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Agora a sucata virou realmente uma oportunidade

A lei que responsabiliza fabricantes pelo descarte de produtos após o consumo surge como uma oportunidade de negócio. Empresas como a Embraco já começam a aproveitá-la

Fábrica da Embraco: nova empresa para fabricar produtos acabados tendo como base a sucata (Ricardo Corrêa/EXAME)

Fábrica da Embraco: nova empresa para fabricar produtos acabados tendo como base a sucata (Ricardo Corrêa/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 10 de julho de 2014 às 09h11.

São Paulo - Durante as últimas duas décadas, a Embraco, maior fabricante mundial de compressores para refrigeração, reciclou, em sua fábrica na cidade catarinense de Joinville, cerca de 3 milhões de compressores. Feito basicamente de ferro, alumínio e aço, o aparelho é o responsável por manter a temperatura de uma geladeira doméstica.

Ao longo desse período, a empresa ganhou dinheiro e se certificou de que 27 000 toneladas de chapas e barras de metal fossem reutilizadas por siderúrgicas.

Há pouco mais de um ano, porém, 80 funcionários da empresa passaram a se dedicar a um projeto mais ambicioso: coletar não só compressores mas também qualquer eletrodoméstico da linha branca e transformá-lo em produto acabado, como tampas para motor de geladeira, ferramentas para jardinagem ou hélices para ventiladores — itens nada charmosos, mas imprescindíveis para algumas indústrias.

O projeto deu origem a uma nova companhia — a Nat.Genius, que já nasce com uma receita estimada em 70 milhões de reais para 2014. “Nossa intenção é levar o conceito de reciclagem no Brasil para outro patamar”, diz o executivo Marcos Lima, diretor de novos negócios da Embraco e também da Nat.Genius.

Se bem-sucedida, a Nat.Genius, negócio que só neste mês a Embraco torna público para o mercado brasileiro, será um dos primeiros no país a pôr em prática um conceito que tem ganhado popularidade no mundo — o da economia circular, um dos temas mais debatidos durante um encontro promovido pelo Fórum Econômico Mundial, na China, em setembro de 2013.

A ideia é de que a indústria, em tempos de ameaça de escassez de recursos, enxergue o lixo como matéria-prima para novos produtos. Não se trata de simplesmente reciclar — e sim de repensar os processos de negócio desde a concepção do produto até o modelo comercial.

“Idealmente, numa economia circular, todos os produtos duráveis seriam desenvolvidos já com o propósito de se transformar em outros ao fim de sua vida útil”, afirma o engenheiro Chicko Souza, consultor especializado em gestão de resíduos.

Há um bom argumento para aderir a esse conceito: o financeiro. Segundo a Ellen MacArthur Foundation, respeitada entidade inglesa que busca disseminar a economia circular no mundo, grandes empresas que operam na Europa poderiam economizar pelo menos 380 bilhões de dólares em insumos, como metais, energia e produtos químicos, se adotassem alguns princípios da nova lógica.

Inovações mais radicais poderiam fazer com que essa cifra chegasse a 630 bilhões de dólares. No Brasil, há um motivo adicional para que as empresas adotem a economia circular: a lei da política nacional de resíduos sólidos.

Sancionada em 2010, ela determina que as empresas sejam responsáveis por dar um destino adequado a seus produtos após o consumo — metas e penalidades ainda estão em discussão. Por enquanto, grande parte da indústria ainda negocia como vai cumprir a exigência.

No caso do setor de eletroeletrônicos, as fabricantes poderão ser obrigadas a coletar e destinar até 17% do volume que colocou no mercado no ano anterior. “As multas poderão chegar a até 50 milhões de reais”, diz Fabricio Soler, advogado especializado em meio ambiente do escritório Felsberg e Associados, de São Paulo. 

Algumas empresas já se dedicam a ganhar dinheiro ao prestar o serviço de dar um destino correto a fogões, geladeiras ou lava-louças no Brasil. Uma delas é a paulista Oxil, criada em 2001 e pertencente a Estre, maior empresa privada de coleta e tratamento de lixo do país.

Com pequenas diferenças, a Oxil se dedica ao que a Embraco fazia até a criação da Nat.Genius. A empresa desmonta cerca de 180 toneladas de eletroeletrônicos por mês e separa os diferentes materiais brutos, que em sua maioria são fundidos e comercializados para várias indústrias.

Na Nat.Genius, o processo é mais elaborado. Antes de fundir qualquer equipamento, uma equipe de 20 engenheiros analisa os eletrodomésticos para saber como os materiais ali presentes poderão ser usados para fabricar novos produtos acabados.

Isso elimina pelo menos duas etapas do processo que a Embraco rea­lizava anteriormente: a trituração de todo o equipamento e a posterior separação dos materiais, um processo demorado e que consumia mais energia. No novo modelo, só depois de uma triagem prévia, os metais são processados.

Antes, o produto final era apenas uma chapa ou tubo de ferro. Agora, os materiais são transformados em produtos acabados como um motor de geladeira ou um carrinho de supermercado. Com a mudança, a Embraco deixou de utilizar cerca de 985 kWh por tonelada — energia suficiente para abastecer uma casa com três pessoas por um ano.

Agora gasta apenas 3% disso. “A eficiência energética é uma das premissas da economia circular”, afirma Carlos Silva Filho, da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Essa economia, associada ao fato de que a Nat.Genius entrega ao mercado produtos acabados, também torna o processo 30% mais rentável.

Em 2013, o novo negócio da Embraco processou 7 000 toneladas de resíduos e gerou uma receita de 40 milhões de reais ao vender produtos acabados para empresas como a Metalfrio. Estimativas da empresa apontam que há espaço para crescer — hoje, 500 000 toneladas de eletrodomésticos são descartados por ano no Brasil e menos de 40% desse volume é reciclado. 

No exterior, há alguns exemplos de empresas que conseguiram colocar em prática o conceito de economia circular. Um dos casos mais conhecidos é o da fabricante americana de carpetes Interface.

A empresa, que fatura 1,5 bilhão de dólares e está presente no Brasil e em mais 110 países, não vende carpete aos clientes, e sim o direito de uso do produto por tempo determinado. Ao final do período, a Interface recolhe o carpete e aproveita 100% dele na fabricação de um novo.

Hoje, de 60% a 80% do produto comercializado pela Interface é de origem reciclada. A empresa calcula que o modelo comercial tenha rendido uma economia de 600 milhões de dólares nos últimos 20 anos. A fabricante de computadores Dell começou a recolher seus computadores na casa dos clientes para usá-los na fabricação de novos produtos em 2008.

“Hoje, cerca de 85% de um novo computador Dell no mundo é composto de material reciclado”, afirma Cintia Gates, diretora do programa de reciclagem da empresa para a América Latina. São casos que deverão se tornar cada vez mais comuns também no Brasil.

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