Tecnologia

Elas querem a sua ideia

Grandes empresas brasileiras estão de olho no potencial das startups. Com programas específicos para atrair empreendedores, elas buscam ideias para resolver problema

startup-house (Gui Morelli)

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DR

Da Redação

Publicado em 1 de outubro de 2014 às 17h33.

"Olá, fundei uma startup que, no momento, é formada por mim, meu MacBook e meu cachorro. Mas tenho uma boa ideia.” Foi assim que a publicitária Gabriela Castejon, 30 anos, começou sua apresentação para o grupo de executivos de uma das maiores construtoras do país, a Tecnisa. Na sede da empresa, em São Paulo, Gabriela era uma entre 15 empreendedores selecionados para mostrar seus projetos. Em comum, todas as startups tinham poucos clientes, ainda menos recursos financeiros e nenhuma experiência com o mercado imobiliário. Por que, então, elas atraíram a atenção e o tempo valioso dos executivos da construtora?

Os motivos que levam a Tecnisa a ouvir uma jovem como Gabriela são os mesmos de dezenas de outras empresas brasileiras que, nos últimos dois anos, têm criado programas para se aproximar de startups. Elas buscam soluções rápidas, novas ideias e formas de incentivar e promover a inovação internamente. Em troca, oferecem mentoria e suporte para os empreendedores transformarem protótipos em produtos de sucesso. 

Nos Estados Unidos, na Ásia e na Europa, o modelo tem dado tão certo que empresas como Disney, Bayer e Coca-Cola criaram as próprias aceleradoras. A Nestlé preferiu abrir um escritório no Vale do Silício para estudar tecnologias digitais, enquanto gigantes como Nike e Unilever lançaram programas para desenvolver soluções em conjunto com empreendedores. “No Brasil esse movimento está começando a crescer”, diz Pedro Waengertner, um dos fundadores da Aceleratech. Há seis meses, Waengertner e sua equipe trabalham com marcas nacionais interessadas em se aproximar desse ecossistema. Batizado de Aceleracorp, o programa traça estratégias de inovação baseadas tanto na reestruturação de times internos das empresas como na cooperação com startups. “Pela nossa experiência, iniciativas como essa fazem com que uma empresa coloque uma nova ideia no mercado até quatro vezes mais rápido e gastando quatro vezes menos”, diz ele. 

Foi em busca dessa agilidade que a Tecnisa criou, em 2012, o programa FastDating, espécie de edital permanentemente aberto para atrair novas ideias para aplicação imediata. No site tecnisa.com.br/fastdating, empreendedores cadastram sugestões e, a cada 21 dias, um grupo é selecionado para apresentá-las na sede da empresa, em São Paulo. Eles têm 10 minutos para convencer um grupo formado por diretores da construtora, que ficam à disposição dos empreendedores durante toda a manhã, escutando as apresentações. Se gostam de alguma ideia, marcam uma segunda reunião para conhecer mais detalhes dos projetos. 

“Toda empresa tem desafios novos que nós, como executivos, não podemos resolver no dia a dia”, afirma Romeo Busarello, diretor de marketing e ambientes digitais da Tecnisa. “Já no meio empreendedor há centenas de pessoas descobrindo negócios que podem resolver esses problemas. Mas é preciso ter paciência. Às vezes fazemos sessões com dez ou 15 startups e não vem nada de bom.” O saldo, no entanto, é positivo. 

Em dois anos, foram mais de 40  startups contratadas como prestadoras de serviços, de empresas que usam drones para acompanhar obras a desenvolvedoras de software para gestão do departamento de recursos humanos. Em todos os casos, além de apresentar um projeto útil à Tecnisa, os empreendedores selecionados também convenceram os executivos de sua  capacidade de execução. “Ter confiança é fundamental. Quando estamos em dúvida com relação a um projeto, sempre nos fazemos a mesma pergunta: ‘Compraria um carro usado desse cara?’ Se a resposta é não, nem continuamos a avaliação”, diz Busarello. 

Uma das primeiras ideias implementadas pelo FastDating foi a de Gabriela Castejon, que ofereceu à Tecnisa um serviço de gestão de marca nas redes sociais.  “Minha proposta não foi criar conteúdo que falasse apenas da construtora mas também de assuntos que tivessem a ver com sua identidade”, diz Gabriela, fundadora da startup Bistrô Brand Ideas. Após uma carreira em empresas como o banco Citibank e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ela hoje trabalha em casa desenvolvendo soluções de design e mídias digitais com um grupo de colaboradores a distância. No caso da Tecnisa, a Bistrô gerencia dez perfis em redes sociais como Facebook, Pinterest e Instagram, mostrando desde  lançamentos de empreendimentos imobiliários até dicas de decoração, culinária e novidades tecnológicas para casa.  Semanalmente, Gabriela participa de reuniões presenciais ou por Skype com a equipe de marketing da empresa.  

