A inspiração art déco está em cada detalhe deste relógio criado para as partidas de polo dos oficiais da Marinha britânica na Índia. A versão com mostrador verde está em sintonia com as tendências do setor (Divulgação/Divulgação)
Ivan Padilla
Publicado em 17 de junho de 2021 às 05h57.
Adivinhar tendências para um produto de nicho e de luxo é quase apostar na Mega Sena sem ter uma bola de cristal. Mas a influência de mídia social no mercado de relógios de luxo veio para ficar.
Analisando essas movimentações nas mídias sociais e nos lançamentos do ano de 2021, selecionei uma lista de 10 itens que vejo como tendência no mundo da alta relojoaria.
Olhando o mercado como um todo vejo relógios sendo cada vez menos um símbolo de status e se transformando em paixão. Vamos ser honestos: hoje ninguém precisa de relógio de pulso para saber as horas. E mesmo assim a indústria de relógios de luxo não para de crescer.
Os famosos relógios mecânicos estão cada vez mais presentes nos pulsos de quem gosta. Alguns gostam da imagem que passa ter um relógio de 50.000 dólares, enquanto outros curtem a parte geek de ter um relógio mecânico. Mas para quem é realmente entusiasta e colecionador não importa o valor do relógio, e sim toda a diversão que ele vai proporcionar.
Diamante, rubi, esmeralda. Essa tendência não é para todo mundo. Mas antes visto quase exclusivamente nos punhos de rappers, os relógios com pedras preciosas estão ganhando popularidade.
Acho que a aceitação e demanda crescente por relógios com diamantes é um reflexo da paixão que esse hobby proporciona. Hoje, esse tipo de relógio ainda é visto como símbolo de riqueza, mas a demanda não para de crescer e para um público bem mais amplo.
O lançamento do Rolex Daytona (Rainbow) em 2018 por 90.000 dólares foi um sucesso e rapidamente adotado por personalidades como John Mayer, Adam Levine e Mark Wahlberg. Hoje é difícil achar um à venda, mas se você quiser comprar terá que desembolsar algo em torno de 2,5 milhões de dólares.
Algumas marcas sempre trabalharam com pedras preciosas. É um trabalho artesanal que exige uma disciplina do artesão e uma capacidade enorme de originar pedras com a mesma tonalidade. Nesse mercado o importante é ter a montagem das pedras diretamente do fabricante. Existem algumas empresas terceirizadas que fazem esse tipo de serviço, mas isso acaba desvalorizando muito a peça. Melhor sempre focar no original de fábrica.
Os lançamentos de 2021 comprovaram que o mercado quer, sim, relógios menores. Eu especificamente uso confortavelmente relógios entre 36 milímetros até 42milímetros, no máximo. Tenho um punho de 16 centímetros de circunferência, tamanho considerado mediano.
Nos últimos 20 anos e com a explosão de marcas como Panerai começamos a ver relógios com 45, 47 e até acima de 50 milímetros. Mas como nem todo mundo é o Faustão, vejo a demanda pedindo cada vez mais relógios menores, e este ano os fabricantes responderam com tudo, inclusive a Panerai.
Acho que o maior marco esse ano foi o lançamento da Rolex do novo Oyster Perpetual Explorer. Originalmente lançado em 1953 com o tamanho de 36 milímetros, o Explorer virou uma lenda no mercado da alta relojoaria. Não só tem o legado de ser o primeiro relógio no topo do Everest, mas o seu desenho minimalista e polivalente conquistou vários colecionadores.
Em 2010 o Rolex Explorer sofreu mudanças significativas, inclusive no seu tamanho, que foi de 36 para 39 milímetros. Mas este ano a Rolex voltou a fabricar o Explorer em seu tamanho original de 36 milímetros. O público e os colecionadores vibraram com a volta do tamanho reduzido.
Duas outras marcas também revisaram o tamanho de dois símbolos de relógios grandes. Um deles foi a IWC, que reduziu o tamanho do Big Pilot de 46 para 43 milímetros, e o outro foi o Panerai Bronzo, antes com 47 e agora com uma versão de 42 milímetros.
Na minha opinião, relógios precisam ser confortáveis, e o tamanho do relógio influencia diretamente nesse aspecto. A indústria está passando por uma mudança, e eu como colecionador vejo cada vez mais o aspecto do conforto pesando e cada vez menos as pessoas querendo mostrar o que carregam em seu pulso.
Com o fim da Banda Daft Punk a indústria de relógios decidiu também acabar com a tendência de mostradores azuis. Brincadeiras à parte com a música I´m Blue, este ano foi o ano do mostrador verde.
De todas as tendências, essa é a que menos me empolga. Acho bonito e elegante, mas cor do mostrador deveria ser uma opção e não um novo objeto de desejo. No começo do ano o fabricante Patek Phillipe anunciou o fim da produção do seu relógio mais cobiçado, o Patek Phillipe 5711, com o mostrador azul. O anúncio levou o mundo de colecionadores a loucura e hoje um 5711 custa algo perto de 500.000 dólares.
