Revista Exame

Casas Bahia e Pão de Açúcar: conflito entre os sócios

Por que a união de Casas Bahia e Pão de Açúcar para criar a Viavarejo gera tanto conflito entre os sócios — ­e como isso atrapalha uma empresa de 22 bilhões de reais

Klein e Diniz: o acordo de fusão foi em 2009, mas eles ainda brigam pelo comando da empresa (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

Klein e Diniz: o acordo de fusão foi em 2009, mas eles ainda brigam pelo comando da empresa (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 6 de novembro de 2012 às 17h28.

São Paulo - A julgar pelo entusiasmo que geram, seria de esperar que grandes fusões tivessem o hábito de dar certo. O esforço costuma ser tremendo: empresários e suas dezenas de assessores dedicam meses ao assunto até que, enfim, conseguem chegar a um acordo e assinar o contrato que deveria mudar a vida de todos para melhor.

Pena que são raros os casos em que as noites maldormidas dão o retorno esperado. Juntar duas grandes empresas é complexo e doloroso, e todo tipo de problema pode surgir entre a teoria que tanto empolgava e a áspera prática. Às vezes leva tempo para perceber: a união de Travelers e Citicorp, que criou o Citigroup, demorou uma década para desandar. Mas há também fusões que começam a dar errado imediatamente.

É o caso da Viavarejo, o gigante do comércio de eletroeletrônicos brasileiro, resultado da junção de Pão de Açúcar (então dono das lojas do Ponto Frio) com Casas Bahia (fundada pela família Klein) em 2009. 

A relação entre os sócios é péssima desde os primeiros dias: meses depois de assinado o contrato, os Klein se arrependeram e exigiram uma renegociação. Conseguiram. Mas não bastou para que a relação melhorasse: passados mais dois anos, os Klein e o Pão de Açúcar estão, de novo, em guerra. Azar da Viavarejo. 

Em outubro, a família Klein enviou uma carta ao Pão de Açúcar pedindo uma indenização em razão de supostos equívocos no cálculo do valor das empresas na época da fusão. Com base no documento preliminar de uma análise da auditoria KPMG, afirmam ter encontrado indícios de que os números do Ponto Frio tenham sido inflados dois anos atrás.

Segundo os advogados da família, a diferença poderia dar aos Klein o controle da Viavarejo (os antigos donos da Casas Bahia têm 47% da companhia, e o Pão de Açúcar, 53%). Na carta, deram um prazo de 30 dias para resolver o problema de forma amigável; caso contrário, levariam o caso para uma câmara de arbitragem. O Pão de Açúcar respondeu que considera a fusão irretratável e nega que a KPMG tenha encontrado problemas no balanço do Ponto Frio.

Até o fechamento desta edição, nenhuma reunião entre as partes havia acontecido. O quiproquó acontece semanas antes de uma data crucial na história da empresa. No dia 9 de novembro, quando expira o acordo de acionistas assinado três anos atrás, os Klein perderão o direito de indicar o presidente da Viavarejo. Raphael Klein, atual presidente, deixará o cargo. E o Pão de Açúcar, acionista majoritário da Viavarejo, assumirá de fato a gestão da companhia.


A briga atual começou no dia 11 de abril numa reunião do conselho de administração da Viavarejo. Representando os controladores, Enéas Pestana, presidente do Pão de Açúcar, pediu uma revisão dos números da Viavarejo. O objetivo declarado foi saber o que aconteceu entre julho de 2010, quando os dois lados assinaram um novo acordo de fusão, e novembro do mesmo ano, quando finalmente ocorreu a troca de ações.

No período, a companhia ficou sob gestão da família Klein, sem a supervisão do Pão de Açúcar. Segundo membros do conselho, Pestana queria saber os motivos que levaram a Casas Bahia a um prejuízo de 300 milhões de reais nesse período. Os representantes do Pão de Açúcar chegaram à reunião com o pedido de auditoria nas contas pronto, com a assinatura de seus cinco representantes, algo que fugia à regra das habituais discussões na reunião.

No mês seguinte, como resposta, os Klein propuseram que o trabalho de auditoria fosse ampliado aos números do Ponto Frio. E é nessa análise que dizem ter sido encontrados os erros que podem, em sua visão, entregar-lhes o controle da empresa.

Revisão nos contratos

O Pão de Açúcar está insatisfeito, e não é de hoje, com os rumos tomados pela Viavarejo sob a gestão de Raphael Klein e seu pai, Michael, presidente do conselho de administração. Apesar de ter vendido o controle para o Pão de Açúcar, a família Klein se manteve no comando da operação graças a um acordo de acionistas.

