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Falha do Google mostra como o mundo se tornou refém das big techs

Instabilidade em serviços da companhia de Mountain View evidencia o maior problema da falta de competição no mercado de tecnologia

Big Techs: empresas dominaram o mercado de tecnologia. Um das consequências foi vista nesta segunda-feira (Chesnot / Colaborador/Getty Images)
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Rodrigo Loureiro

Publicado em 14 de dezembro de 2020 às 14h07.

Última atualização em 14 de dezembro de 2020 às 17h28.

Uma falha no mecanismo de login do Google deixou bilhões de usuários em todo o planeta sem acesso a serviços como YouTube , Gmail e Google Drive, entre outros. O problema técnico durou cerca de duas horas e foi consertado pela gigante californiana. Mas o que poderia acontecer se a solução não viesse de forma tão ágil? Em um mundo cada vez mais dependente do Google de outras big techs, o impacto poderia ser devastador.

O problema desta segunda-feira (14) afetou 18 serviços, conforme reportado. Além dos já citados, ferramentas como Agenda, Keep, Documentos, Planilhas, Apresentações, Chat, Classroom, Meet, entre outros, ficam inacessíveis durante esta manhã. Relatos dos problemas vindos de países da América Latina, América do Norte, Europa e Ásia foram informados no site DownDetector.

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Em posicionamento, o Google afirmou que “hoje, às 8h47 da manhã (horário de Brasília), o Google sofreu uma queda em seu sistema de autenticação, por aproximadamente 45 minutos, em razão de um problema de gestão interna da cota de armazenamento”. Segundo a empresa, os serviços que requerem apresentaram “altas taxas de erro durante esse período”. A companhia ainda informou que o erro de autenticação foi resolvido às 9h32.

É um pouco difícil calcular em números o impacto de uma queda geral do Google. Mas é possível citar alguns exemplos. Em novembro, após uma instabilidade de cerca de duas horas do YouTube, o produtor de conteúdo Felipe Neto, que conta com mais de 40 milhões de inscritos na plataforma, afirmou ter deixado de ganhar aproximadamente 18 mil reais por conta da falha.

 

Em uma conta simples, o Google consegue ganhar uma verdadeira fortuna por minuto em que opera normalmente. Neste ano, a companhia de Mountain View já gerou 125,6 bilhões de dólares em receita com a soma do faturamento de todos os seus serviços. Mesmo na pandemia, o valor já é 8,5% maior do que o registrado no mesmo período de 2019.

A falha do Google também impactou outras empresas que dependem da tecnologia fornecida em Mountain View. Uma dessas companhias foi a Zoom Video Communications, serviço de chamadas de vídeo que cresceu abruptamente em 2020. A plataforma apresentou problemas e chegou a ficar fora do ar. Coincidência ou não, a companhia opera em baixa de 2,27% na Nasdaq no momento da publicação desta reportagem.

O impacto ainda não foi tão sentido nas ações da Alphabet, empresa que controla o Google. No pregão desta segunda-feira, queda de apenas 0,31% no momento da publicação deste texto. A companhia está avaliada em 1,2 trilhão de dólares.

O Google não é o único exemplo que pode ser usado para ilustrar como a sociedade atual se tornou refém de gigantes da tecnologia. Recentemente, falhas nos serviços de computação em nuvem da Amazon derrubaram grande parte da internet, já que muitos serviços digitais atualmente estão hospedados nos sistemas da companhia de Jeff Bezos.

No fim de novembro, servidores da Amazon Web Services, como é chamado o serviço de cloud computing da Amazon sofreram uma instabilidade e causaram problemas em diferentes plataformas, como a rede social Flickr e o serviço de delivery de refeições iFood. Até mesmo o site do metrô de Nova York ficou inacessível durante um certo período.

Vale lembrar que o segmento é um dos mais lucrativos para a varejista: do faturamento de 96,1 bilhões de dólares registrado no terceiro trimestre de 2020, uma fatia de 11,6 bilhões de dólares (12,1%) veio da divisão de computação em nuvem, a AWS. Assim como no segundo trimestre deste ano, o setor apresentou crescimento de 29%.

