Anônimos da Faria Lima: três empreendedores estão por trás da conta de Instagram, Festa da Firma (Tom Merton/Getty Images)
Repórter
Publicado em 15 de dezembro de 2023 às 17h36.
Última atualização em 15 de dezembro de 2023 às 18h35.
E-mail sem anexo, uma reunião que poderia ser um e-mail ou aquele “job” urgente que aparece bem no final do dia. Existem perrengues do mundo corporativo que ultrapassam qualquer parede de escritório – ou prédio espelhado –, mas todos têm um lugar na Festa da Firma, conta do Instagram que ironiza a cultura de trabalho no Brasil.
Com mais de 1 milhão de seguidores, a “Festa” mostra que nenhuma experiência é totalmente individual. “Você pode ser um “faria limer” do mercado financeiro, mas a cobrança de meta que você recebe é a mesma de alguém num escritório de advocacia na Berrini”, diz um dos donos em entrevista à EXAME.
Não há nome para citar depois das aspas por um motivo: os criadores da Festa da Firma prezam pelo anonimato e pediram para não ter os nomes revelados. Esse é, inclusive, um dos charmes por trás da conta do Instagram. Os seguidores sabem que quem posta também é funcionário de alguma empresa, e ficam fascinados com a ideia de que o colega de equipe ou até o próprio chefe podem acabar sendo os donos da Festa.
Esperando bonecos cinzentos na tela e até vozes alteradas para dificultar o reconhecimento, a EXAME convidou a Festa da Firma para uma conversa por videochamada e foi surpreendida ao atender a ligação. Dois criadores entraram com as câmeras ligadas, revelando um segredo de anos para a jornalista que vos escreve.
Se tentássemos descrever os rostos por trás da Festa da Firma, iríamos acidentalmente incriminar pelo menos ⅓ de quem trabalha na Faria Lima. Os homens, brancos e na faixa dos 30 anos, parecem como qualquer outro funcionário que atravessa a avenida do centro financeiro de São Paulo.
E participar da entrevista com a câmera ativada não foi sem querer – algo que seria digno de uma postagem na conta da Festa –, nem uma imagem modificada por inteligência artificial (IA). Mesmo sem admitir, a dupla parece estar confortável com a ideia de um dia tirar a máscara de super-herói e se revelar para os mais de 1 milhão de seguidores.
Mas o que parece segurar a Festa da Firma de revelar a identidade são os empregos atuais: dois são engenheiros civis e um é cofundador de uma startup no setor de beleza (para atiçar os curiosos, já saiu na Exame). Nenhum abandonou a vida de Clark Kent, e todos se dividem para administrar a Festa da Firma, que hoje explora novas vertentes além das redes sociais.
Vale ressaltar que a ideia de aproveitar do anonimato para reclamar do trabalho não é nova: entre 2011 e 2014, a conta do Twitter @GSElevator conseguiu 600 mil seguidores postando frases inventadas, mas como se fossem ditas por executivos do banco Goldman Sachs. ‘Frases-meme’ como “eu só quero ser rico o suficiente para não ser motivado por dinheiro” que, se estivessem em formato de imagem, poderiam já ter sido publicadas na Festa. “As histórias não são sobre eles especificamente, mas sobre a cultura no geral”, explica o criador da conta, John LeFevre, que teve sua identidade revelada pelo jornal New York Times. Por aqui, a Faria Lima Elevator também segue a mesma vertente de conteúdo da Festa da Firma, com cerca de 700 mil seguidores e o próprio dono anônimo.
Amigos de infância, os três fundadores da Festa da Firma começaram com o Instagram em 2017, mas só passaram a se dedicar de vez aos conteúdos no início de 2020. “[No trabalho] cada um atuava em uma área completamente diferente, mas as dores eram sempre as mesmas”, resume um deles.
Com muita gente em casa durante a pandemia, os primeiros meses da Festa da Firma acabaram sendo bem diferentes das outras tentativas em anos anteriores. Os posts sobre home office – ou algum vídeo de alguém que esqueceu o microfone ligado na reunião – foram hits, e logo a comunidade foi crescendo.
De primeira, os conteúdos eram totalmente autorais. Mas, para acompanhar o ritmo frenético das redes, o time da Festa passou a republicar memes, vídeos e postagens de outras contas. Hoje em dia, as mensagens que eles recebem também são um poço de histórias: inúmeros seguidores enviam desabafos, segredos e histórias chocantes da própria empresa.
“Apesar de ter começado como uma brincadeira, vimos desde o começo que tínhamos chance de monetizar a página. Pensamos em marcas de café, o combustível do mundo corporativo; marcas de cerveja ou restaurantes que poderiam fazer algum desconto. Mas a realidade superou todas as expectativas”, conta o dono da Festa que trabalha no mundo das startups. Marcas como Philips, McDonald’s, Disney, iFood, Ambev, PepsiCo e Cultura Inglesa já apareceram no feed do Festa da Firma.
Ao ser questionado do porquê as empresas anunciariam em uma conta que cutuca a cultura empresarial, o dono “startupeiro” responde sem titubear: “Anunciar na Festa da Firma é uma forma disruptiva de você conversar com seu público alvo. As marcas conseguem atingir a galera de uma forma mais descontraída, né? Além do mais, estamos falando com o público brasileiro, que sempre sabe rir da própria desgraça”.
Hoje, a Festa da Firma não se considera só uma página. Enquanto a conta no Instagram alcança uma média de 15 milhões de contas todo mês, a equipe explora outras vertentes, como uma newsletter sobre o mundo corporativo e um podcast com o humorista Ceará. Ah, e claro, o grupo tenta crescer no TikTok, mas tem tido dificuldades com o público mais jovem.
No mundo real, a Festa da Firma passou a fazer promoções de combos promocionais em bares e adquiriu participação societária na startup Employ Consultoria, especializada em Recrutamento e Seleção e Consultoria de RH. Agora, além de divulgar as vagas nas suas redes sociais, a Festa também oferece às empresas a possibilidade de fazer todo o processo seletivo, desde as buscas dos candidatos, entrevistas iniciais até a contratação.
De pouco em pouco, os criadores trabalham para que o “Instagram da Festa da Firma” seja mais conhecido como a “agência Festa da Firma”. Há esperança de que, em 2024, o negócio se solidifique de vez – e aí os donos da conta do Instagram podem, enfim, assumir quem são. Mas eles apreciam os lados positivos do anonimato e a curiosidade que isso gera entre o público, e não garantem que um dia vão realmente revelar os rostos e nomes. Por enquanto, o segredo fica entre nós.