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WikiLeaks, o site que desconcerta governos

Uma fundação formada por apenas cinco voluntários fixos desafia instituições de todo o mundo

Julian Assange: o homem por trás do WikiLeaks
DR

Da Redação

Publicado em 3 de dezembro de 2010 às 11h27.

São Paulo - Desde que foi lançado, no fim de 2006, o WikiLeaks nunca recebeu tanta atenção quanto nesta semana. A publicação de mais de 90 mil documentos que revelam informações secretas sobre a guerra no Afeganistão estremeceu as bases de autoridades dos Estados Unidos e Paquistão e mostrou que a mesma internet que ajudou a colocar Barack Obama na presidência norte-americana também pode se voltar contra seu governo. Mas os relatórios não são os primeiros documentos confidenciais a cair nas mãos do WikiLeaks (cujo "leaks" vem de "vazamento", em inglês). E certamente também não serão os últimos.

O site já publicou informações que apontaram a ideologia xenófoba de um partido político de extrema-direita no Reino Unido, denunciaram o ataque indiscriminado do exército americano contra um grupo de civis iraquianos, mudou os rumos de uma eleição no Quênia, desagradou instituições financeiras na Suíça e defensores da cientologia.

Atualmente, o site diz ter recebido mais de um milhão de documentos. Em março deste ano, o serviço de inteligência dos Estados Unidos emitiu um ofício no qual declarava que o WikiLeaks representava uma "ameaça às Forças Armadas".

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Nada disso teria ocorrido não fosse uma pessoa: Julian Assange, de 39 anos, o ex-hacker australiano que fundou o site e definiu como ele iria funcionar. O WikiLeaks não tem fins lucrativos, não tem uma sede própria e funciona com uma equipe de apenas cinco voluntários fixos - um grupo entre 800 e mil pessoas, entre técnicos em informática, advogados e jornalistas, colabora esporadicamente. As fontes que passam as informações para o grupo são confidenciais.

A política do WikiLeaks reflete a própria personalidade de Assange, uma figura discreta que evita ao máximo a exposição pública.


Assange

Ele não tem endereço fixo, mudando de tempos em tempos entre casas de amigos e às vezes viajando sem manter contato com ninguém. Entre os países que Assange visita com frequência estão a Suécia e a Islândia, onde há leis que protegem o anonimato na internet.

O espírito nômade surgiu ainda durante a infância, período em que passou por 37 escolas diferentes, já que acompanhava uma companhia de teatro. Aos 17 anos saiu de casa e chegou a viver algum tempo nas ruas de Melbourne.

Ele se encantou pelos mundo dos computadores em uma loja e logo aprendeu a programar e quebrar códigos para invadir e-mails de pessoas influentes. Com dois amigos, passou a ampliar o foco de seus ataques, chegando aos computadores do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

Em um livro chamado Underground, no qual colaborou com o escritor Suelette Dreyfus, ressaltou uma das regras de ouro da subcultura hacker: "Não danifique os sistemas de computadores que você invade; não altere as informações desses sistemas (exceto para alterar registros para cobrir seus rastros) e compartilhe as informações".

Foi investigado em duas ocasiões - uma após um furto de US$ 5 mil do Citibank e outra pela invasão de sistemas da empresa canadense Nortel. Não chegou a ser preso, mas passou levou grandes sustos com os episódios. Ainda chegou a começar faculdades de matemática e física, mas as abandonou antes de, no fim de 2006, dar início ao projeto que mudaria sua vida e de várias outras pessoas.


Diretrizes

O WikiLeaks usa uma frase da revista Time para resumir sua própria descrição. Diz ela que o site "pode vir a tornar-se uma ferramenta jornalística tão importante quanto a lei da Liberdade de Informação". Nesta semana, em entrevista ao periódico alemão Der Spiegel, referindo-se ao vazamento de informações sobre a guerra no Afeganistão, Assenge explicou o que o motiva a levar o projeto adiante.

"Esse material joga luz sobre a brutalidade do dia a dia da guerra. Existe um clima para acabar com o conflito. Essa informação não fará isso sozinha, mas vai dividir a política significativamente. Eu gosto de criar sistemas grandiosos e gosto de ajudar pessoas vulneráveis. E gosto também de esmagar os cretinos. É um trabalho adorável".

Como o nome diz, o WikiLeaks se baseia desde o início no modelo colaborativo Wiki, que se difundiu a partir da enciclopédia eletrônica Wikipedia. Ou seja, qualquer usuário pode oferecer textos, áudios ou vídeos para serem publicados. A confidencialidade é garantida por meio de uma conexão cifrada.

