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O que falta divulgar sobre a Coronavac — e o que se sabe até agora

O Instituto Butantan divulgou uma eficácia de 78% para casos leves, mas ainda não abriu ao público os dados de eficácia geral. Entenda o que falta anunciar

(Roosevelt Cassio/Reuters)
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Carolina Riveira

Publicado em 9 de janeiro de 2021 às 08h01.

Última atualização em 9 de janeiro de 2021 às 17h31.

A semana que se encerra hoje foi palco de um dos momentos mais aguardados pelos brasileiros nos últimos longos meses. Nesta sexta-feira, 8, as duas primeiras vacinas do Brasil contra a covid-19 tiveram um pedido de registro emergencial junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e a expectativa otimista é que os brasileiros comecem a ser vacinados ainda em janeiro.

Foi nesse contexto que, um dia antes, o Instituto Butantan também divulgou parte dos esperados dados de eficácia da Coronavac, vacina da chinesa Sinovac com a qual tem parceria.

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A divulgação trouxe boas notícias: a confirmação de que a Coronavac tem eficácia, é segura e poderá começar a ser usada em breve para controlar a pandemia. Mas ainda há mais dados que precisam ser apresentados ao público, dizem especialistas ouvidos pela EXAME.

Os números de eficácia divulgados até agora foram de 78% para casos leves e 100% para graves e moderados. O valor quer dizer que, de um grupo hipotético de 100 vacinados, 22 tiveram casos leves. E nenhum vacinado foi hospitalizado, foi parar na UTI ou precisou de respirador.

Grosso modo, a eficácia busca medir a chance de uma pessoa qualquer que se vacinar ficar protegida contra a doença. O que o Butantan fez foi separar essa eficácia por grupos, em vez de divulgar o número total. Em artigo, as pesquisadoras Natalia Pasternak e Denise Garrett citam dados ditos pelo diretor do Butantan, Dimas Covas, para estimar uma eficácia geral.

"Segundo Covas, o número total de eventos estaria em torno de 220, com aproximadamente 60 casos no grupo vacinado, e 160 no placebo", escrevem. "Calculando-se a eficácia em cima desses números, chegaríamos a 63%, uma boa eficácia, perfeitamente aceitável e acima dos 50% exigidos pela OMS e pela Anvisa". Os números são projeções com base na fala de Covas, e podem ser diferentes da realidade, ressaltam as pesquisadoras.

O método da separação por grupos usados pelo Butantan não costuma ser usado na divulgação porque as doenças têm, por exemplo, um número menor de casos graves -- o que torna mais "fácil" ter 100% de eficácia nesse grupo.

Por isso, a eficácia dos casos leves, de 78%, deve ficar mais próxima de um possível valor final, mas que também tende a ser menor, porque serão levados em conta todos os grupos do estudo (o Butantan não considerou nos 78% os vacinados que foram assintomáticos ou sintomáticos com sintomas extremamente leves).

Esses dados mais completos já estão em posse da Anvisa, que recebeu um calhamaço de mais de 10.000 páginas com os detalhes dos testes da Coronavac. Como o pedido é de uso emergencial, a Anvisa vai avaliar só os testes feitos no Brasil; depois, no registro definitivo, quem o solicita será a própria Sinovac, que então apresentará mais dados e as informações consolidadas dos testes globais.

"A Sinovac já tinha deixado claro que existem limitações contratuais que podem fazer com que o Butantan não possa divulgar todos os detalhes para o público", diz Beatriz Carniel, doutora em Medicina Tropical do coletivo Ação Covid-19, citando o adiamento do primeiro evento de divulgação no ano passado. "Mas o importante é entender que esses dados estão com a Anvisa, que vai analisar."

Uma eficácia considerada boa pela maior parte da comunidade científica para a primeira leva de vacinas contra a covid-19 é acima dos 60%.

A diretora de acesso a medicamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mariângela Simão, classificou a notícia da Coronavac como "muito bem-vinda" em coletiva de imprensa e disse estar observando "com muito cuidado" a situação do avanço da pandemia no Brasil.

