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A responsabilidade de um intelectual na era da internet

Conheça o novo livro de Renato Janine Ribeiro, sobre democracia e internet.

RENATO JANINE RIBEIRO: coletânea de ensaios que vão desde o início dos anos 90 até por volta de 201 / Elza Fiúza/ Agência Brasil

RENATO JANINE RIBEIRO: coletânea de ensaios que vão desde o início dos anos 90 até por volta de 201 / Elza Fiúza/ Agência Brasil

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Da Redação

Publicado em 30 de setembro de 2017 às 18h40.

Última atualização em 30 de setembro de 2017 às 18h43.

A Boa Política: Ensaios sobre a democracia na era da internet

Autor: Renato Janine Ribeiro

Selo: Cia. das Letras

336 páginas

R$ 39,90

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Na política, há aqueles que agem, que tomam as decisões que impactam a sociedade e se enfrentam na disputa pelo poder. São os políticos propriamente ditos. Há aqueles que, sem contato com a ação política, pensam sobre o funcionamento do Estado e da ordem social, sobre a sociedade ideal; são os filósofos e, hoje em dia, especialistas das mais variadas ciências. E há aqueles que fazem a ponte: que visam influenciar, por meio do pensamento e da palavra, os rumos da ordem política e da decisão dos mandatários e postulantes. São os intelectuais.

A postura que um intelectual pode adotar varia: alguns, mais vendidos a um projeto de poder, buscam apenas inocentar seus mal-feitos e persuadir a população e apoiá-lo. Já outros estão comprometidos com uma visão de bem comum, e para isso podem criticar de forma contundente mesmo o lado ou os grupos a quem mais afeiçoam. É essa postura responsável que o filósofo Renato Janine Ribeiro demonstra em A Boa Política: Ensaios sobre a democracia na era da internet, coletânea de ensaios seus que vão desde o início dos anos 90 até por volta de 2014. Ou seja, analisam e avaliam fatos, eventos e tendências mais ou menos do fim do socialismo real até os protestos de junho de 2013. Na apresentação, ele próprio alude ao fato de ter sido Ministro da Educação, mas essa experiência, bem como algum tipo de avaliação do impeachment de Dilma e governo Temer, não constam no livro. Tampouco quem nos fala é o filósofo (ou professor de filosofia) acadêmico da USP, embora suas fontes apareçam ocasionalmente. Estamos diante de um autêntico intelectual.

Mais do que uma concepção fechada de bem comum, Janine busca um equilíbrio entre diferentes díades da ordem política, como democracia e república, liberalismo e socialismo. Em diversos momentos, seus textos vêm como críticas a vícios ou excessos comuns na esquerda, que é o lado a que ele pertence. O zelo inquebrantável do militante e do revolucionário, sem possibilidade de gozo ou leveza (herança do ideal republicano da velha Roma, uma atitude verdadeiramente totalitária perante a vida), a ideia de que o partido concentra todas as boas intenções e representa um anseio Universal da sociedade, o desrespeito pela democracia, a cegueira para as necessidades dos indivíduos.

Em um curto ensaio que caberia perfeitamente nestes dias de Lava-Jato, Janine distingue entre três tipos de corrupção: a antiga, a moderna e a pós-moderna. A corrupção antiga (dos antigos romanos) era a degeneração de caráter dos cidadãos que levava ao enfraquecimento da república. A corrupção moderna é a nossa velha conhecida: furtar o que é público para benefício pessoal. E a corrupção pós-moderna é esta que quase dominou o Brasil: é a corrupção que visa o sucesso de um projeto político. É a corrupção não do poder a serviço da ganância, mas do poder pelo poder.

No final das contas, o que mais se sobressai é uma defesa da necessidade da democracia e de tudo aquilo que ela enseja. Foi graças a democracia que nossas sociedades abandonaram a pura força como ferramenta de resolução de conflitos, e passou a basear-se na palavra, na persuasão. Por isso mesmo, a crença de se possuir a verdade final sobre a sociedade é tão perigosa: ela nega a legitimidade de qualquer outro partido ou visão. O próximo passo lógico é, se tiver os meios para tal, eliminá-los.

As dificuldades de se falar em utopia nos dias que correm, o choque de homicídios praticados por um par de tênis (um tropo dos anos 90 que hoje caiu em desuso, mas com correlatos atuais), o voto obrigatório, o descrédito em que caíram os direitos humanos para boa parte da população, a ilusão trágica de que a internet seria uma nova ágora democrática. Em todos esses temas, tão presentes em nossa discussão atual, Janine traz algo interessante a dizer, ainda que de um ponto de vista marcadamente de esquerda. Se a voz deste intelectual se fizer ouvir, podemos esperar campanhas e debates mais racionais no futuro.

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