da Sabesp (que não dependem de aval federal), feita pelo Senado, foi recebida como indicativo de que o distanciamento entre os governos não chegará aos investimentos. "O que há são questões técnicas que precisam ser superadas. Isso, às vezes, demanda tempo, mas estamos caminhando", disse o chefe do escritório de representação paulista em Brasília, Antonio Imbassahy.

Por outro lado, os aliados de Doria avaliam que, se os entraves persistirem, o governador terá de se manifestar.

Desde junho, os atritos entre Doria e Bolsonaro recrudesceram de forma mais contundente. O presidente chegou a dizer que o governador era uma "ejaculação precoce" política. Doria sugeriu ao presidente "trabalhar mais e tuitar menos". Na última sexta-feira, 11, quando se encontraram, o tucano baixou o tom e chamou o presidente de "amigo dos brasileiros em São Paulo". Bolsonaro optou por citar Doria protocolarmente - no evento, formatura de sargentos da Polícia Militar, o presidente foi ovacionado e o governador, vaiado.

O cientista político Humberto Dantas, pesquisador da FGV-SP, ressalta que os interesses em projetos grandes não são apenas políticos, mas econômicos. "Há grupos de empresários com visões diferentes. Esse conflito econômico também pesa", diz. Ele ressalta ainda que, na disputa política, nem Doria nem Bolsonaro "prezam pela diplomacia".

O antagonismo de Doria em relação a Bolsonaro não se refletiu na relação dele com a bancada do PSL paulista na Assembleia Legislativa, que não é inteiramente identificada com o bolsonarismo. Doria sancionou, em agosto, projeto da deputada Janaína Pascoal que autoriza a opção de partos por cesárea na saúde pública, que sofreu críticas de médicos obstetras.

Por sua vez, a bancada do partido, que tem 15 deputados, vota com liberdade. Em um dos projetos prioritários de Doria, a extinção da empresa Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), deu 11 votos ao governo. Mas, na aprovação do programa InvestAuto, que prevê isenção de impostos para montadoras, foram 7 votos contra, 6 a favor e um em obstrução.

Oposição

No Rio, apesar de manter os cargos no governo, o PSL indica que, na Assembleia Legislativa, votará com a oposição. Aliados de Witzel alegam que iniciativas relacionadas aos portos de Macaé e do Açu, ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e à distribuição de royalties do petróleo, temas caros ao Rio, estariam sendo ignoradas por Bolsonaro.

Na última sexta, 11, após o evento com Doria, o presidente esteve no Rio, com Witzel, e teve postura mais agressiva. Citou "ética", "moral" e ausência de "covardia" ao listar características que, para ele, devem estar embutidas no projeto presidencial de quem pretende suceder-lhe.

Ceagesp e Campo de Marte

Às 4 horas da última sexta-feira, quando estacionou seu caminhão de maçãs na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), o motorista Deovaldo Pereira, de 46 anos, sabia que não sairia dali antes da hora do almoço. Não que a descarga demore: mesmo feito manualmente, é um serviço que se liquida em duas horas. Das 6 horas ao meio-dia, porém, ele ficaria parado, preso no trânsito, esperando para sair do maior entreposto da América Latina.

Quando um caminhão estaciona na Ceagesp, outro para na fila dupla e também começa a tirar mercadorias. Nisso, um terceiro para e faz a mesma coisa. Quando se vê, ninguém consegue mais manobrar. "Isso aqui foi feito nos anos 1960, quando caminhão grande era Jardineira", diz o comerciante Luís Pain, de 59 anos, 40 deles vividos na Ceagesp. Na sexta, caminhando entre melancias goianas e abacaxis fluminenses, ele mostrava ao Estado a fiação elétrica exposta nos galpões enquanto reclamava das plataformas mais baixas do que os baús dos caminhões de hoje.

A situação faz comerciantes quererem mudança na Ceagesp. Para os gestores públicos, o terreno, de 700 mil m², pode ter usos mais nobres. O governador João Doria (PSDB) é um dos defensores da privatização da companhia. Em abril, após reunião com Jair Bolsonaro, em Brasília, disse que o presidente havia concordado em mudar a Ceagesp de lugar.

Entretanto, em agosto, o governo federal passou a tocar o projeto por conta própria e incluiu a empresa no Programa Nacional de Desestatização. Por nota, a gestão Doria afirmou que a inclusão seria "mais um passo dentro do cronograma estabelecido entre os governos federal e estadual". No último dia 7, Bolsonaro determinou que a privatização seria executada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Outra promessa de Doria é um trem leve pra ligar a Estação Aeroporto da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e os terminais do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Em maio, ao lado do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, o tucano afirmou haver acordo para que a concessionária a GRU Airport arcasse com a obra e, em troca, tivesse desconto na outorga que paga à União. "As obras terão o início em setembro", disse Doria. Agora, o governo federal não dá certezas sobre a obra.

O projeto depende de aprovação da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) que, ao Estado, disse "coletar informações quanto aos custos, benefícios e, sobretudo, o interesse público decorrente da realização do empreendimento", e quea obra "não está inserida entre as obrigações contratuais da concessionária".

"Já troquei de trem três vezes para chegar até aqui", disse, na porta da estação, a professora de inglês Ana Oliveira, de 28 anos. "Esse trem é importante." A ligação da estação aos terminais é feita por ônibus.

Outro projeto de Doria é fechar o Campo de Marte, na zona norte, e fazer ali um parque. Em janeiro, com o slogan "Bolsodoria" ainda fresco, o governador saiu de uma reunião com o presidente dizendo ter tratado do tema. Mas o governo federal optou por inserir o espaço no plano de privatizações, com leilão previsto para o segundo semestre de 2022.

Um dos temas que já saíram do discurso paulista é a concessão da Hidrovia Tietê-Paraná, rota importante para o escoamento de grãos para o interior. Nas conversas preliminares, a concessão do trecho do Rio Paraná, federal, é tida como de difícil modelagem econômica. E, no Palácio dos Bandeirantes, já há entendimento de que não sairá.

Sintonia

O governo paulista argumenta que uma das propostas de Doria em sintonia com a União é a construção de um trem entre São Paulo e Campinas. A linhas férreas existentes entre as cidades são federais e já estão concedidas, mas os contratos devem ser renovados até o ano que vem. Haveria acordo para que, nas renovações, seja incluída cláusula que permita o compartilhamento dos ramais ferroviários com trens de passageiros. São Paulo não identificou, também, movimento que possa impedir o processo de concessão de 22 aeroportos do interior do Estado, que estão em estudos na Secretaria de Logística e Transportes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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