Mais recentemente, na semana passada, uma falha nos data centers da IBM tornou impossível o acesso a sites, serviços e jogos de empresas como Caixa, Itaú, Correios, Nubank, WhatsApp, FreeFire, entre outros. O problema foi causado por um superaquecimento dos servidores da empresa.

Muita dependência, pouca competição

Em muitos dos serviços que ficaram indisponíveis ou apresentaram problemas nesta segunda-feira, o Google não enfrenta uma competição árdua. Não há um rival a altura do serviço de buscas de Google, por exemplo. O Bing, serviço de buscas da Microsoft, nunca conseguiu bater de frente. Em setembro, registrou um volume inferior a 10% das buscas realizadas na internet, conforme mostra a consultoria Statista.

Nos mais competitivos, o Google Drive é utilizado por 34,4% do mercado contra 12,2% que optam pelo One Drive, da Microsoft . Em 2018, o Maps é usado por 154 milhões de pessoas contra 23 milhões de usuários nos Estados Unidos que optam pelo serviço de mapas da Apple. Os dados são das consultorias Datanyze e Statista respetivamente. Vale lembrar, porém, que o Google ainda é dono do Waze, que tinha 25,6 milhões de usuários nos EUA na época.

“Se você deseja ser um parasita do Google, suas perspectivas de médio e longo prazo são terríveis”, disse, em 2019, o investidor de risco Chamath Palihapitiya. “Muitas empresas tornaram-se mais parecidas com seus concorrentes e contando com o Google para aumentar o volume. Essa é uma receita para o desastre”, afirmou.

Nos últimos meses, essas gigantes do mercado entraram na mira de órgãos antitruste de diferentes regiões do planeta. Um relatório devastador produzido nos Estados Unido s apontou os impactos negativos de como as empresas Apple , Amazon , Google e Facebook criaram um monopólio em torno de seus negócios, impedindo o crescimento de rivais.

“A investigação descobriu várias maneiras pelas quais Amazon, Apple, Facebook e Google usam seu domínio em um ou mais mercados para beneficiar suas outras linhas de negócios, reduzindo o dinamismo e a inovação”, diz um dos trechos. “Usando o poder de mercado em uma área para tirar vantagem de uma linha separada de negócios, as empresas minam a concorrência.”

Em resposta, o Google informou que seus serviços como Busca, Maps e Gmail ajudam milhões de americanos e que investe bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento para construir e aprimorar os serviços. “Competimos de forma justa em um setor altamente competitivo e dinâmico”, informou a empresa. “Não concordamos com os relatórios de hoje, que apresentam alegações desatualizadas e imprecisas.”

Os argumentos do Google não são muito diferentes do que outras empresas utilizam para defender seus serviços. Em alguns casos, executivos que estão no comando das operações das gigantes da tecnologia lembram como seus serviços possibilitaram a criação de um ecossistema econômico cada vez mais digital e que possibilita (e otimiza) a geração de renda pela internet.

Uma reportagem recente da BBC lembra que diferentes negócios cresceram (ou ao menos sobreviveram) durante os últimos meses graças às plataformas digitais de e-commerce e de publicidade fornecidas por Amazon e Google respectivamente. Dados da empresa  de sistemas de pagamento ACI Worldwide apontam crescimento de 28% no comércio eletrônico global durante o mês de junho deste ano.

“Sem a Amazon, teríamos que ter liberado todos os nossos empregados embora durante o confinamento. Em vez disso, conseguimos nos ajustar ao novo normal e manter os trabalhadores para uma operação online”, disse Keith Ingram, dono de uma loja de discos de vinil no Reino Unido.

A dependência do mundo da tecnologia em alguns poucos serviços digitais não é saudável. Mas isso não significa que as inovações sustentadas por empresas como Amazon, Google, Facebook, entre outras, não tragam benefícios para a sociedade em geral. Principalmente em tempos pandêmicos.

 

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