Exame Logo

Apagão no Amapá dificulta privatização da Eletrobras no Congresso

Apesar de governo manter a expectativa de aprovação do projeto que prevê a venda da empresa, parlamentares devem ignorar a pauta nos próximos meses

Eletrobras: governo ainda aposta na privatização da empresa (Dado Galdieri/Bloomberg)
AA

Alessandra Azevedo

Publicado em 10 de novembro de 2020 às 16h10.

Última atualização em 10 de novembro de 2020 às 19h54.

Parado há pouco mais de um ano no Congresso, o projeto de lei que propõe a privatização da Eletrobras encontrou um novo obstáculo para avançar: o apagão no Amapá. Se antes já havia resistência entre boa parte dos parlamentares, agora, com o caos observado em 13 dos 16 municípios do estado, após dias sem energia elétrica, a dificuldade ficou ainda maior para que o governo consiga vender a estatal. Apesar de o Ministério da Economia ainda se mostrar otimista, o ambiente no Congresso é de pouca confiança na matéria.

O tema, praticamente esquecido desde o início da pandemia do novo coronavírus, voltou à tona há pouco tempo, com declarações otimistas de integrantes do governo. Duas semanas atrás, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou que já estava tudo certo para a votação no Senado e que a dificuldade maior era na Câmara. Um mês antes, em 29 de setembro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, confirmou a privatização da Eletrobras como prioridade da pasta.

Veja também

O projeto, no entanto, nunca foi de fácil aceitação no Parlamento. Não à toa, Salim Mattar, ex-secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, deixou o cargo em agosto, após 18 meses no governo, justamente pela falta de avanços na agenda de privatizações. Mesmo diante das dificuldades recentes, Diogo Mac Cord, que assumiu o lugar de Mattar, negou, nesta terça-feira, 10, que o plano do governo tenha mudado. A venda da Eletrobras, segundo ele, continua no topo das prioridades.

Privatizar a empresa “ainda é o caminho”, defendeu Mac Cord. O que aconteceu no Amapá, segundo ele, foi um “problema técnico devido a um problema financeiro”, que poderia ter sido evitado com melhorias no processo de monitoramento das concessões —o que propõe que seja tratado no projeto de privatização. “Acho que isso (apagão no Amapá) potencializa,evidencia a importância desses projetos serem levados adiante. É o contrário. Não acho que cria resistências. Contra fatos não há argumentos”, afirmou.

 

 

Resistência

Mas, no Congresso, a percepção é outra. Diante do caos vivido por cerca de700 milbrasileiros no Amapá, socorridos pela Eletronorte, subsidiária da Eletrobras, ganham força os argumentos de quem é contra a privatização da estatal. Para o líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), o apagão foi “uma pá de cal nos planos do governo”, ainda mais pelo socorro ter vindo da Eletronorte. “A situação do Amapá mostra o desastre que seria a privatização da Eletrobras”, acredita. A oposição em peso concorda.

O apagão começou após um incêndio, na noite de terça-feira, 3, em uma subestação da empresa espanhola Isolux Corsan, em Macapá, acusada de negligência. Assim que os detalhes foram revelados, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pediu a cassação da concessão de energia da Isolux e que a distribuição de energia no local passe a ser feita pela Eletronorte. O posicionamento dele foi suficiente para sinalizar o engavetamento, ainda que temporário, do projeto de privatização da estatal.

Agora, até parlamentares de centro, contra ou a favor de pautas liberais, são céticos quanto ao avanço do projeto nos próximos meses. O senador Otto Alencar (BA), líder do PSD na Casa, é enfático ao dizer que, neste ano, “não existe mínima chance de privatização da Eletrobras”. Além do clima não ser favorável à medida, há resistência devido à falta de foco do governo. “Do ponto de vista pessoal, sou contra essa privatização em um governo inseguro e confuso como o atual”, conta o senador.

O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) também diz ter certeza de que o projeto não vai para a frente nos próximos meses. “Não conheço bem a realidade da companhia do Amapá, mas quem foi chamada para socorrer foi a Eletronorte. Isso, com certeza, piora o ambiente para se falar em privatizar a Eletrobras”, avalia. Ele não vê chance de aprovação nem no início do ano que vem. “Acho que o governo estará muito fraco, difícil fazer uma privatização desse nível”, prevê.

O cenário não “inviabiliza para sempre” a desestatização da empresa, mas “dá uma brecada na negociação”, avalia o analista político Thiago Vidal, da consultoria Prospectiva. Segundo ele, havia uma expectativa de que a matéria pudesse começar a andar no início do ano que vem. A situação no Amapá, no entanto, acabou com essa possibilidade. “Politicamente, fica feio votar esse tipo de projeto na atual situação, quando quem está segurando as pontas é o Estado. Talvez fique para o segundo semestre”, observa.

O senador Major Olímpio (SP), líder do PSL na Casa, também não vê ambiente para aprovação no início de 2021. “Vai aumentar a resistência contra privatização”, acredita. Para ele, ocaos no Amapá deixou claro que a manutenção do serviço era “muito ruim e não fiscalizada”, além de ter evidenciado a necessidade de critérios mais rígidos de fiscalização das concessionárias e de uma eventual privatização do setor. Mas, "logicamente, quem é contra a privatização vai usar como argumento a inoperância do particular neste caso concreto”, reconhece.

Posicionamento

Logo que a situação começou a ser mostrada, vários parlamentares da esquerda foram às redes sociais destacar a relação entre o acontecimento no Amapá e a proposta de privatização da Eletrobras. PCdoB e PT emitiram notas sobre o assunto. O primeiro afirmou que o cenário no estado "comprova que a gestão de serviços essenciais não deve ser entregue ao setor privado”. Na visão da legenda, “a privatização da Eletrobras é um erro”.Na mesma linha, o PT lembrou que “nem nos Estados Unidos o controle sobre recursos estratégicos, como água e energia, está nas mãos de interesses privados”.

Vidal acredita que o assunto deve demorar meses para voltar à tona. O início do ano, na visão dele, ainda é muito cedo, não só pelo curto prazo para que o assunto seja esquecido, mas também porque tem eleição para presidência das duas Casas e instalação de comissões no primeiro semestre, o que deve ocupar boa parte das discussões. “É uma pauta que ainda tem chance, no futuro. Ela sempre reaparece. Acho que vai acabar sendo decidida, para o sim ou para o não”, afirma.

 

Acompanhe tudo sobre:AmapáCongressoEletrobrasPrivatização

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Brasil

Mais na Exame