Revista Exame

Sem Larry Ellison a Oracle enfrenta seu maior desafio

A maior empresa de software corporativo se prepara para uma das grandes transformações de sua história — sem Larry Ellison, seu carismático fundador

Larry Ellison: (Stephen Lam/Reuters)

Larry Ellison: (Stephen Lam/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 1 de junho de 2015 às 07h06.

Redwood City - Quando Larry Ellison anunciou, em setembro do ano passado, sua saída da presidência executiva da Oracle, empresa que fundou em 1977 e que é hoje a maior fornecedora de software corporativo do mundo, a mensagem central era de uma transição sem sobressaltos.

Ellison, de 70 anos, disse que continuaria envolvido na companhia, mas seu foco seria somente a tecnologia (ele também seguiria como presidente do conselho de administração). A direção executiva seria dividida por dois copresidentes: Mark Hurd, vindo da empresa de tecnologia HP, e Safra Catz, uma executiva de carreira da Oracle.

As ações caíram mais de 10% nas semanas seguintes, mas depois voltaram a subir e hoje valem mais do que naquele 18 de setembro. O mercado sabia que Hurd e Catz já vinham tocando o dia a dia da companhia. Para acionistas e analistas, o grande ponto de interrogação no futuro da Oracle é outro: uma mudança radical no ambiente tecnológico, que representa o maior risco enfrentado pela empresa em seus 38 anos de vida.

Não existe terra firme no setor de tecnologia da informação. Empresas dominantes em uma era correm o risco de se tornar irrelevantes ou até mesmo desaparecer quando o ambiente em que atuam é chacoalhado por grandes inovações. A IBM, que inaugurou a era da computação corporativa, quase quebrou quando os computadores de grande porte, chamados mainframes, começaram a ser substituídos por PCs.

A Microsoft passou décadas preocupada em defender a posição dominante do sistema Windows e ignorou a ruptura representada pelo iPhone e pela mobilidade. Somente nos últimos anos tem tentado recuperar o tempo perdido.

Uma transformação de magnitude parecida se anuncia no horizonte da Oracle. O que paira sobre a empresa, uma das mais veteranas e veneradas do Vale do Silício, é a nuvem — a entrega de software via internet, um modelo muito diferente do que fez de Ellison o quinto homem mais rico do mundo.

“A nuvem é tudo”, disse a EXAME Hurd, copresidente da empresa. “Antigamente, o cliente comprava um CD com um software. Era ele quem tinha de cuidar das modificações e da integração, ou então contratar alguém para fazer isso. Agora o cliente acessa o soft­ware pela internet e recebe vários upgrades por ano, sem ter de se preocupar.”

A despesa inicial é mais baixa; e a vida, em geral, muito mais simples. Dois bons exemplos são o Gmail, serviço de e-mail do Google, e a rede social Facebook: ambos são programas que rodam em servidores remotos. Eles são atualizados o tempo todo, mas ninguém se preocupa com isso, pois tudo acontece nos bastidores — na nuvem.

O problema, para a Oracle, é que não foi assim que ela faturou 38,3 bilhões de dólares no ano passado. A empresa está acostumada a vender licenças de uso por usuário ou por máquina em que o programa está instalado. Seja o software utilizado ou não, o preço não muda.

Além do ônus da implementação, os clientes têm de pagar taxas pesadas de manutenção. Em grandes empresas — o cliente típico da Oracle na maior parte dos mercados —, a conta fica salgada.

Startups baseadas na internet oferecem alternativas mais convenientes e mais baratas, que concorrem diretamente com os produtos da Oracle. A MongoDB oferece um sistema de banco de dados, o maior ganha-pão da Oracle, baseado em software livre — produtos gratuitos desenvolvidos por uma comunidade de programadores dispersa pelo mundo.

Os clientes pagam conforme o uso, como uma conta de água ou de luz. Google, Amazon e Microsoft também disputam espaço agressivamente nesse novo mercado, especialmente em serviços básicos, como armazenamento e capacidade computacional. A Netflix, por exemplo, paga à Amazon um aluguel por toda a infraestrutura tecnológica que usa.

Se a empresa prevê um pico de audiência com o lançamento de uma nova série, pode rapidamente contratar um aumento de capacidade. No flanco dos aplicativos de negócios — os sistemas que controlam vendas, produção e recursos humanos, por exemplo —, a Oracle também enfrenta concorrentes importantes que operam no modelo de serviços.

