Tecnologia

Masayoshi Son e o império dos robôs

David Cohen O que pareceu, em outubro passado, uma promessa um tanto megalomaníaca começou a se tornar no começo deste ano uma possibilidade muito real. Com a adesão da Apple, comprometendo 1 bilhão de dólares, e do fundo de investimentos estatal Mubadala, de Abu Dhabi, com 15 bilhões, o bilionário japonês Masayoshi Son está bem […]

Masayoshi Son: bilionário está por trás do SoftBank, fundo que possui participações tanto no Uber quanto na 99 (Koki Nagahama/Getty Images)

Masayoshi Son: bilionário está por trás do SoftBank, fundo que possui participações tanto no Uber quanto na 99 (Koki Nagahama/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 13 de janeiro de 2017 às 13h38.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.

David Cohen

O que pareceu, em outubro passado, uma promessa um tanto megalomaníaca começou a se tornar no começo deste ano uma possibilidade muito real. Com a adesão da Apple, comprometendo 1 bilhão de dólares, e do fundo de investimentos estatal Mubadala, de Abu Dhabi, com 15 bilhões, o bilionário japonês Masayoshi Son está bem perto de se tornar a principal força no desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial no mundo. Ele pretende fazer isso através de seu Vision Fund (fundo visionário), cujo objetivo é alcançar 100 bilhões de dólares para aplicar em tecnologias inovadoras.

Para dar uma ideia da correlação de forças, todos os fundos de venture capital juntos investiram cerca de 80 bilhões de dólares em startups por ano, em 2015 e 2016. Como definiu o jornalista Brad Stone, especializado em tecnologia, Masa (o apelido afetuoso de Masayoshi Son) “está trazendo uma bazuca para um tiroteio, e os efeitos provavelmente serão sentidos nos próximos anos”.

Como ele conseguiu reunir tanta munição? A maior parte das verbas vem do Oriente Médio: além da recente adesão do Mubadala, o fundo de investimentos da Arábia Saudita comprometeu-se com 45 bilhões de dólares, uma montanha de dinheiro em relação às contribuições de Qualcomm, Foxconn e Oracle, que entraram com 1 bilhão cada uma (assim como a Apple). Com os 28 bilhões do próprio SoftBank, o grupo de Musayashi Son, o Vision Fund já conta com 92 bilhões de dólares.

Em geral, os fundos de tecnologia não recolhem dinheiro do Oriente Médio. Preferem fontes mais perenes como as universidades. Mas Masa é bem mais heterodoxo: um empresário japonês, que montou um fundo com sede em Londres (provavelmente por facilidades regulatórias e fiscais), com capital do Oriente Médio e mais de onde quer que venha.
Para os fundos estatais de Abu Dhabi e da Arábia Saudita, trata-se de uma oportunidade de diversificação em relação à origem de sua riqueza, o petróleo.

Para que um fundo desses funcione, no entanto, não basta assegurar a fonte dos recursos. É preciso combater os atritos para que eles cheguem a bom destino. E isso Masa está tratando de fazer com denodo.

Assim que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, ele foi um dos primeiros executivos da área de tecnologia a visitá-lo em sua torre de escritórios, a Trump Tower, em Nova York. E entoou a única música que Trump parece querer ouvir: prometeu que seu fundo investirá 50 bilhões de dólares nos Estados Unidos, levando 50.000 empregos ao país.

Sua visão, definida em outubro, é permitir o avanço de “companhias de tecnologia promissoras”. Mas parte do dinheiro financiará as iniciativas do próprio SoftBank, que Masa quer transformar num líder da “internet das coisas”e da inteligência artificial.

Numa conferência sobre os resultados de seu terceiro trimestre fiscal, em 4 de janeiro, Masa declarou que essas tecnologias serão o próximo motor de crescimento do SoftBank (um grupo de telecomunicações e internet, com ramificações em comércio eletrônico, serviços de tecnologia, finanças e marketing).

Um dos principais benefícios dos investimentos na inteligência artificial será seu grupo de robótica, recentemente reestruturado. “Organicamente conectadas com um ecossistema da internet das coisas, as companhias do grupo têm o potencial de criar novos modelos de negócios e dar passos evolucionários nos dias que virão”, afirmou.

Sua maior estrela, o robô humanoide Pepper, lançado em 2016, já atingiu os 10.000 exemplares pelo mundo, empregado principalmente no varejo e nos serviços de hospitalidade, e deve expandir-se para a área de saúde. O SoftBank anunciou um kit de desenvolvimento de software para o Pepper na plataforma Android, e conta com o apoio de empresas como o Google, Microsoft e IBM para avançar.

Em busca da singularidade

Por mais impressionante que pareça um fundo de 100 bilhões de dólares, para Masayoshi Son este “é só o começo” de sua estratégia para o futuro. Sua “visão”, que dá nome ao fundo, é que estamos próximos da Singularidade – o momento previsto por amantes de tecnologia em que a inteligência das máquinas será superior à da humanidade. Masa acredita que este momento chegará nos próximos 30 anos.

