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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h16.
Londres, 1 de agosto (Portal Exame) - Não é fácil organizar interesses tão diversos como os envolvidos no setor de TV digital. Há as empresas de televisão as que produzem conteúdo e as que distribuem os sinais. Há os fabricantes de equipamentos. As agências de propaganda. Os produtores de software dos conversores. Engenheiros, programadores, jornalistas, publicitários, executivos. Para que toda esta gente se entenda, é preciso haver coordenação por exemplo, para definir padrões técnicos.
No Reino Unido, esse papel cabe ao Digital Television Group, associação de todas as empresas participantes do setor. EXAME entrevistou o diretor-técnico do DTG, Peter Marshall. Ele esteve no Brasil no ano passado defendendo o Digital Video Broadcasting (DVB), o padrão de TV digital adotado na Europa. Uma decisão errada pode isolar o Brasil no mercado mundial , adverte. Veja os principais trechos da entrevista.
Por que o Brasil deveria adotar o DVB?
Acho que o Brasil não deveria adotar o padrão americano (ATSC) porque ele tem falhas técnicas. Em áreas muito urbanizadas, por exemplo, há problemas quando as antenas recebem sinais provenientes de diferentes rotas. Prédios altos no meio do caminho causam interferências que prejudicam a qualidade da recepção. Foram feitos testes de laboratórios isentos no Brasil que comprovam o que estou afirmando. Os americanos vivem dizendo que descobriram um novo milagre, um novo design que vai resolver o problema. De fato, é possível projetar novos receptores que melhorem essa situação, mas isso aumenta os custos.
Mesmo que isto fosse desejável, sabemos que a decisão não é puramente técnica.
É verdade, há o aspecto comercial. Sei que os americanos estiveram no Brasil e ofereceram subsídios para os fabricantes de TVs e componentes. Eles fizeram o mesmo em Taiwan. Deram subsídios, mas no fim os fabricantes taiawaneses não tiveram para quem vender os aparelhos. Pode parecer uma boa jogada de mercado receber dinheiro dos americanos para fabricar equipamentos ATSC, mas duvido que dê certo. Hoje, só os Estados Unidos adotam o padrão ATSC, e as vendas lá no ano passado ficaram em 360 000 receptores proporcionalmente, um número muito pequeno para aquele mercado imenso. É claro que isso pode mudar, sei que países como o Chile estão interessados no ATSC por causa dos laços comerciais com os Estados Unidos.
E o padrão japonês, o ISDB?
Bem, o ISDB é um desenvolvimento feito a partir do padrão europeu, portanto fica difícil argumentar tecnicamente contra ele. Mas eu diria que é foi um desenvolvimento desnecessário, que tornou o sistema complexo demais. Eles conseguiram melhorar, por exemplo, o uso do sistema em dispositivos móveis. Mas será que o custo vale à pena? Em Cingapura, um sistema adaptado do DVB está sendo usado em 200 ônibus. Os passageiros podem assistir à televisão enquanto viajam pela cidade. Mas é um uso muito específico, um nicho. E o padrão japonês ainda não está disponível nem no Japão. O Brasil seria o primeiro país do mundo a adotar o ISDB. Vocês teriam o mesmo problema que tivemos no Reino Unido com o DVB. O primeiro país que adota um padrão sempre passa por uma fase complicada de ajustes.
Mas o que o DVB tem de bom?
Tecnicamente, o intercâmbio de sinais é muito mais flexível entre as plataformas satélite, terrestre e cabo. É possível receber o sinal emitido por satélite em estações terrestres e depois retransmiti-lo sem prejuízo para a qualidade. Comercialmente o padrão europeu também é o melhor. O Brasil tem uma indústria de aparelhos de TV muito saudável que, no entanto, tem de ser modernizada, tem de migrar para a tecnologia digital. E vocês devem pensar não somente no mercado latino-americano, mas em escala mundial. O mercado global para o DVB é e vai continuar sendo muito maior. Atualmente, oito países já usam o sistema DVB e mais seis vão começam a operar até o fim do ano. E, embora sem especificar a data de início das transmissões, outros 14 países já anunciaram que vão adotar o sistema, Índia e China entre eles. A China declarou que vai usar um sistema próprio, mas na verdade é uma pequena variação do DVB.
Os críticos do DVB acreditam que o sistema não permitirá o desenvolvimento da TV de alta definição (HDTV). Eles estão certos?
