Revista Exame

Uma IA com olhar humano: a Microsoft aposta que a tecnologia vai salvar (e não ceifar) empregos

A Microsoft virou a empresa mais valiosa do mundo ao associar-se com a OpenAI e ser a primeira a levar a inteligência artificial para as massas. Quais são os próximos passos do gigante de 3 trilhões de dólares?

Demonstração com os óculos Hololens: IA promete melhorar processos em diversas profissões, inclusive em linhas de produção industrial (Matt Villanueva Studios/Divulgação)

Demonstração com os óculos Hololens: IA promete melhorar processos em diversas profissões, inclusive em linhas de produção industrial (Matt Villanueva Studios/Divulgação)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 22 de março de 2024 às 06h00.

REDMOND (ESTADOS UNIDOS) — Um dos aspectos inevitáveis numa visita à sede global da Microsoft é presenciar alguma obra ou reforma. Localizado em Redmond, um subúrbio de Seattle, o espaço onde mais de 40.000 funcionários circulam todos os dias passa por um dos maiores ciclos de expansão em 38 anos de presença da empresa fundada por Bill Gates por ali.

Em meio a uma floresta densa de coníferas, é possível ver guindastes e operários dando os últimos retoques num complexo de 17 edifícios construídos no campus desde 2017. Atualmente, a empresa ocupa 125 edifícios espalhados por 2,1 quilômetros quadrados de Redmond.

A área é praticamente a metade do perímetro do Itaim Bibi, bairro onde está o coração financeiro de São Paulo. A vastidão da sede da Microsoft é tamanha que vários micro-ônibus circulam de tempos em tempos para levar os funcionários de um escritório para outro.

O rali da IA

A expansão da Microsoft em Redmond coincide com um momento de ouro da companhia impulsionado pela inteligência artificial (IA). Em janeiro do ano passado, o anúncio de um investimento de 10 bilhões de dólares na OpenAI, misto de centro de pesquisa e empresa por trás da ferramenta de IA ChatGPT, posicionou a empresa como líder no tema. De lá para cá, o valor da companhia quase dobrou.

Em janeiro, embalada pela adoção maciça do ChatGPT, a Microsoft ultrapassou a Apple como empresa mais valiosa do mundo. Em 13 de março, a companhia valia impressionantes 3,1 trilhões de dólares, de acordo com dados de Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria. O valor supera em 40% o PIB inteiro do Brasil: 2,1 trilhões de dólares.

No rol das empresas trilionárias dos Estados Unidos, a trajetória dos papéis da Microsoft nos últimos 12 meses só pode ser comparada com a da fabricante de processadores Nvidia, outra vencedora da corrida­ da IA. Fornecedora de chips para supercomputadores, a Nvidia ganhou 1,7 trilhão de dólares em valor de mercado desde março do ano passado e vale 2,2 trilhões de dólares.

Copilot: software de inteligência artificial está sendo agregado ao pacote Office (Matt Villanueva Studios/Divulgação)

Enquanto assiste à bonança, a Microsoft está num esforço de tentar mostrar ao mundo a visão da empresa sobre a IA. Em 11 fevereiro, num comercial da empresa veiculado no intervalo do Super Bowl, o maior evento esportivo dos Estados Unidos, a companhia declarou estar disposta a melhorar a vida dos humanos com a nova tecnologia. Em 1 minuto, o vídeo exibe jovens profissionais às voltas com pensamentos pessimistas do tipo: “Eu nunca vou conseguir abrir meu negócio” ou “Sou muito jovem para mudar o mundo”.

O foco na ideia do 'copiloto'

Na sequência, de posse das ferramentas de IA da companhia, os mesmos jovens conseguem realizar suas aspirações. Nesse tema, o esforço da Microsoft para mostrar a que veio incluiu uma visita recente organizada pela companhia a um grupo de jornalistas de dez países ao campus de Redmond — a EXAME foi o único veículo da América Latina presente na viagem que contou com conversas com executivos da empresa.

O foco da Microsoft na agenda de inteligência artificial está ao redor do Copilot, uma ferramenta que a companhia vem acoplando progressivamente ao pacote Office. A ideia é facilitar o uso de aplicativos como Excel, Teams ou Word com o apoio da inteligência artificial agregada em modelos de linguagem em larga escala, conhecidos pela sigla LLM (large language models). São essas bases de bilhões de dados agregados que, estimuladas por algoritmos, conseguem formular respostas elaboradas. E, em alguns casos, estabelecer conexões entre fatos com uma precisão igual ou superior à do cérebro humano.

O ecossistema da Microsoft tem algo como 1.500 desses LLMs, sejam eles criados dentro de casa ou por parceiros como a ­OpenAI. Neste momento, a companhia está em fase de teste ou já colocou no mercado uma porção de facilidades turbinadas pelos LLMs.

No rol está um botão do Copilot agregado ao Teams capaz de gravar uma reunião e, em poucos instantes, transcrever o conteúdo falado por ali e já dar um resumo da conversa, além de sugestões de próximos passos. No Excel, um botão semelhante analisa o impacto dos números de cada célula sobre o resultado total das planilhas. É uma mão na roda para quem hoje fica horas analisando a numeralha em busca de algum sentido.

A Microsoft aposta, também, em ganhos de eficiência com a combinação de softwares turbinados por LLMs com óculos de realidade aumentada ou mista, uma vez que o portador também consegue ver objetos reais à sua frente. Essa é uma frente explorada pela Microsoft desde 2016 com o lançamento do Hololens.