Dados globais

Os números do Butantan, por ora, também dizem respeito só aos testes no Brasil. A Coronavac foi testada ainda em países como Turquia e Indonésia, além da própria China.

A expectativa é que o Brasil tenha tido uma das menores imunidades nos testes da Coronavac, pelos mais de 12.000 voluntários por aqui serem profissionais de saúde. O fato de esse ser um grupo muito exposto ao vírus pode explicar, por exemplo, por que os testes no Brasil tiveram eficácia menor do que os 91% divulgados pela Turquia em dezembro passado.

Em outros lugares, outros grupos também foram testados, e os dados conjuntos ainda precisarão ser divulgados.

Centro Biomédico do Instituto Butantan, onde será produzida a Coronavac: o governo federal comprou as 46 milhões de doses da Coronavac para aplicação em todo o Brasil (Amanda Perobelli/Reuters)

Outro desafio nessa frente nos dados brasileiros é que a lista de voluntários tende a contar com menos idosos, já que profissionais de saúde mais velhos estão dispensados do trabalho presencial. O número exato de voluntários em cada faixa etária do estudo brasileiro também precisa ainda ser divulgado pelo Butantan e pela Sinovac.

"Então, ainda não dá para saber muita coisa com relação à eficácia para os mais velhos", diz Gerusa Figueiredo, professora do Instituto de Medicina Tropical e da Faculdade de Medicina da USP e membro do coletivo Ação Covid-19.

"Mas dificilmente uma vacina que mostrou resposta tão boa na fase 2, assim como boa segurança -- além de ser uma tecnologia conhecida e que sabemos fazer -- pode dar algum resultado que seja muito diferente dessa eficácia de casos leves que foi divulgada. O que significa dizer que são números bem razoáveis."

O debate desta semana sobre os novos dados da Coronavac tem também pouca relação com a segurança, ressaltam os pesquisadores. A Coronavac usa a tecnologia do vírus inativado, já conhecido pela indústria de vacinas, e mostrou dados de segurança altos na fase 2.

Qual é a eficácia ideal?

Tudo somado, Rômulo Paes, pesquisador da Fiocruz Minas Gerais, aponta que na análise de política pública e de saúde sobre as vacinas, têm de ser observados o custo da vacina, eficácia vacinal, logística e tempo que se levou para disponibilizar o imunizante. "As vacinas têm eficácia muito variável. Tudo depende dessa relação entre o dano provocado pela doença e o dano colateral eventual provocado pela vacina", diz.

"Ou seja, hoje, considerando os impactos que a covid causa todos os dias e o tempo que nós temos, essas vacinas são boas opções? São, sem a menor dúvida."

Rômulo Paes, pesquisador da Fiocruz Minas

Gerusa, da USP, ressalta que mesmo em outras vacinas, a eficácia não é total. Uma eficácia considerada alta em outras vacinas é acima de 90% ou mesmo de 80%.

Mas há imunizantes menos eficazes que ainda são usados em determinados contextos, como a vacina da malária, com eficácia abaixo de 40%, mas que é usada pela OMS porque salva inúmeras vidas em países da África, diz a professora. Outro exemplo é a eficácia da vacina de influenza, que varia de 40% a 70%, e precisa ser renovada todo ano.

"Na verdade, foi até um pouco surpreendente a eficácia alta das vacinas do coronavírus. Por ser um vírus respiratório, a gente tinha a impressão de que a eficácia seria até muito menor", diz.

Como acontece no caso da gripe comum, ainda não se sabe se os vacinados contra a covid-19 desenvolverão sintomas mais brandos, ainda que alguns não fiquem imunes. Essa resposta, para todas as vacinas do coronavírus, deve ser obtida com mais estudos futuros.

A eficácia maior ou menor também é impactada por outro fator: como os vacinados não deixam de transmitir o vírus (segundo o que se sabe até agora), uma vacina será mais eficiente quanto maior o número de imunizados. Foi com taxas altas de vacinação que o Brasil conseguiu, por exemplo, reduzir a presença de doenças infantis como a poliomelite.