Alguns meses após o anúncio do fim do 5711 com mostrador azul, a Patek lançou o mesmo modelo, mas agora com o mostrador verde, e ainda indicou que seria o último ano de produção do seu vencedor de vendas.
Não consigo listar todos os lançamentos com o mostrador verde este ano, mas foram muitos. Além do 5711, tivemos o TAG Heuer Carrera, o Jaeger-LeCoultre Reverso e o Tudor Black Bay Fifty Eight, todos com mostrador verde.
4 - Diversão (mostradores coloridos)
É uma das tendências que mais aprecio. E demonstra que a paixão por relógios abre espaço para um mundo de diversão. No final, todo mundo quer olhar para o punho e sorrir.
Em 2019 o fabricante Richard Mille lançou a sua famosa linha inspirada em bombons. Não se engane com a inspiração: Richard Mille produz os relógios mais caros do mundo. Você compraria um relógio com mostrador de algodão doce por mais de 700.000 reais?
Para quem não tem essa grana, outras marcas mais amigáveis ao bolso lançaram relógios tão divertidos quanto. A Rolex apresentou no fim do ano passado versões com mostradores coloridos do Oyster Perpetual. O meu lançamento favorito de 2021 foi da fabricante Oris com a coleção Cotton Candy, ou Algodão Doce. Eles lançaram três modelos do seu famoso Diver, todos feitos de bronze e com cores bem verão no mostrador. Por último oferecem um preço bem mais acessível (2.800 dólares).
Outra das minhas tendências favoritas é a inspiração vintage. Eu sou da teoria que o bom design é eterno. O Rolex Submariner hoje é ainda muito parecido com a sua primeira versão de 68 anos atrás.
Como a maioria dos fabricantes dispõem de mais de 100 anos operando, a busca pela origem do design de cada marca é muito frutífera. Essa tendência não começou hoje, mas não vejo motivo para parar.
Algumas marcas como a Tudor usam a sua história para fazer de fato um relógio moderno, com claras inspirações vintage. No caso dessa marca o lançamento do Black Bay Fifty-Eight se inspirou em um Tudor Submariner de 1958. O tamanho de 39mm com a exclusão de proteção da coroa e o mostrador Guilt a olho nu dão a impressão de um relógio antigo. Mas a peça comporta toda evolução técnica do maquinário e dos respectivos materiais usados.
Outros fabricantes chegam a ir para um extremo oposto. A Omega replicou com um scanner a laser três modelos históricos da marca lançados originalmente em 1957. Claro que todas as três réplicas contam com o maquinário mais moderno da marca e o seu famoso escape Co-Axial. Mas o design é 100% fiel aos modelos de 1957. Os primeiros modelos do Speedmaster, Seamaster e Railmaster foram relançados em 2017. A trilogia hoje sai com um preço de 150.000 reais.
A internet teve um impacto enorme na indústria. Uma das evoluções foi facilitar a criação de empresas de relógios. Pela primeira vez amantes do hobby conseguiram plataformas para não só produzir como também levantar capital, vender e distribuir as suas queridas criações.
No geral são marcas pequenas e menos conhecidas que acabam focando bastante em design. O maquinário na sua maioria é suíço ou japonês e os relógios em geral apresentam uma proposta ótima de custo e benefício. As microbrands trazem produtos de primeira linha a preço bem acessíveis.
Essas são algumas marcas que, apesar do tamanho das empresas, conseguiram conquistar seu espaço no mundo da alta relojoaria.
Unimatic: criada por dois designers milaneses em 2015, a marca foca no design minimalista e tem maquinário japonês. Os lançamentos são sempre em edições limitadas oferecendo um belo custo benefício com relógios de 700 dólares.
Ming Watch: foi lançada por entusiastas de relógios de Singapura. Seu fundador trabalhou anos como fotógrafo do setor e se juntou com outros cinco amigos para criar a marca. A filosofia da Ming é simples: fazer relógios que os seis sócios gostariam de ter em suas respectivas coleções. A marca traz um design moderno com bom custo benefício.
Baltic Watches: colecionador e fotógrafo, o fundador Etienne Malec sempre foi apaixonado por relógios. A empresa é francesa e tem como ambição criar relógios de alto padrão com design inspirado no mundo vintage e com um preço bem atraente. Seu modelo de entrada custa 500 dólares.
JS Wacth Co.: a marca se auto intitula como o menor fabricante de relógios do mundo. Fundada na Islândia (isso mesmo, Islândia), faz ótimas peças. Meu favorito é o SIF Nart, foi criado para situações de resgate e usado por membros da guarda costeira Islandesa.
A geografia da indústria mudou e alguns especialistas indicaram que a Suíça já deixou de fazer os melhores relógios mecânicos do mundo. Essa nova competição vem principalmente de dois países.