Essa crença transformou seus planos. Já extremamente ambicioso aos 20 anos, Masa pretendia construir um império e deixá-lo para um sucessor, para desfrutar a vida quando estivesse na década dos seus 60 anos.

Tudo parecia caminhar para esse objetivo. Ele transformou a pequena companhia que fundou em 1981 na terceira maior empresa de telecomunicações do país e num grupo de tecnologia que inclui a empresa de telefonia sem cabo americana Sprint. No processo, tornou-se a segunda pessoa mais rica do Japão, atrás apenas de Tadashi Yanai, dono da marca de roupas Uniqlo, com uma fortuna avaliada em 14,9 bilhões de dólares. Em 2014, Masa contratou uma estrela do Google, Nikesh Arora, e deu a entender que ele seria seu sucessor.

Aos 59 anos, porém, decidiu que não estava na hora de se aposentar. Ao contrário, era hora de começar tudo de novo.

Com sua característica habilidade de agir rápido, Masa comprou a empresa de chips britânica ARM, apenas um mês depois da votação do Brexit (o plebiscito que definiu a futura saída do país da União Europeia), quando a libra se desvalorizou e o pessimismo barateou ativos do Reino Unido. Arora, o suposto sucessor, pediu demissão em junho, um mês antes da compra, e Masa anunciou que queria manter-se à frente dos negócios por mais uma década, para “trabalhar em mais algumas ideias loucas”.

Para comprar a ARM, por 31 bilhões de dólares, Masa teve de arranjar mais dinheiro, porque o SoftBank já estava bastante endividado com a compra da Sprint (“eu sou o rei das dívidas”, costuma brincar). Então ele vendeu suas participações nas companhias de games Supercell e GungHo, além de suas ações no Alibaba (cerca de 8 bilhões de dólares).

“Nós tínhamos que desistir de algo que não fosse mais o foco da nossa estratégia”, disse. “Eu não queria vender a Supercell, e eu não queria vender a GungHo. Eu não queria vender o Alibaba. Mas a ARM era crítica para a nossa estratégia.”

Segundo Masa, a Singularidade será uma “mudança de paradigma” para a humanidade. Nós viveremos num estado de abundância e lazer, porque os robôs farão todo o trabalho para nós, mais ou menos como a elite vivia nos tempos do Império Romano, atendida por escravos.

Será um tempo de mais eficiência, também. Com a internet das coisas e a inteligência artificial, os postes de luz nas vias se apagarão quando não houver ninguém por perto e a água do banho estará na temperatura que você quer quando decidir tomar banho.

Para estar à frente da construção dessa utopia, Masa está disposto a arriscar. Em conferência aos funcionários da ARM, em outubro, disse: “Eu sei que há preocupação com as mudanças no modelo de negócios com um novo dono, mas é o contrário. Eu prefiro deixar o time mais agressivo no desenvolvimento de tecnologia, mais comprometido nas relações com os clientes, fazer mais pesquisas, sem se preocupar com os resultados dos próximos vários trimestres.”

Os riscos que ele está disposto a tomar não são só na ARM. Valem também para seu fundo de investimentos: “100 bilhões de dólares são um tamanho interessante de munição”, disse. “Na minha opinião, são um começo. Minha paixão é maior do que muita gente acredita.” Masa acha que “muitas companhias serão reinventadas com a chegada da super-inteligência”.

A singularidade de Masa

Essa predisposição ao risco distingue Masayoshi Son da classe empresarial japonesa, em sua grande maioria cautelosa, silenciosa, que despreza a arrogância e idolatra os pequenos passos de melhora constante.
Masa era um estranho no ninho desde a infância. Ele nasceu na ilha de Kyushu, no sul do Japão. Vivia num barraco. Seu pai era um criador de porcos que produzia e vendia bebidas alcoólicas para complementar a renda. De etnia coreana, Masa sofreu preconceito na escola e foi forçado a adotar o sobrenome japonês de Yasumoto.

Baixinho, franzino, tinha uma ambição inversamente proporcional à estrutura física. Aos 16 anos, contra a vontade da mãe, decidiu ir para os Estados Unidos, estudar em São Francisco. Lá conseguiu pular três anos de preparação do ensino médio e passou nos testes de admissão para a universidade da Califórnia em Berkeley.

Formou-se em economia, mas construiu um tradutor eletrônico para ser vendido para quiosques de aeroporto. Licenciou a invenção para a Sharp, por 500.000 dólares. Também começou a importar do Japão os games do Pac-Man e do Space Invasers, que começavam a virar febre, e os alugava-para bares e restaurantes.

De volta ao Japão, no início dos anos 80, criou uma companhia de distribuição de software. Tinha apenas dois funcionários, em tempo parcial. Mas isso não o impediu de subir em cima de duas caixas e elevar a voz, como se estivesse se dirigindo a uma multidão de fãs num estádio. Naquele discurso, prometeu que em dez anos sua empresa iria faturar 3 bilhões de dólares.

