Revista Exame

A política de campeões nacionais naufragou. Veja o porquê

Nos últimos anos, o BNDES gastou cerca de 40 bilhões de reais para criar grandes companhias brasileiras. Os resultados foram sofríveis. Por que a política de “campeões nacionais” naufragou — e por que o Brasil precisa repensar o papel do Estado

Zeinal Bava, presidente da CorpCo (Germano Lüders/EXAME.com)

Zeinal Bava, presidente da CorpCo (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2013 às 11h52.

São Paulo - Há uma piada comum entre empresários quando falam sobre a atuação do governo nos negócios. Dizem que a melhor estratégia para aprimorar os resultados de uma companhia no Brasil é pegar o avião e ir a Brasília. A brincadeira, um clássico da história dos negócios no país, ganhou força com os sucessivos programas de estímulo adotados pelo governo desde 2008, a título de reação aos efeitos da crise global.

Um dos principais foi conduzido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com a meta de criar  “campeões nacionais”: companhias selecionadas para se tornar gigantes em seus setores e competir globalmente. O banco destinou cerca de 40 bilhões de reais a essas empresas, entre crédito subsidiado e compra de participações acionárias.

Até agora, o programa mostra resultados decepcionantes. Uma das beneficiadas foi a operadora de telefonia Oi. Em 2008, o governo chegou a autorizar a mudança nas regras do setor de telecomunicações para que a Oi pudesse comprar a Brasil Telecom e se tornar a “supertele” brasileira.

Há poucos dias, endividada e com dificuldades para investir, a Oi anunciou sua fusão com um de seus acionistas, a Portugal Telecom, cuja receita é 40% menor. Ainda que a estrutura de capital da nova empresa, batizada de CorpCo, não esteja totalmente definida, sabe-se que a gestão será dos portugueses. O presidente da nova empresa será Zeinal Bava, executivo que fez carreira na Portugal Telecom e já era presidente da Oi desde junho. 

A fusão precisa ser aprovada pelos órgãos reguladores de Brasil e Portugal. Se sair do papel, significará o fim de um sonho — um sonho do governo brasileiro, ao menos. O desfecho, em si, não é ruim: foi uma saída de mercado que pode dar à CorpCo capacidade de melhorar sua rede.

É algo que a Oi não conseguia fazer sozinha, já que sua dívida, de 29 bilhões de reais, equivale a três vezes o lucro operacional. Mas o caso deveria servir como uma lição de humildade às autoridades que pretendem, de sua sala, comandar o setor privado — gastando, é bom lembrar, um dinheiro que é de todos nós.

Serve também como alerta para o próximo presidente. O fato: a maioria das companhias aquinhoadas pelo BNDES enfrenta problemas. Os efeitos para a economia são ainda mais duvidosos.


“Políticas industriais que beneficiam pequenos grupos de empresas tendem a criar castas de privilegiados”, diz James Robinson, professor da Universidade Harvard e um dos autores do livro Por Que as Nações Fracassam. “Esse pessoal pode até enriquecer, mas o resto da sociedade  não.” (Não é que o Estado não tenha um papel importante a desempenhar para estimular a economia)

De acordo com o BNDES, um dos objetivos de seu programa era manter o mercado de empréstimos funcionando logo após a crise de 2008, quando as fontes privadas de financiamento secaram. “A política de consolidar grandes grupos privados, que chamaram inadequadamente de ‘campeões nacionais’, não naufragou”, diz João Carlos Ferraz, diretor de planejamento do banco.

“Contribuímos para que as empresas ganhassem competitividade e se internacionalizassem.” Isso  ocorreu com a empresa de soft­ware Totvs. Ela comprou concorrentes, se tornou a maior em seu setor e, agora, tenta ganhar mercado no exterior. Mas, infelizmente, o caso da Totvs  é uma exceção.

O que dizer da produtora de leite LBR, que pediu recuperação judicial neste ano? Ou do grupo EBX, às voltas com dívida de 25 bilhões de reais? A principal empresa do grupo, a petrolífera OGX, deu calote em credores no início de outubro. O grupo de Eike desmancha a olhos vistos.

