O enigma do e-book: decifra-me ou te devoro
Os editores se debatem entre as promessas do novo formato e o receio de serem abocanhados por ele
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
O e-book desafia o mercado de livros como um enigma da esfinge da Antiguidade. "Decifra-me ou te devoro." Os editores, que há anos encaram a ascensão dos e-readers, dispositivos portáteis de leitura digital, se debatem entre as promessas do novo formato (entre elas, a de atingir leitores em qualquer parte do globo) e o receio de serem abocanhados por ele.
A apreensão cresceu recentemente com o lançamento do iPad. A nuvem de expectativa, incerteza e planos se formou em torno do tablet da Apple, que aprimorou a maneira de apresentar textos eletronicamente com recursos touchscreen. Mas ainda se trata de uma nuvem, que até agora só revelou uma certeza: o livro eletrônico chegou para ficar.
"O modelo de negócio no futuro vai ser completamente distinto do que conhecemos hoje", prevê Sônia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livro (Snel). "Mas várias questões ainda não estão claras", completa.
Entre os enigmas dos e-readers está o preço do livro eletrônico, o e-book. Uma vez que sua produção elimina gastos de impressão, papel e transporte ao ponto de venda, o custos e, portanto, o preço das obras digitais poderiam ser sensivelmente inferiores aos do livro tradicional. E são.
Outra charada: no novo cenário, como seria a remuneração de autores e editoras? Mais uma: qual dos formatos oferecidos por fabricantes de e-readers se tornará padrão? Como sobreviverão as livrarias, se um dia todas as obras puderem ser adquiridas pela internet, por exemplo? Finalmente: como evitar que o arquivo digital, facilmente reproduzível e compartilhável em ambiente virtual, vire alvo de pirataria, repetindo com a indústria do livro o que o formato MP3 fez com a dos discos?
"No Brasil, o número de equipamentos de leitura eletrônica ainda é ínfimo. Vamos ter de esperar mais tempo para ver o que vai acontecer no mercado externo e depois tomarmos uma posição", afirma Sérgio Machado, presidente da Record, maior editora do país no campo de obras não-didáticas, que acumula em acervo 6.500 títulos. "Na nossa economia editorial, não podemos ficar brincando com as tecnologias."
Nos Estados Unidos, editoras, livrarias on-line e fabricantes já fecharam contratos vultosos. O iPad, recém-chegado ao mundo, tem a sua própria loja de obras digitais, a iBookStore. Com um catálogo de mais de 60.000 títulos de grandes editoras como HarperCollins, Macmillan, Penguin e Simon & Shuster, o endereço eletrônico da Apple já vendeu 600.000 e-books desde o seu lançamento, no dia 3 de abril.
<hr> <p class="pagina">O mercado é promissor. Segundo amostragem da Associação Americana de Editores (AAP), que analisou dados de treze companhias dos EUA, a venda de e-books cresceu 176% em 2009. O faturamento com eles bateu em 113 milhões de dólares - pouco se comparado aos 24 bilhões de dólares gerados pela indústria como um todo, mas ainda assim um nicho em ascensão. Já a venda de dispositivos eletrônicos de leitura - como o iPad ou Kindle, da Amazon - devem saltar de 5 milhões, em 2009, para 12 milhões de unidades em todo o mundo.<br> <br> É verdade que já houve enfrentamentos entre os tradicionais editores e os novos parceiros do negócio. No iníco deste ano, a Macmillan e a Amazon se estranharam por conta do preço das obras em formato eletrônico oferecidas na livraria on-line. A Macmillan exigia valores entre 12,99 e 14,99 dólares; a Amazon queria cobrar 9,99 dólares. Durante o impasse, a livraria retirou de seu site todas as obras da Macmillan, mas por fim cedeu e voltou a fazer as vendas.</p>
O receio de muitas editoras (e também livrarias) é que o produto virtual acabe por "canibalizar", como se diz na gíria de mercado, o item físico - que, em geral, custa mais caro. Um exemplo brasileiro: o livro Headhunter - Os Bastidores Do Mundo Corporativo sai por 59,90 reais, enquanto sua versão virtual custa 27,93 no formato ePub, vendido pelo site da Livraria Cultura.
No início deste mês, a livraria começou a vender e-books no formato PDF e ePub - reconhecido pela maioria dos e-readers, como iPhone, Blackberry, e também por computadores pessoais e da Apple. De acordo com Sérgio Herz, diretor de operações da rede, serão 120.000 títulos importados disponíveis para download e mais 500 nacionais. E há outra boa notícia para o leitor: "Algumas editoras determinaram que suas versões digitais serão 30% mais baratas do que as correspondentes em papel", afirma Herz.
Embora o preço final ao consumidor pareça atrativo, ele não acredita que as páginas digitais ocuparão grande espaço de seu negócio no curto prazo. "No começo, as vendas serão tímidas. Ainda vivemos o princípio da era digital para livros", diz o diretor. Um editor concorda. "Ainda há muito barulho nessa história", diz Matinas Suzuki Jr., da Companhia das Letras. "Esse mercado vai crescer muito lentamente, por dois motivos. Primeiro: não há muitos títulos disponíveis em formato digital. Segundo: os aparelhos ainda são caros." Nos EUA, o Kindle custa 259 dólares, e o iPad, 499 dólares. O modelo Cool-er, vendido no Brasil, sai por 750 reais.
Assim como a Cultura, que conta com nove lojas no Brasil, livrarias de menor porte terão de se adequar às mudanças de mercado que se avizinham. "Elas terão que adquirir muita tecnologia se quiserem competir nessa nova realidade", afirma Vitor Tavares, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL). "Mas elas vão sobreviver. O livro eletrônico poderá ser vendido como um cartão de celular pré-pago, oferecido pelo caixa na hora do pagamento."