Seu faro por bons negócios logo se tornou um mito. “Son age por instinto”, disse Satoshi Shima, um ex-executivo que virou professor numa universidade japonesa. “É um instinto genial, mas não tem lógica.”
Uma dessas decisões por instinto foi investir no Yahoo, em 1995. Masa não conhecia nada da empresa, mas estava convencido de que a internet seria dominada por portais. Ligou para alguns amigos nos Estados Unidos e perguntou qual era o melhor portal. Disseram-lhe que era o Yahoo. Quando a companhia abriu o capital, em 1996, ele elevou sua participação na empresa para 37%, tornando-se seu maior investidor.

Seu maior sucesso, porém, veio em 2000, quando ele investiu meros 20 milhões de dólares numa empresa de comércio eletrônico chinesa totalmente desconhecida, chamada Alibaba. Masa queria investir mais, mas Jack Ma, o fundador da empresa, não queria entregar-lhe uma participação tão grande. Aos poucos, a participação de Masa chegou a 32% do Alibaba. Em 2014, a empresa realizou a maior abertura de capital da história, um IPO de 170 bilhões de dólares.

O encontro entre Ma e Masa, descrito por Duncan Clark no livro Alibaba: The House that Jack Ma Built, é revelador. “Nós não falamos sobre receita, nem mesmo sobre modelos de negócios”, disse Ma. “Nós só falamos sobre a nossa visão.”

“Eu escutei o discurso de Ma por cinco minutos e decidi ali mesmo que queria investir no Alibaba”, disse Masa. Ele aconselhou Ma a aceitar o investimento do SoftBank porque ele deveria “gastar dinheiro mais rapidamente”. Na época, o Alibaba dava prejuízo, com custos crescentes para ganhar participação de mercado e se tornar o principal portal de vendas da China.

O instinto não proporcionou a Masa apenas acertos. Pouco antes do estouro da bolha da internet, em 2000, ele investiu bilhões de dólares em startups como Webvan e More. Você se lembra delas? Pois é. A fortuna do SoftBank encolheu em 70 bilhões de dólares na época.

Seus acertos, porém, ultrapassam em muito os erros. Dois anos antes de o iPhone ser lançado, Masa conversou com Steve Jobs sobre levar um telefone da Apple para o Japão. Essa presciência fez o SoftBank ganhar um acordo de exclusividade de vendas do iPhone no Japão que durou até 2013.
Masa não conseguiu repetir essa mágica nos Estados Unidos, e a Sprint não se revelou um bom negócio para o SoftBank – embora os resultados tenham melhorado recentemente.

Masa não é apenas instintivo. Ele é também intempestivo. Em mais um traço que o diferencia da norma cultural japonesa, Masa gosta do confronto. Chega a parecer uma criança mimada, às vezes. Em duas ocasiões ameaçou colocar fogo em seu próprio corpo ou na agência reguladora das telecomunicações do Japão – na primeira vez, numa disputa por acesso aos cabos de fibra ótica, na segunda em protesto contra a censura à internet.

Outra característica de Masa é ser um lobo solitário. Numa entrevista em 2011, Jack Ma revelou a principal discrepância que tinha com seu sócio: “Ele acha que os empregados podem ser substituídos a qualquer momento; eu acredito que nós devemos dar oportunidades aos jovens chineses, compartilhando o futuro com eles”.

Bill Gates, não. Warren Buffett

Nem todo o mundo considera Masayoshi Son um empreendedor ousado. A exceção é ele próprio. Masa se diz arrependido por não ter tomado ainda mais riscos em sua carreira. “Eu me arrependo de ter sido conservador demais, de ter pensado pequeno”, afirmou em novembro.
Sua ousadia já o fez ser considerado o “Bill Gates do Japão”, mas ele acha a comparação inadequada. Não por modéstia. Ele diz estar pronto para assumir o papel de “Warren Buffett da tecnologia”.

O empresário japonês guarda também algumas similaridades com Donald Trump. Assim como o próximo presidente americano, Masa tem uma legião de seguidores no Twitter. E toma algumas decisões por consulta direta a seus fãs.

Foi assim em 2010, quando Masa perguntou aos seguidores o que seria a coisa mais triste de suas vidas. As respostas mais comuns foram morte, solidão e desespero. Em reação a isso, o SoftBank acrescentou uma meta à sua filosofia corporativa: assegurar que ninguém fique sozinho.

Esta é, supostamente, a razão para a construção, em parceria com a Foxconn, do robô Pepper, um companheiro que usa a computação em nuvem e o reconhecimento de voz para aprender, e aprender a amar seus donos.

O outro motivo de tristeza dos seguidores de Masa – a morte – talvez seja mais difícil de combater. Mas o Vision Fund pretende construir máquinas que ajudem a elevar a expectativa de vida para os 200 anos.

Se algo parecido com isso der certo, em que idade Masa decidirá se aposentar?

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais de Tecnologia

Startup brasileira lança creme antisséptico que promete aposentar o álcool gel

Receita de jogos chineses cai 3,3% no primeiro semestre

Galaxy Z Flip 6: conheça os detalhes do smartphone usado pelos atletas nas Olimpíadas

Meta pagará US$ 1,4 bilhão ao estado Texas por uso indevido de tecnologia de reconhecimento facial

Mais na Exame