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Vou poder usar o FGTS como garantia do consignado. Mas devo?

MP 719 foi aprovada ontem no Senado e segue para promulgação do Congresso. Especialistas discordam sobre como isso afeta o consumidor

Investidor perdido (Thinkstock)

Investidor perdido (Thinkstock)

Anderson Figo

Anderson Figo

Publicado em 14 de julho de 2016 às 18h54.

São Paulo - O Senado aprovou ontem a medida provisória que autoriza a utilização de recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) como garantia para a contratação de empréstimo consignado —aquele que é descontado diretamente do salário. O texto segue para a promulgação do Congresso. Mas, para o consumidor, isso é bom ou ruim?

EXAME.com conversou com especialistas para esclarecer as vantagens e desvantagens dessa nova possibilidade. Por um lado, entidades de crédito alegam que a medida é positiva, já que cria uma nova alternativa de empréstimo com juros mais baixos, especialmente em um momento de crise, em que as pessoas têm mais dificuldades financeiras.

Por outro lado, professores de finanças e entidades de defesa do consumidor são críticos: a decisão é negativa, pois cria uma nova opção para o consumidor se endividar, além de comprometer parte do valor de uma “poupança forçada”, que é importante para quando ele for comprar um imóvel ou para se sustentar caso fique desempregado —por isso, é preciso cautela.

A MP 719 permite que os trabalhadores utilizem até 10% do saldo do FGTS como garantia do consignado e até 100% do valor da multa rescisória paga pelo empregador em caso de demissão sem justa causa, por culpa recíproca ou por força maior. O texto foi editado no governo Dilma Rousseff, por isso segue à promulgação do Congresso, sem necessidade de sanção pelo presidente interino, Michel Temer.

Quando a MP foi editada, em março, o Ministério da Fazenda, que na época era comandado por Nelson Barbosa, afirmou que a medida iria viabilizar reduções nas taxas de juros cobradas de trabalhadores do setor privado na tomada de empréstimos.

Na ocasião, o Ministério afirmou que a MP “reduz o risco de inadimplência associado à alta rotatividade de forma significativa, melhora o perfil de risco das operações de crédito e permite a ampliação dos empréstimos em linha com o que ocorreu nos outros segmentos”. A Fazenda estimou que a medida poderia elevar, no médio prazo, o estoque atual do consignado privado em aproximadamente 17 bilhões de reais.

Avaliações

Para Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento) a MP é benéfica ao consumidor. “Neste momento da economia, com o desemprego alto, o mais importante para a conjuntura é que o consumidor tenha liquidez. Ele vai colocar um dinheiro que não está sendo usado como garantia para manter seu fluxo financeiro, ajudando a economia”, afirma.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) discorda. “A MP não traz nenhum benefício imediato ao trabalhador, pois o saldo do FGTS já é um direito dele. Por que pagar juros para utilizar algo que já lhe pertence?”, afirma Ione Amorim, economista do Idec.

“Uma pessoa que tenha 100 mil reais de saldo do FGTS poderá comprometer até 10 mil reais em um consignado, como garantia. Se precisar fazer um financiamento de imóvel enquanto paga a dívida do consignado, só poderá utilizar 90 mil reais para abater o valor do bem. E, se ela perder o emprego no meio do caminho, toda a multa rescisória poderá ficar com o banco, ou seja, ela terá pouco dinheiro para se sustentar em um momento difícil”, enfatiza Ione.

A economista lembra que o número de desempregados no Brasil chegou a 11,4 milhões de pessoas em abril deste ano, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “É uma cidade de São Paulo inteira, e pode crescer mais”, diz.

Na avaliação de William Eid, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), o baixo nível de educação financeira dos brasileiros torna perigosa a possibilidade de utilização de parte do FGTS como garantia de crédito consignado.

“É uma éspecie de seguro, uma poupança forçada para os brasileiros, que não têm ainda a cultura de poupar pensando no futuro distante. Comprometer esse benefício é perigoso, principalmente em caso de necessidade por demissão, por exemplo”, diz. “É preciso estimular a educação financeira, não oferecer mais credito para uma população já endividada.”

Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de estudos e pesquisas econômicas da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), acredita que a utilização do FGTS como garantia do consignado pode estimular, da fato, taxas de juros um pouco mais brandas para os trabalhadores do setor privado.

“Seria uma saída mais barata, com juros menores, para quem já está endividado. Pessoas nesta situação costumam ter crédito negado pelas instituições financeiras, ou conseguem empréstimos com juros altíssimos, o que piora o quadro das dívidas. Com a garantia do FGTS, o banco poderia liberar o crédito com taxas menores, já que teria a garantia de recebimento”

O que fazer

Antes de tomar qualquer tipo de empréstimo, o consumidor deve sempre avaliar se isso é realmente necessário, segundo consultores financeiros. Em muitos casos, há gastos supérfluos que podem ser cortados para utilizar o dinheiro no pagamento de dívidas, evitando a tomada de empréstimo e o endividamento.

O consignado é indicado para substituir outras dívidas com juros maiores, como o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito (que pode estar com os dias contados), ou para concentrar diferentes empréstimos em uma linha de crédito só.

Mas é preciso lembrar que você comprometerá uma parte do seu salário todo mês com o pagamento da dívida (com limite de 35% da renda) e, com isso, tem que cuidar para não ficar inadimplente em outras áreas da vida sem este dinheiro. Com o comprometimento de parte do FGTS, o cuidado deve ser redobrado, de acordo com os especialistas.

“O cliente consciente pode, sim, trocar dívidas mais caras pelo consignado. No entanto, antes de tomar o empréstimo, vale sempre tentar renegociar a dívida com o credor. Em muitos casos, é possível chegar a um acordo que cabe no bolso do consumidor e, assim, evitar que ele tome mais crédito ou comprometa seu salário”, avalia Ione, do Idec. Veja aqui como encontrar o crédito mais adequado para você.

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