Pressão política

A discussão sobre os dados não é exclusividade da Coronavac, e também aconteceu com a vacina de AstraZeneca e da Universidade de Oxford -- a segunda candidata do Brasil, feita em parceria com a Fiocruz e que teve pedido de registro feito ontem. Quando divulgou os dados globais de eficácia, a AstraZeneca acabou por incluir dois dados: um com duas doses completas (eficácia de 62%) e outro com uma dose e meia (eficácia de 90%).

No fim, a farmacêutica admitiu que a dosagem menor foi um erro. Uma eficácia geral também não foi ainda divulgada ao público, mas a vacina já foi aprovada por reguladores em países como Reino Unido e México.

Vacina da Moderna: vacinas de RNA apresentaram eficácia mais alta, mas outras vacinas serão importantes para imunizar bilhões de pessoas (Craig F. Walker/The Boston Globe/Getty Images)

Na ocasião dos anúncios, a pressão sobre a AstraZeneca aumentou sobretudo com o fato de que a Moderna e a Pfizer/BioNTech (duas vacinas com RNA mensageiro e, portanto, mais caras e de mais difícil logística) haviam divulgado eficácia acima de 90% dias antes. Foram os primeiros números mais consistentes até então, o que fez as vacinas de RNA saírem na frente na corrida mundial pelos imunizantes.

Mas a resposta global e coletiva à covid-19 exigirá estas e outras vacinas. Vacinas de tecnologia mais tradicional, como de Sinovac e AstraZeneca, devem ter eficácia mais baixa do que a nova tecnologia do RNA, mas serão as únicas capazes de imunizar a população em massa -- por serem guardadas em temperatura de geladeira e serem mais baratas, enquanto a vacina da Pfizer, por exemplo, precisa de temperatura de -70 graus.

"Nas circunstâncias em que estamos, o conjunto de todas essas vacinas é um ótimo negócio, porque conseguimos começar já a vacinar parte da população", diz Paes. "E com o tempo vamos aperfeiçoa-las, mudá-las; quando chegarmos em 2022, provavelmente já teremos essas vacinas reajustadas e mesmo novas vacinas que estão por vir", diz.

O pesquisador da Fiocruz aponta que, a depender das projeções, o mundo pode ter capacidade de vacinar mais de 2 bilhões de pessoas neste ano. "Mas ainda vai faltar muita gente, e mesmo novas vacinas a serem lançadas serão bem-vindas", diz.

O conjunto de marcas usadas no mundo deve, por isso, superar uma dezena de vacinas diferentes. Uma das principais apostas para o segundo semestre é a vacina da Janssen, subsidiária da Johnson & Johnson, que exige somente uma dose (e em temperatura de geladeira).

No geral, países mais ricos e do Hemisfério Norte têm começado a vacinar primeiro com vacinas de RNA, e muitos já compraram mais doses do que o dobro da população. Já países da África e do Sudeste Asiático podem enfrentar falta de vacinas neste ano.

Na época do debate sobre a eficácia da vacina de Oxford, especialistas em saúde e mesmo analistas do mercado financeiro levantaram o questionamento de que a AstraZeneca terminou traçando uma estratégia ruim de comunicação com os dados. "Os institutos estão sob muita pressão e cada dado divulgado vira um grande show, o que não dá privacidade aos pesquisadores no desenvolvimento dos estudos", diz uma fonte.

No caso particular do Brasil, as disputas políticas em torno das vacinas não ajudam a construir um debate coeso. Embates políticos tomaram o lugar do que deveria ser uma união entre os entes federativos e cientistas para agilizar a vacinação dos brasileiros e outras medidas de contenção da pandemia.

Com as vacinas já sendo analisadas pela Anvisa, o segundo passo começa agora: vacinar o maior número de pessoas possível, o que vai exgir também compra de seringas, uso amplo da rede do SUS e conscientização da população. Por isso os pedidos emergenciais da semana são um momento histórico em um país que já passou os 200.000 mortos pela pandemia, e poderão salvar milhares de vidas.

A professora Gerusa resume: "Apesar dos dados que ainda estão por vir, já dá para dizer que é para todos nós um momento de habemus vacina ".

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