Tecnologia

Mais1Code quer 'reprogramar a quebrada' com aula para jovens da comunidade

Projeto oferece curso online de tecnologia e programação, além de orientação profissional, para jovens de baixa renda; escola já conta com 140 alunos em um ano no ar

Tauan Matos, cofundador da Mais1Code (Mais1Code/Divulgação)

Tauan Matos, cofundador da Mais1Code (Mais1Code/Divulgação)

LP

Laura Pancini

Publicado em 13 de setembro de 2021 às 10h26.

Última atualização em 14 de setembro de 2021 às 10h27.

Desde o início da pandemia de coronavírus, 71% das famílias que moram em periferias brasileiras estão sobrevivendo com menos da metade de sua renda original, segundo pesquisa do Data Favela, em parceria com o Instituto Locomotiva e a Central Única das Favelas. Ao mesmo tempo, sabe-se que o mercado da programação está escasso e sempre em busca de mão de obra qualificada.

Foi pensando nessa contradição que nasceu a Mais1Code, projeto que proporciona educação tecnológica de qualidade e acesso a trilhas formativas para o desenvolvimento social e econômico do periférico, de forma gratuita e 100% online.

A ideia é capitaneada pelos amigos Tauan Matos, especialista em desenvolvimento de franquias de alto padrão, e Diogo Bezerra, formado em marketing, membro do programa Jovem Líder das Américas e fundador da escola de inglês 4WAY.

Amigos desde os 14 anos, Matos e Bezerra sempre buscavam novas formas de empreender, seja vendendo água ou fogos de artifício em frente aos jogos do Corinthians ou topando alguns bicos. “Testamos tudo que dava pra testar de empreendedorismo, sem saber que era isso”, relembra Matos sobre a adolescência dos dois no bairro Jardim Brasil, na Zona Norte de São Paulo.

O projeto Mais1Code foi idealizado pela dupla em 2019, quando um morador da comunidade, chamado Gabriel, perguntou onde poderia encontrar um projeto que ensinasse programação de forma gratuita e na mesma linguagem que a dele. Bezerra, um dos fundadores, chegou a procurar, mas não encontrou nenhuma iniciativa que tivesse conexão com a realidade daquele garoto.

Não demorou para que Bezerra propusesse a ideia para Matos, que, quando adolescente, também teve um interesse por programação que não foi aprofundado por falta de oportunidades. “Não ter uma resposta para ele [Gabriel] me incomodou muito. Eu era um Gabriel”, disse Matos.

Juntos, os amigos construíram a escola de formação no primeiro semestre de 2020. Ao todo, 50 jovens foram impactados naquele ano e outros 90 em 2021, totalizando 140 alunos em um ano no ar. Uma das primeiras, a santista Yasmin Menashe, começou as aulas sem sequer ter um notebook para praticar programação.

Yasmin Menashe, uma das primeiras alunas da Mais1Code

Yasmin Menashe, uma das primeiras alunas da Mais1Code, com o computador que foi emprestado para ela (Mais1Code/Divulgação)

As primeiras aulas foram todas pelo celular e com o seu mentor, Mateus Alexandre, transmitindo a tela enquanto a jovem falava o que deveria ser escrito no código. Depois, os fundadores conseguiram dar um notebook emprestado para Menashe concluir as aulas. “Quando peguei o notebook em mãos, é como se estivesse recomeçando”, conta a aluna.

Ao concluir o curso, Menashe foi uma das cinco indicadas pela Mais1Code, através do projeto Btech, financiado pelo grupo Seastorm, a receber bolsa integral na Universidade Unip para qualquer curso da área. A jovem, que também recebe ajuda mensal de 400 reais da faculdade, escolheu Análise e Desenvolvimento de Sistemas e, seis meses depois, passou em um processo seletivo na empresa Iteris.

“Foi uma porta que se abriu e que foi mostrando outras várias portas, eu só fui abrindo”, disse Menashe, que entra em um mercado no qual as mulheres representam apenas 20% dos profissionais, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). Um dos objetivos da Mais1Code também é ajudar a reverter esse dado: por enquanto, 60% do público atendido na escola é feminino.

Como são as aulas na Mais1Code?

O curso é completamente gratuito para jovens de baixa renda, que são o foco da iniciativa. Depois de se inscrever, todos passam por um processo chamado “Lab Mindset”, que envolve letramento digital; identificar quais habilidades ou áreas da programação cada jovem se identifica mais e a formação de um grupo de 3 a 5 pessoas.

Assim, os grupos entram na “Universidade Mais1Code”: com workshops e aulas semanais, cada equipe desenvolve uma solução idealizada durante a primeira etapa do processo. Como Matos conta, os grupos costumam trabalhar em algum aplicativo ou site que possa solucionar algum gargalo do dia a dia. "Já criaram um sistema de Uber para doações e um protótipo que conecta o coletador de lixo, a coletiva e o morador", exemplifica.

Na última etapa, os jovens entram no processo “Hub +1Code”, onde podem tanto ser orientados a vender a solução desenvolvida durante o curso, quanto conseguir ajuda para achar um emprego em alguma empresa de tecnologia. Após a formação e a contratação do jovem, é feito um contrato de um ano em que uma porcentagem do salário dele é revertida para Mais1code. Assim, o dinheiro é reinvestido no negócio e impacta outros jovens.

Projetos e parcerias

Apesar de ter começado um ano atrás, a Mais1Code já conta com diversos parceiros que ajudam no desenvolvimento da escola social em diversas formas, como a Faculdade Getúlio Vargas (FGV), a Escola Livre de Inteligência Artificial (ELIA), a Rocketseat, a plataforma de produção de conteúdo BrazilJS e a empresa de tecnologia Bit-One. O projeto também já foi acelerado pela Artemisia, organização pioneira no apoio a negócios de impacto social.

A parceria mais recente é com a GO.K, consultoria de inovação digital. Neste primeiro piloto do projeto “GO.K Reprograma da Quebrada”, o objetivo é fomentar a formação de 30 jovens periféricos durante 10 meses e meio, com a meta de chegar a 1000 pessoas em 2022.

Após a aplicação da metodologia das instituições, todos os participantes terão a chance de conquistar uma vaga no time da consultoria. A parceria prevê que a cada nova contratação da GO.K, outro jovem da Mais1Code seja beneficiado.

Para Matos, é um prazer para a escola social se conectar com grandes organizações. “A ligação vai além do que podemos imaginar, pois estamos promovendo educação de qualidade e gerando empregos. São vidas e famílias que se transformam e atingem novos patamares que, sem educação e trabalho, seriam inalcançáveis. É dar base para que o garoto da favela possa viver onde ele quiser e seja o protagonista da sua história.”

Acompanhe tudo sobre:BrasilComputadoresPobrezaProgramadoresTecnologia da informação

Mais de Tecnologia

Fim do passaporte? Índia, Finlândia e Cingapura apostam em reconhecimento facial como "documento"

Agentes de IA, energia limpa e criptos; saiba as principais tendências de tecnologia para 2025

Por que o YouTube está dominando as telas de TV em 2024

GAC Group lança robô humanóide GoMate para revolucionar indústria automotiva