Daqui para a frente, o BNDES deve reduzir o ritmo de empréstimos e investimentos, como admitiu há alguns meses o presidente da instituição, Luciano Coutinho. Segundo ele, a “agenda” foi concluída. A verdade é que uma reversão de rumo se faz urgente. Recentemente, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a perspectiva da nota do país.

Entre os motivos citados está a elevação do endividamento do Tesouro para “dar suporte ao aumento dos financiamentos concedidos por bancos públicos”. Segundo um executivo do BNDES, “há um entendimento do Ministério da Fazenda e do banco de que é preciso diminuir a dependência do Tesouro”. Ele diz que o banco vai buscar alternativas de captação de recursos, como a venda de títulos no Brasil e no exterior. 

Governos apoiam empresas no mundo todo. A diferença é que as políticas bem-sucedidas costumam ter metas claras de desempenho. Na Coreia, o programa público de estímulos que deu origem a gigantes como a fabricante de eletrônicos Samsung estabelecia que as empresas beneficiadas aumentassem a produtividade e a exportação. Quem não alcançasse a meta perdia os benefícios.


Os incentivos foram acompanhados de uma série de mudanças, como melhorias na educação para elevar a qualificação dos trabalhadores. Nada disso ocorreu aqui. “Não tínhamos contrapartidas tão específicas de exportação e produtividade, mas, no caso dos frigoríficos, fixamos compromissos de sustentabilidade”, diz Júlio Ramundo, diretor de mercado de capitais do BNDES. “Definimos que os recursos iriam para setores em que o Brasil é competitivo, com boa chance de crescer no mercado externo.” 

Se os resultados da estratégia do BNDES­ são discutíveis, é certo que ela cria uma conta elevada. O capital para ampliar os empréstimos veio de repasses do Tesouro ao banco: 312 bilhões de reais nos últimos quatro anos. O custo médio de captação de recursos pelo Tesouro hoje é de cerca de 10% ao ano.

Boa parte dos empréstimos do BNDES para as empresas é feita com juros anuais estimados em 6%. A diferença das taxas é bancada pelo Tesouro. De acordo com cálculos do Ministério da Fazenda, esse custo extra foi de 13 bilhões de reais de 2009 até junho de 2013. Para alguns especialistas, o rombo pode ser maior.

Um levantamento do economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, feito em parte com dados do Tribunal de Contas da União, indica que o custo anual dessa diferença na taxa de juro é de cerca de 24 bilhões de reais — ele inclui no cálculo outros empréstimos especiais do BNDES, com juros inferiores a 6% ao ano.

Esse prejuízo adicional não aparece até agora nos balanços oficiais do Tesouro — o tamanho da perda só deverá ser informado em 2014. Procurado, o Tesouro não comentou. “Se considerarmos as vantagens para a economia, como a melhora da situação financeira das empresas, os impostos pagos por elas e os dividendos pagos pelo banco à União, vemos que não houve custos. Na verdade, houve ganho de 200 milhões de reais”, afirma Ferraz, do BNDES. 

Há indícios de que a existência de grandes empresas seja positiva para a economia e para os consumidores. “As grandes têm mais condições de inovar e ser mais produtivas, além de acesso a linhas mais baratas de financiamento”, diz Pedro Passos, sócio da fabricante de cosméticos Natura e presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.

Ou seja, podem ter produtos melhores, que custam menos e consumam menos recursos naturais. Mas é preciso que a empresa seja brasileira para ter essas vantagens? Os consumidores notaram mudanças quando o Grupo Pão de Açúcar passou a ser controlado pelos franceses do Casino?

Será que a Oi — que, antes da fusão, era a quarta maior operadora de telefonia do país, mas liderava as listas de reclamações de clientes — não vai melhorar nas mãos portuguesas? São perguntas que temos — como nação — de responder agora.

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