A Salesforce, especializada em software de gestão para as áreas de marketing, vendas e assistência ao cliente, foi uma das primeiras a oferecer software no modelo de assinatura — isso há 16 anos. De acordo com a imprensa americana, a Salesforce estaria à venda e Oracle e Microsoft seriam duas das maiores interessadas.

A Oracle não está parada. A empresa já oferece muitos de seus produtos no modelo de serviços. Esse é o segmento que mais cresce na empresa — e também no setor de tecnologia corporativa —, mas hoje responde por somente cerca de 5% do faturamento total. O que de certa forma tranquiliza a Oracle é que o mercado de clientes formado por companhias de grande porte não se move rapidamente.

Corporações costumam ter sistemas extremamente complexos, com milhares de programas interdependentes. Qualquer mudança é analisada com todo o cuidado por um longo tempo. “As grandes empresas sempre chegam atrasadas”, diz Peter Magnusson, vice-presidente sênior da Oracle para desenvolvimento de tecnologias na nuvem.

No dia a dia das pessoas, a nuvem já é realidade há alguns anos. Guardar as fotos do smart­phone nos servidores da empresa de armazenamento de dados Dropbox ou no iCloud, da Apple, deixou de ser novidade faz tempo. Mas esse pedaço da indústria global de tecnologia, o de mídias digitais, movimenta cerca de 200 bilhões de dólares.

A conta global de TI corporativa é de 3,7 trilhões de dólares. Até agora, os maiores avanços da computação em nuvem no mundo corporativo foram pontuais. Sistemas críticos para o funcionamento dos negócios ainda são os tradicionais — e a Oracle detém uma boa fatia desse mercado.

Mas a cautela das grandes corporações é uma vantagem competitiva com a qual a Oracle não vai poder contar para sempre. Como aponta o próprio copresidente Hurd, metade das empresas que estavam entre as 500 maiores companhias americanas da lista da revista Fortune no ano 2000 não existe mais ou saiu do ranking.

Magnusson é uma das peças-chave nessa ­virada da Oracle para a nuvem. Veterano do ­Google e do Snapchat — serviço de troca de fotos e mensagens que é um dos mais falados do momento —, ele foi contratado para coordenar o desenvolvimento da oferta da Oracle na nuvem.

Seu chefe é Thomas Kurian, considerado o sucessor natural de Ellison quando o fundador se aposentar definitivamente. Na Oracle, a transição para o mundo da computação na nuvem começou há cerca de nove anos. Atualmente, a empresa investe 5 bilhões de dólares anuais em pesquisa e desenvolvimento.

Legado

Tamanho não significa necessariamente uma vulnerabilidade quando se trata de rupturas tecnológicas. O que derruba os gigantes estabelecidos, como apontou Clay Christensen — professor de administração na Universidade Harvard e guru no setor de tecnologia — no livro O Dilema da Inovação, é ignorar ou manter uma postura excessivamente defensiva diante da inovação.

A Oracle, sem dúvida, está na ofensiva. A empresa tem 135 000 funcionários e continua contratando (inclusive alguns dos criadores do Amazon Web Services, o extremamente bem-sucedido serviço de computação na nuvem da Amazon). A ação da empresa tem tido um desempenho melhor do que a de concorrentes como SAP, IBM e HP. Isso ajuda na hora de ir às compras.

Só nos últimos três anos, a Oracle adquiriu 26 companhias para aumentar seu portfólio de produtos, entre elas a Datalogix, especializada em marketing digital, e a Micros Systems, que faz sistemas para hotelaria e varejo. Finalmente, a Oracle acredita que seu modelo integrado — a empresa faz tudo, de equipamentos e plataformas básicas a aplicações especializadas — seja um diferencial importante para clientes que queiram evitar a complexidade de lidar com diversos fornecedores.

Larry Ellison era amigo de Steve Jobs e, juntos, eles eram inimigos de Bill Gates. São esses três nomes que fizeram do Vale do Silício uma região admirada no mundo inteiro. Jobs morreu em 2011 e deixou um enorme legado, o mais recente deles a revolução dos smartphones.

Gates transformou em realidade a ideia de um computador em cada mesa e ainda atua incansavelmente, com sua fundação, em causas humanitárias em todos os cantos do mundo. ­Ellison, o menos célebre do trio, começa a preparar sua saída de cena. Seu legado ainda está em aberto, mas, se a Oracle conseguir uma transição de sucesso para o novo mundo da nuvem, não terá sido uma conquista pequena.

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