O material obviamente passa por um análise de autenticidade, feita pela equipe de voluntários do site, antes de entrar no ar. "Usamos técnicas avançadas de criptografia e técnicas legais para proteger nossas fontes", explicou Assange à rede britânica BBC, em fevereiro.

Com um conteúdo tão delicado, o site diz já ter derrubado mais de cem processos judiciais com o objetivo de suspender suas operações. Para se resguardar, o Wikileaks mantém seus arquivos hospedados em servidores espalhados por diversos países, e o principal é o sueco PeRiQuito (PRQ), que ficou famoso por hospedar o polêmico site de trocas de arquivos de música e vídeo The Pirate Bay.


Afeganistão

Nos documentos que vieram a público nos últimos dias, estão relatórios que afirmam que centenas de civis foram mortos sem conhecimento público e sem registro oficial pelas tropas de coalizão no Afeganistão. Há ainda informações sobre planos secretos para exterminar líderes extremistas do Taleban e Al Qaeda e a discussão do suposto envolvimento de Irã e Paquistão no apoio a insurgentes.

Não apenas a veracidade das informações foi confirmada, como o governo norte-americano chegou a solicitar que mais dados não fossem vazados. "Não podemos fazer nada além de implorar à pessoa que detém estes documentos confidenciais para que não os divulgue", disse o porta-voz da Casa Branca Robert Gibbs em entrevista ao programa Today, da emissora de televisão NBC.

A declaração pública de uma autoridade tão influente é mais um indício de como o modelo tem atingido seus objetivos. Sem receber nada para a divulgação dos dados confidenciais obtidos com exclusividade - mesmo quando oferecidos em primeira mão para veículos como The New York Times,  The Guardian e Der Spiegel -, o WikiLeaks sobrevive de doações de colaboradores.

A exposição cada vez maior a cada episódio de vazamento que se sucede tem garantido contribuições maiores. Em 2009, o site divulgou um vídeo em que militares norte-americanos aparecem a bordo de um helicóptero no Iraque, e abrem fogo contra um grupo de civis, entre eles dois profissionais de imprensa da agência de notícias Reuters. Logo após a publicação das gravações, a organização recebeu cerca de US$ 200 mil em doações.


Novo modelo

O último episódio de vazamento de documentos no WikiLeaks mostra um novo modelo de divulgação de informação, que surge no âmbito da era digital. O especialista em cibersegurança do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) James Lews compara a divulgação das informações sobre a guerra do Afeganistão ao caso dos Papéis do Pentágono, na década de 1970, quando documentos sobre a guerra do Vietnã vazaram para a imprensa por meio de Daniel Ellsberg, um funcionário do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

"A diferença em relação aos Papeis do Pentágono é que Daniel Ellsberg pegou uma grande quantidade de documentos e os entregou a um jornalista", explicou Lewis à AFP. "Agora qualquer um pode pegar uma quantidade maior de documentos e distribui-los ao mundo inteiro".

A fundação mais recentemente tem usado mídias sociais como o Twitter e o Facebook para se tornar mais conhecida mundialmente. "Nós abrimos governos" é a descrição no perfil que o site têm nas redes. O WikiLeaks já ganhou prêmios como o de Meio de Comunicação do Ano, concedido pela revista britânica The Economist, em 2008, e o de Novas Mídias, concedido pela Anistia Internacional, em 2009, por relatos sobre matanças no Quênia.

Alvo de enxurradas de elogios de um lado e de avalanches de críticas de outro, Assange defende a existência do modelo de divulgação de informações que criou para mudar tudo o que se convencionou chamar de transparência até hoje. Um manifesto escrito em uma das páginas do WikiLeaks deixa claro: "Acreditamos que não são apenas os habitantes de um país que mantêm o seu governo honesto, mas também as pessoas de outros países que observam esse governo. Chegou o momento de criar uma avenida global e anônima para a disseminação de documentos a que o público deve ter acesso".

Por que o WikiLeaks tem causado tanta sensação? O próprio site responde assim: "A Grã-Bretanha já teve malária. Na América do Norte, a malária era epidêmica e ainda surgem casos de infecções a cada ano. Na África, a malária mata mais de 100 pessoas por hora. Na Rússia, entre o período de corrupção dos anos 90, a malária se restabeleceu. E qual a diferença entre esses casos? Nós sabemos como prevenir a malária. A ciência é universal. A diferença é uma boa administração pública."


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