Nós europeus temos uma fama na América Latina e em outras partes do planeta de não gostarmos de TV de alta definição. Parte desta fama se deve a uma empreitada mal-sucedida: nós passamos os anos 80 pesquisando TV analógica de alta definição. Investimos e perdemos muito dinheiro neste projeto. As pessoas que se envolveram neste projeto ainda têm os dedos queimados pelo fracasso. Particularmente, acho que há bons motivos técnicos para questionar o uso de TV de alta definição nas residências comuns. Você precisa ter um monitor relativamente grande, de 40 ou 50 polegadas, e tem de estar sentado a uma distância razoável da tela para usufruir todo benefício da HDTV. Para mostrar uma partida de futebol num pub pode ser ótimo, mas talvez não para a sala de estar de uma residência normal. Tecnicamente, acho que sinais de HDTV deveriam ser transmitidos por satélite, não por TV terrestre. Primeiro porque a largura de banda das transmissões por satélite é muito maior, e sinais de alta definição são pesados em termos de quantidade de informação transportada. Segundo, porque o conteúdo próprio para HDTV é nacional, não local. O que as pessoas querem ver em alta definição? Os principais jogos de futebol, os grandes shows, eventos importantes. Tipicamente programas trasmitidos em rede nacional.
A tecnologia digital permite a transmissão de mais canais, mesmo usando antenas convencionais. Qual o máximo ganho possível?
Depende. No Reino Unido as faixas usadas para transmissão de sinais digitais operam a velocidades de 24 milhões de bits por segundo e nossos canais analógicos usam 8 MHz do espectro. Isto nos permite transmitir algo entre cinco e sete canais digitais na mesma fatia do espectro, dependendo do tipo de serviço que se está transmitindo. No Brasil, onde as transmissões são feitas em faixas de 6 MHz, será possível transmitir algo entre quatro e cinco canais digitais no espaço de um analógico.
Há algo que os governos possam fazer em mercados de TV digital que ainda não começaram a se organizar?
Qualquer país que pretenda adotar um serviço de televisão digital precisa ter um forte apoio governamental. No Reino Unido, o governo tem trabalhado para desenvolver os serviços de TV digital terrestre. Em parte, para incentivar a competição com os provedores de serviço por satélite, em parte para estimular o desenvolvimento da indústria de aparelhos de TV e componentes. Outro aspecto importante é o interesse do governo em recuperar as faixas do espectro de radiodifusão que hoje são usadas para transmissão de TV analógica. O tesouro tem interesse em arrecadar fundos com a venda destas faixas
Em escala mundial, não é parece um bom momento para o mercado. Como levantar dinheiro para investir em TV digital?
Problemas financeiros estão abalando praticamente todas as operadoras de TV paga da Europa. Leo Kirsch [o maior empresário de mídia da Alemanha, o homem que comprou os direitos de transmissão das copas de 2002 e 2006] foi à falência. Na Itália, a News Corp está fundindo sua operação de TV por satélite com a concorrência. Eles estavam em um ponto de impasse em que nenhum dos dois tinha o número de assinantes necessário para tornar o negócio lucrativo. As operadoras de TV a cabo do Reino Unido estão tendo que arcar com custos muito consideráveis para fazer o upgrade de infra-estrutura para a tecnologia digital que já aconteceu em metade das casas. E elas estão fazendo esta migração lentamente, área por área. Estamos aprendendo, talvez de um jeito muito duro, que há limites para as proporções da população dispostas a pagar por televisão. É preciso pensar em modelos alternativos de financiamento para TV digital.
Que outros modelos seriam estes?
Levantar dinheiro com publicidade pode ser um, mas neste momento estamos passando por uma recessão no mercado. Temos coisas a aprender com esta crise. Por exemplo: que devemos buscar modelos de pay per view mais casuais. Veja meu caso. Sou um homem ocupado, não vejo muita TV. Mas às vezes chego em casa à noite, quero relaxar um pouco, só que não há nada que me agrade nos canais abertos. Eu estaria disposto a pagar um preço não muito alto, digamos que o equivalente a um aluguel de vídeo, para assistir a um programa sobre música. Mas, como sou um espectador ocasional, não vou assinar um serviço regular. Outras pessoas como eu formariam uma fonte adicional de financiamento que não está sendo explorada hoje em dia.
Esse telespecator ocasional não seria o alvo dos serviços de vídeo sob encomenda (video on demand)?
Poderia ser, mas os serviços que temos hoje são baseados em assinatura:. o assinante paga por um pacote básico e tem a possibilidade de pagar por serviços adicionais. Mas aí ele já deixou de ser um espectador ocasional. Estou me referindo mesmo ao serviço de TV Digital terrestre, que deveria abrir a possibilidade de alguém pagar por serviços isolados, independentemente de assinatura.
Um passo importante para o desenvolvimento da TV digital no Reino Unido foi o subsídio aos conversores. No Brasil também seria?
No começo, o custo era decisivo. Para um país que adote o sistema digital agora, ele vai ser muito menos importante o preço vai cair facilmente para baixo da barreira dos cem dólares, custo que pode ser arcado pelo consumidor. No Brasil poderia ser interessante distribuir de graça uma certa quantidade, digamos 50 000 conversores, para os primeiros assinantes como estratégia de marketing mas as empresas não vão precisar desembolsar grandes quantias como aconteceu aqui.