Numa linha de produção, o Copilot instalado num Hololens já permite a um operário consultar a IA para tirar dúvidas sobre a resolução de problemas, como o conserto de uma peça defeituosa. Ou, então, pode treinar funcionários com áudios e vídeos animados e, assim, aposentar os tutoriais em papel.

Pela maneira onipresente como está sendo embarcado nos produtos da Microsoft, de certa maneira o Copilot é uma resposta da empresa ao sucesso do ChatGPT em transformar uma tecnologia até então etérea como a IA num assunto popular até mesmo em rodas de bar.

Em comum a todas as aplicações está um desejo da Microsoft de construir uma IA pouco afeita a substituir o trabalho dos humanos, um dos principais temores resultantes do avanço da tecnologia. Na empresa, o discurso é de uma inteligência artificial que serve como um copiloto dos humanos. Daí o nome Copilot.

IA responsável

A mensagem de IA responsável é repetida várias vezes pelos executivos da companhia. Em 2019, a Microsoft até criou um departamento chamado Responsible AI, dedicado, entre outras coisas, a espalhar dentro e fora da empresa a mensagem de uma inteligência artificial como aliada dos humanos.

“A razão pela qual faço este trabalho e acordo todos os dias é porque acredito no potencial da IA para realmente não apenas nos ajudar em nossa vida profissional, mas também resolver alguns dos maiores problemas do mundo”, diz Natasha Crampton, que lidera o departamento de Responsible AI. “E, assim, implementar essas proteções compartilhadas que constroem a confiança de que precisamos para que as pessoas realmente se sintam seguras usando a IA.”

Recentemente, o time de Natasha trabalhou com equipes internas, e com autoridades, numa série de princípios sobre o uso de ferramentas de reconhecimento facial turbinadas pelo uso maciço de dados da IA. “Em primeiro lugar, sempre fomos fundamentalmente contra a vigilância em massa com tecnologia de reconhecimento facial de forma desenfreada”, diz Natasha.

“Existem alguns cenários legítimos de aplicação da lei em que a vigilância é necessária, mas acreditamos que deveria haver proteções apropriadas associadas a eles, por exemplo, a obtenção de um mandado de um tribunal.”

Boa parte dos LLMs utilizados para abastecer o Copilot veio de parceiros. O mais óbvio deles é o ChatGPT, da OpenAI, mas há outros. E a lista está aumentando. Em 27 de fevereiro, a companhia anunciou um aporte de 15 milhões de euros, convertíveis em ações, na startup francesa Mistral, uma das queridinhas dos investidores com olhos para a inteligência artificial.

Plataforma de LLMs

A startup sediada em Paris é dona de uma tecnologia de IA capaz de gerar respostas afiadas a partir de bancos de dados mais enxutos. Na ponta, o sistema da Mistral acelera ainda mais a IA com um gasto inferior de energia para movimentar processadores. Além da Mistral, a Microsoft está criando produtos com outras empresas de tecnologia.

Numa dessas frentes, com a fabricante de processadores Nvidia, outro gigante cujos resultados foram impulsionados nos últimos meses por causa da IA, vem criando infraestruturas de data centers mais robustos para dar conta do aumento gigantesco no consumo de dados esperado para os próximos anos com a popularização da IA.

“Muita gente ainda pergunta para nossos executivos: ‘Ok, vocês têm a parceria com a OpenAI, e o que mais?’”, diz John Montgomery, um dos vice-presidentes da Microsoft ligados à agenda de IA da companhia. “A nossa visão é  tornar a companhia uma plataforma de soluções de IA, sejam proprietárias, sejam open source.”

Sede da Microsoft: a empresa ganhou 17 prédios desde 2017 e hoje ocupa 125 edifícios em 2,1 km2 (Leo Branco)

De certa maneira, a Microsoft dobra a aposta numa estratégia de criação conjunta de produtos que a fez chegar aonde chegou. Nos anos 1980 e 1990, por exemplo, a parceria da empresa com a fabricante de processadores Intel revolucionou a computação ao consolidar a era dos microcomputadores embarcados com o sistema operacional Windows. Uma relação próxima à alemã SAP colocou os produtos do gigante dos softwares de gestão empresarial dentro dos produtos da Microsoft, que assim reforçou a posição dela como fornecedora preferencial de soluções para milhões de empresas ao redor do planeta.

Campus pequeno de novo?

Olhando para o futuro, há muitos desafios para a Microsoft manter o momentum dela na inteligência artificial. Em fevereiro, a Alphabet, dona do Google, lançou uma versão mais potente do Gemini, uma ferramenta de inteligência artificial aos moldes do ChatGPT que, apesar de vasculhar bases vastíssimas de dados, é compacta o suficiente para funcionar num celular. Mesmo parceiros da Microsoft, como a Nvidia, estão de olho no sucesso de softwares como o ­ChatGPT.

Por ora, o discurso na companhia é otimista. “Não há motivos para temer a concorrência”, diz Steven Batiche, vice-presidente de operações do Windows e funcionário da empresa desde meados dos anos 1990. “Basta olhar a nossa história para entender que é nos momentos de competição acirrada que entregamos as melhores soluções.” A julgar pelo tamanho da ambição e do otimismo nos corredores da empresa, há motivos para acreditar que o campus da Microsoft em ­Redmond ficará pequeno de novo — e em breve.

*O jornalista viajou a convite da Microsoft

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