“Ter um grande nome no portfólio de clientes traz respaldo para o meu negócio”, diz Gabriela.  Para a Tecnisa, além da agilidade para resolver problemas, programas como o FastDating trazem outras vantagens. “A imagem da marca fica mais fresca, moderna, e isso reflete não só em nossa retenção de pessoas, de talentos, mas no aumento de inscrições no programa de trainee”, diz Busarello.  

Assim como a Tecnisa, a Siemens, que desenvolve soluções tecnológicas para a indústria, também recorreu às startups em busca de novas ideias. A empresa de origem alemã já está na segunda edição do programa Technology to Business, que seleciona novos negócios em áreas de interesse específico para receber apoio tecnológico, mentoria para desenvolver novos produtos e, quem sabe, um contrato como parceiro da empresa. “Na primeira chamada focamos em redes inteligentes, biocombustível e automação. Depois selecionamos também empresas de áreas como saúde e otimização de processos”, diz Ronald Dauscha, diretor de tecnologia e inovação da Siemens do Brasil. As cláusulas do programa determinam que a empresa mantenha em sigilo o nome de todas as participantes. “Mas temos ideias muito promissoras em andamento. Sem o programa, dificilmente acharíamos esses empreendedores”, diz Dauscha. 

Encontrar novas possibilidades de negócios é um dos principais objetivos de quem se aproxima das startups. Nos Estados Unidos, grandes empresas de tecnologia, como Intel, Qualcomm, Motorola, Microsoft, Google e Samsung, fazem isso há décadas por meio de seus fundos de investimento. No Brasil, algumas empresas, como a Totvs, também injetam dinheiro em companhias iniciantes em busca de retorno financeiro no futuro. O próprio Google anunciou o lançamento do Campus São Paulo, ambiente para incentivar startups brasileiras, enquanto o Facebook começou a acelerar empresas que queiram desenvolver tecnologias com base na rede social. Já a Telefônica tem no país um escritório da Wayra, sua aceleradora que funciona como um braço independente da empresa e cujas ideias selecionadas não necessariamente precisam estar alinhadas com o principal negócio da companhia.

A grande diferença entre os fundos, as aceleradoras tradicionais e os novos programas de parceria com empresas está no tipo de relacionamento entre os envolvidos. Em troca de dinheiro e mentoria, os fundos e as aceleradoras se tornam também sócios da empresa iniciante. Já nos novos programas corporativos a relação não necessariamente inclui dinheiro ou sociedade. Dependendo da forma como foram desenhados, todos esses modelos podem fazer parte da estratégia de crescimento de uma marca. 

É o caso da Stefanini, empresa de software e consultoria em TI que pretende lançar em janeiro o próprio programa de aceleração de empresas, o Hack2Business. “O projeto é parte dos esforços para dobrar de tamanho até 2016”, diz Vinícius Fontes, gerente executivo de inovação da Stefanini. Em sua primeira edição, o Hack2Business vai selecionar cinco ideias de todo o Brasil para passar por um período de imersão dentro de uma das nove unidades da empresa em São Paulo. O objetivo é amadurecê-las e transformá-las em startups prontas para receber investimento do mercado. “Vamos fornecer a parte de desenvolvimento de código e programação, além de mentoria com os times das áreas comerciais e a possibilidade de conversar com pessoas de nossa rede de contatos”, diz Fontes. A Stefanini entraria como sócia das startups, mas pode convidar executivos de outras empresas de setores como bancos ou varejo para integrar os conselhos.  

O Hack2Business aceitará inscrições de todo o Brasil, e o principal critério de seleção será o potencial para gerar novos negócios. “Essa estratégia de buscar ideias disruptivas em startups faz todo o sentido para uma grande empresa”, diz Naldo Dantas, secretário executivo da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). A parceria funciona porque pode dar a ambas aquilo que falta a seus times. Para um empreendedor com uma ideia, criar um negócio é a parte mais fácil.  O difícil é escalar e torná-lo um produto real. Já grandes corporações são especialistas em ganhar escala, embora muitas vezes falte nelas a agilidade para criar algo novo.  “À medida que o negócio da startup avança, a empresa consegue organizar seu timing para lançar no mercado essa nova tecnologia ou produto”, diz Dantas. 

O Bradesco também decidiu partir por esse caminho para inovar. Até o dia 17 de outubro, o banco aceita inscrições para a primeira edição do InovaBra, programa que busca startups com soluções para a área de serviços financeiros. Até meados de setembro, mais de 300 empresas já tinham se cadastrado no site inovabra.com.br, com propostas ligadas a novos meios de pagamento, agências do futuro, soluções para o mercado de seguros, entre outras. “O InovaBra vai nos trazer mais velocidade, porque o empreendedor externo não tem as amarras de uma grande corporação”, afirma Maurício Machado de Minas, vice-presidente executivo do Bradesco. Após o término das inscrições, 40 startups passarão para as fases seguintes, até que dez finalistas sejam selecionadas para trabalhar com o banco por um prazo de seis meses. O cronograma prevê reuniões frequentes com os principais executivos do banco, mentoria da área financeira para estruturar a empresa e apoio completo da TI do Bradesco para desenvolver produtos em conjunto. Mais de 100 profissionais da empresa devem se envolver diretamente com o InovaBra.Ao final, a startup pode ser contratada como prestadora de serviços ou receber uma proposta para vender seu produto para o banco. “Para garantir que a ideia esteja de pé nesse prazo, o Bradesco vai colocar um executivo interno como mentor de cada iniciativa”, diz Minas.