Desde então, as queixas vêm se acumulando. Uma das fontes de insatisfação é a percepção de que os Klein, apesar de terem vendido o controle e de administrarem hoje uma empresa de capital aberto, tratam a Viavarejo como se fosse da família. No passado, eles eram donos das empresas que prestavam serviços para a Casas Bahia — como limpeza, segurança, call center e transportes.

Após a associação com o Pão de Açúcar, tudo permaneceu como estava, para ira dos controladores, que suspeitam que os contratos sejam lesivos à Viavarejo. 

Também causou polêmica o fato de os Klein comprarem imóveis que depois seriam alugados pela Viavarejo (os Klein alegam que seus sócios fazem a mesma coisa). Recentemente, o Pão de Açúcar passou a reclamar também da fábrica de móveis Bartira, controlada pelos Klein.


A Bartira produz exclusivamente para a Viavarejo. O contrato segue um modelo conhecido como cost plus — ou seja, a Viavarejo paga o custo de produção mais uma margem de lucro. Como o custo da empresa é bancado pela Viavarejo, é do interesse do Pão de Açúcar que a Bartira seja tão enxuta quanto possível. Recentemente, veio à tona o fato de Michael Klein ganhar da Bartira um salário considerado alto por seus sócios.

A assessoria de Klein afirma que a remuneração anual é 2,5 milhões de reais. Executivos ligados ao Pão de Açúcar alegam, sob condição de anonimato, que o valor é pelo menos duas vezes maior. Em abril, Enéas Pestana pediu uma revisão formal nos contratos da Viavarejo com as empresas da família Klein.

Mas, se o Pão de Açúcar está insatisfeito com os Klein, a recíproca é verdadeira. Como já ficou claro desde a renegociação da associação, em 2010, a família se sente desconfortável com o contrato que assinou e com a postura de seus sócios. Um de seus argumentos é que a Viavarejo não deve ser tratada como mero departamento do Pão de Açúcar, um “Assaí Eletro”, nas palavras de um assessor da família (uma referência à rede de lojas de atacado Assaí, comprada pelo Pão de Açúcar em 2007).

A junção das empresas acabou deixando os dois lados em posições muitas vezes conflitantes. O exemplo mais claro é o do Hipermercado Extra, do Pão de Açúcar, que também vende geladeiras e TVs, mas não tem nenhuma participação da família Klein em seu capital. Para os Klein, abrir os números ou sua estratégia comercial para o sócio é entregar o ouro ao bandido.

No varejo online, ocorre algo semelhante. Apesar de a Nova Pontocom ser uma subsidiária da Viavarejo para a venda online, a fatia dos Klein no seu capital é menor. Entre vender uma geladeira num shopping e vendê-la na internet, o incentivo dos Klein é pela primeira opção.

Diante de tudo isso, eles decidiram tratar os sócios como concorrentes. Em dezembro, Raphael Klein deixou de apresentar os dados de vendas da Viavarejo na reunião plenária de segunda-feira, tradicional encontro de Abilio Diniz com os diretores para analisar os resultados do Grupo Pão de Açúcar.

A alegação era que as informações da companhia não poderiam ser mostradas em nenhum lugar que não fosse seu próprio conselho de administração. Em março, ele voltou a falar sobre a empresa na reunião, mas sem abrir números, como vendas por loja ou região. Ele se limita a dizer se o desempenho é “bom” ou “ruim”. “Um desconfia do outro”, diz um conselheiro da Viavarejo. “A relação entre os dois lados é péssima.”


O choque de interesses entre o Pão de Açúcar e os Klein é consequência  do acordo assinado pelos dois lados em 2009 e remendado em 2010. Na teoria, a união de Ponto Frio e Casas Bahia criaria uma empresa muito mais eficiente: bastaria integrar as duas, cortar custos e usar a força comercial de ambas para barganhar com fornecedores.

Segundo os planos divulgados dois anos atrás, a Viavarejo chegaria a 2012 com margem operacional de 7,5%. Mas, como cada sócio é levado por seus interesses a pensar de um jeito, a integração e o corte de custos não vieram no ritmo sonhado. Não ajudou em nada o fato de, também para que a fusão fosse assinada, os cargos terem sido loteados. O Pão de Açúcar nomeou o diretor financeiro e o de operações. Os Klein indicaram o presidente e o diretor comercial. É uma tradicional receita para a criação de feudos.

Longe da meta

Em abril, na reunião do conselho de administração, Abilio Diniz pediu que a Viavarejo acelerasse a integração (o Pão de Açúcar, em suas palavras, é “multicanal” e deveria usar sua força para ganhar em todos os segmentos). Michael Klein, em resposta, disse que a integração é melhor para o Pão de Açúcar do que para a Viavarejo; na reunião seguinte, em maio, o advogado Ricardo Tepedino, conselheiro indicado pelos Klein, pediu que a empresa não realizasse sequer estudos do potencial das sinergias comerciais e de marketing entre Viavarejo, Nova Pontocom e Pão de Açúcar.