O primeiro é a Alemanha, mais especificamente a cidade de Glashütte. A Alemanha hoje produz um dos melhores relógios mecânicos do mundo. O cronógrafo Datograf da marca A. Lange & Sohne encara qualquer Patek Phillipe. A Alemanha também é casa de grandes marcas como Nomos, Glashütte e Sinn.
O Japão já quase destruiu toda a indústria suíça com a produção de relógios a quartzo nos anos 1970. Cinquenta anos depois, relógios mecânicos sobreviveram, e hoje o Japão, com a Grand Seiko, produz um dos melhores custo benefício do mercado. Qualidade Rolex por um terço do preço.
Outros países têm produções próprias, mas longe de ser relevantes. França, Inglaterra e os Estados Unidos vêm tentando resgatar a indústria nacional de relógios mecânicos.
A Inglaterra tem um histórico bem interessante. Podemos dizer que é o lugar de nascimento de dois dos maiores relojoeiros do mundo: o famoso e já falecido George Daniels, inventor do escape Co-Axial, e o seu aprendiz Roger W. Smith, hoje considerados papas da relojoaria moderna. Mas esqueça: nós, meros mortais, dificilmente vamos conseguir ter acesso aos dois. Em um segmento mais realista existe a Bremont Watches, com relógios bem mais acessíveis e esportivos.
Até os Estados Unidos está buscando fazer um relógio 100% nacional. O relojoeiro americano Cameron Weiss criou a Weiss Watch Company na California visando esse objetivo.
Por último, abram a cabeça e pesquisem. Um relógio é sempre uma bela lembrança de viagem, e não se prenda apenas a relógios suíços.
Essa tendência já vem desde 1970 e vai continuar até 2070 no mínimo. O primeiro relógio de aço com pulseira integrada foi o Royal Oak da Audemars Piguet. Durante a crise do quartzo, e quase quebrada, a Audemars Piguet contratou um jovem designer, Gérald Genta, para fazer um relógio de alto luxo totalmente de aço.
O Royal Oak, foi uma grande aposta e foi o primeiro relógio de aço mais caro que os relógios de ouro da época. Pode se dizer que deu certo. Não só o design do Genta salvou a Audemars Piguet, como ele também fez o design do Patek Philippe Nautilus, do IWC Ingenieur, entre inúmeros outros.
Essa tendência continua até os dias de hoje. A influência está clara olhando para as outras marcas. Todos os fabricantes foram atrás de ter um modelo de aço com pulseira integrada.
O impacto das mídias sociais está levando a todo mundo ter coleções muito parecidas. Os relojoeiros independentes vivem para ir na contramão. A alta relojoaria é um artesanato, e vários relógios ainda são feitos completamente a mão.
Quando falo em relojoeiro independente quero dizer que não existe nenhum grande grupo econômico por trás da operação e em sua grande maioria o foco não é volume e sim qualidade. O importante é que a independência de ter que agradar a todos acaba gerando peças lindas e únicas.
Entre algumas das minhas marcas favoritas estão o casal Austríaco Habring2, que produzem cerca de 20 relógios por ano com altas complicações, mas a preços bem acessíveis. Outro ótimo exemplo no nível de Patek Phillipe está o F.P. Journe, que deve produzir pelo menos mil relógios por ano. François-Paul Journe foi o único relojoeiro a ganhar três vezes o maior preio da relojoaria suíça (Aiguille d'Or grand prize from the Fondation du Grand Prix d'Horlogerie de Genève).
Por último, e talvez o maior relojoeiro da atualidade, está Philippe Dufour. Mas esqueça: é literalmente impossível achar um relógio seu à venda. Sugiro olharem dois modelos, o Duality e o Simplicity, com todo o acabamento feito à mão.
Por último, existem duas empresas inquestionáveis no topo da relojoaria moderna e não vejo isso mudando no curto prazo.
A primeira é a Rolex, por sempre fazer os relógios mais técnicos do mercado. Todo ano a Rolex vem com modelos que traduzem o seu passado com inúmeras evoluções técnicas. Rolex é uma marca globalmente reconhecida como sinônimo de qualidade e isso não vai mudar.
A segunda é a Patek Phillipe. Seu foco são relógios de alto luxo com inúmeras complicações. Patek sempre vai ser Patek, mas não é para o bolso de qualquer um. As duas marcas estão cada ano mais caras, ambas possuem produção limitada, e a crescente demanda faz com que os preços sejam negociados até duas a três vezes o preço na loja.
Se você acha que vai entrar em uma loja Rolex ou Patek e comprar o modelo mais exclusivo, esqueça. O melhor que vai acontece é ser posto em uma lista de espera que pode variar de dois até dez anos, como era o caso do Patek Philippe Nautilus.
Para terminar, entender tendências é sempre interessante, mas no final do dia comprem o que vocês gostam. Tendências mudam o tempo todo e gosto pessoal tende a ser mais atemporal. O relógio é um objeto que, se bem cuidado, pode durar mais de 200 anos. É uma das melhores lembranças para acompanhar você nas fases mais importantes da vida e até mesmo depois, com as futuras gerações.