(Natach Volpini, Gerente de Marketing da Mondelez, e Bernardo Brugnara, Fundador da Collact)

O compromisso dos altos executivos é essencial para garantir que programas como o InovaBra, o FastDating ou o TTB realmente funcionem. “A melhor forma de engajar todos os funcionários é quando o presidente, os acionistas e os executivos enxergam aquilo como uma ferramenta útil”, diz André Chaves, da agência S_Kull, especializada em acelerar o empreendedorismo dentro de empresas. “Se não for assim, os projetos podem virar apenas uma jogada de marketing.” Neste ano, a S_Kull ajudou a organizar o Mobile Futures, programa de startups da Mondelez Brasil. A empresa é dona de marcas de alimentos e bebidas como Lacta, Trakinas, Clight e Sonho de Valsa. Na versão americana, realizada no início de 2013, o Mobile Futures teve como participante a startup israelense Waze, comprada pelo Google por mais de 1 bilhão de dólares. O aplicativo de mapas criou uma campanha com a marca de chicletes Stride para distribuir cupons de desconto usados em grandes varejistas, como a Target. 

“O Brasil foi o segundo país a implementar esse projeto. Aqui tínhamos duas grandes premissas”, diz Natacha Volpini, gerente de marketing da Mondelez e coordenadora do Mobile Futures. “A primeira era criar uma cultura interna de empreendedorismo. A segunda era aumentar nossa presença mobile.”  Das pouco mais de 100 empresas inscritas, cinco foram selecionadas para trabalhar com as marcas Trident, Club Social, Tang, Bis e Halls. Uma delas foi a Collact, desenvolvedora de um aplicativo que substitui o cartão de fidelidade com carimbos, comum em restaurantes e lojas.  “Pesquisamos sobre o Mobile Futures lá fora e achamos que ele realmente poderia nos ajudar”, diz Bernardo Brugnara, 26 anos, cofundador da Collact.  A missão era desenvolver algo novo em parceria com a Trident e, para isso, o time de marketing da marca de chicletes fez uma imersão de uma semana na sede da startup.  O resultado foi um projeto desenvolvido em 90 dias e que começou a ser testado em meados de agosto em cantinas de dez faculdades em São Paulo. 

Utilizando a tecnologia de beacons, espécie de GPS para locais fechados que mostra exatamente onde o cliente se encontra, a Collact envia mensagens personalizadas a usuários próximos ao caixa. “O momento de saída é também aquele em que as pessoas costumam comprar Trident”, diz Brugnara.  “Hoje, somos uma mistura de fornecedor e parceiro da Mondelez. Não existe uma troca financeira, mas a experiência nos proporciona um ambiente para crescer e ter visibilidade no mercado.” 

Na Mondelez, o projeto ajudou a mudar a mentalidade das equipes. “Ganhamos mais velocidade”, diz Natacha. “Entendemos que não é preciso reter todos os talentos. Podemos buscar isso no mercado e unir forças.”  O sucesso da parceria entre Mondelez e Collact, ou entre a Tecnisa e a Bistrô Brand Ideas, pode ajudar a consolidar no Brasil esse novo modelo de colaboração entre grandes marcas e empreendedores. Um modelo no qual quem está começando pode contar com suporte financeiro de uma instituição como o Bradesco ou ter uma consultoria completa de serviços de software da Siemens ou da Stefanini. Em troca de seu conhecimento, essas empresas estão atrás de boas ideias. Quem sabe a próxima não pode ser a sua? Mesmo que sua empresa seja constituída por você e seu cachorro.   

Inscreva sua ideia
 

Tecnisa_ O programa FastDating está permanentemente aberto e seleciona novas ideias para aplicação imediata na construtora (tecnisa.com.br/fastdating)

Bradesco_ Até o dia 17 de outubro, o InovaBra aceita inscrições de startups com soluções para a área de serviços financeiros (inovabra.com.br)

Unilever_O Foundry é uma plataforma global da marca para relacionamento com startups, aceita inscrições de projetos de todo o mundo (foundry.unilever.com)

Stefanini_ No início de 2015, startups poderão se inscrever para o Hack2Business, programa de aceleração da Stefanini em São Paulo (hack2business.com/)

Samsung_ A aceleradora da empresa, no Vale do Silício, aceita inscrições de ideias e projetos de todo o mundo (samsungaccelerator.com)  

 

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