Segundo executivos que conhecem a operação, ter uma só estratégia comercial poderia gerar ganhos de 5 a 10 pontos percentuais nas margens de divisões como a Nova Pontocom, algo nada desprezível para uma operação que gera uma margem bruta de 15%. Como as coisas não evoluíram, a meta traçada em 2010 ficou longe de ser atingida. A margem operacional prevista para 2012 é 5,2% (e não os 7,5% imaginados).

A geração de caixa da Viavarejo será, assim, 540 milhões de reais menor que o planejado. “Essa estrutura foi a possível para o negócio ser fechado”, diz um executivo ligado ao Pão de Açúcar. “Mas sabíamos que teríamos problemas até assumir a empresa de fato em novembro.

Foi o preço a pagar para comprar a Casas Bahia.” Representantes dos Klein afirmam que, caso o Pão de Açúcar “abuse de seu direito de controlador” a partir de novembro, fazendo, por exemplo, a integração comercial com as outras bandeiras do grupo, a família se defenderá judicialmente. 


A perspectiva, portanto, é que a briga não acabe tão cedo. Talvez a única forma de resolver os problemas causados pela união de Pão de Açúcar e Casas Bahia seja desfazê-la. As negociações para isso acontecem há meses, sem avanços concretos. A complexidade do processo é notória, já que acontece em meio à troca de controle também no Pão de Açúcar. No dia 22 de junho, Abilio Diniz transferiu o controle do grupo para o francês Jean-Charles Naouri, do Casino.

O próprio Abilio negociou, por meses e sem sucesso, a troca de suas ações no Pão de Açúcar pelo controle da Viavarejo. A partir de junho, os Klein tomaram a dianteira nas conversas com o Casino. Uma das propostas estudadas avalia a Viavarejo em 7 bilhões de reais.

Os Klein comprariam o controle da empresa e o Pão de Açúcar seguiria mandando na Nova Pontocom. O problema é que, apesar de negociar com fundos de private equity e com os bancos Bradesco e Citigroup, os Klein ainda não fizeram uma proposta concreta. No dia 17 de outubro, Michael e Raphael Klein almoçaram em São Paulo com Arnaud Strasser e Ulisses Kameyama, ambos executivos do Casino. Na hora do café, Strasser informou aos Klein que não negociaria sob pressão de um litígio. 

Tudo isso acontece num momento particularmente difícil para varejistas de eletroeletrônicos em todo o mundo. O modelo de negócios de gigantes como a americana Best Buy, maior vendedora de eletrodomésticos do mundo, vem sendo abalado com o avanço do comércio eletrônico, em geral, e da Amazon, em particular.

A Best Buy vive uma aguda crise e sua maior rival, a Circuit City, quebrou em 2009. A situa­ção não é tão grave no Brasil, o que não quer dizer que a vida esteja fácil. Ao mesmo tempo que o mercado cresceu com a inclusão de milhões de consumidores, também se tornou mais concorrido com a consolidação de grupos como Magazine Luiza e Máquina de Vendas, além da própria Viavarejo. A perspectiva de chegada da Amazon ao Brasil preocupa os líderes.

O cenário de juros em queda também joga contra. Nos últimos anos, empresas como a Casas Bahia cresceram principalmente ao oferecer crédito a quem não podia pagar. Ao final, ganhavam mais dinheiro com os financiamentos do que com a margem de lucro dos produtos. Com juros em queda, acesso ao crédito mais fácil e sem poder cobrar tanto a mais por isso, as varejistas terão de ganhar mais com as vendas.

A eficiência nas operações passa a ser ainda mais importante. Ou seja, quem administrar a Viavarejo nos próximos anos sabe que o trabalho vai ser duro. Como ninguém está disposto a pagar caro e o Casino não vai vender barato, chega-se ao impasse atual. Muitos concluem que, embora todos digam estar interessados na Viavarejo, ninguém morre de amores pelo negócio.

Os Klein venderam a empresa em 2009; Abilio não esconde que sua vocação é o varejo de alimentos; e Naouri não opera redes de eletroeletrônicos em outros países. Um executivo que participa das negociações em torno do futuro da Viavarejo descreve a situação com uma piada. Abilio, Michael e Naou­ri participam de uma dança das cadeiras. Só há dois assentos disponíveis. O menos esperto, que não percebe o fim da música, fica de pé — e acaba dono da Viavarejo.

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