Revista Exame

Mesmo no prejuízo, empresas dão bônus milionários

Empresas brasileiras pagam bônus milionários a seus executivos, mesmo quando dão prejuízo. Os acionistas chiam — mas pagar caro para a cúpula pode ser o único jeito de sobreviver


	Calciolari, da Gafisa: investidor não gostou de bônus pago em ano de prejuízo
 (Divulgação)

Calciolari, da Gafisa: investidor não gostou de bônus pago em ano de prejuízo (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 2 de outubro de 2013 às 10h30.

São Paulo - Os últimos dois anos não foram fáceis para a incorporadora Gafisa. A empresa teve um prejuízo somado de mais de 1 bilhão de reais em 2011 e 2012. Teve de cancelar obras, adiar lançamentos e devolver o dinheiro de clientes. O período também foi péssimo para os acionistas: os papéis valem 69% menos do que no início de 2011. Investidores não receberam dividendos nesse pe­río­do.

O mesmo não se pode dizer dos executivos. O salário médio dos seis diretores passou de 1,8 milhão de reais por ano para 3,6 milhões. Em 2012, eles ganharam mais 10,4 milhões em bônus por resultados. No início deste ano, a empresa presidida por Alceu Duílio Calciolari continuou no prejuízo e os diretores ganharam mais 5 milhões.

Os investidores chiaram. “Vendemos as ações que tínhamos porque a política de bonificação claramente não está alinhada aos interesses dos acionistas”, diz Rafael Rodrigues, diretor de renda variável da gestora Rio Bravo, que vendeu cerca de 40 milhões de reais em ações da Gafisa. A Gafisa diz que os valores foram aprovados pelos conselheiros e pela assembleia de acionistas.

O descasamento entre o resultado e a política de remuneração não é exclusividade da Gafisa. EXAME fez um levantamento com base nos números das empresas abertas cujas ações estão entre as mais negociadas na bolsa. São 40 no total.

Destas, 20 tiveram prejuí­zo em 2012. E 13 delas pagaram bônus anual ou participação nos resultados aos diretores e conselheiros. Essas 13 empresas tiveram prejuízo acumulado de 14 bilhões de reais em 2012, mas distribuíram em média 6,4 milhões para seu grupo de diretores. 

O debate em torno da melhor forma de remunerar executivos é antigo. Como fazer para que eles ajam de acordo com o interesse dos acionistas, e não apenas pensando no próprio umbigo? Para chegar a um valor que agrade aos acionistas e atraia os melhores profissionais, as empresas criam pacotes cada dia mais complexos.

A ideia básica é simples: premiar quem cumpre as metas. Mas é aí que as coisas começam a ficar mais complexas. Essa lógica é incontestável quando a empresa paga bônus elevados por resultados excepcionais.

John Watson, presidente da petroleira americana Chevron, por exemplo, ganhou 22,3 milhões de dólares no ano passado por entregar 26 bilhões de dólares de lucro. Ninguém reclamou. Pelo sexto ano seguido, a empresa aumentou em mais de 10% os dividendos dos acionistas. 

O problema, porém, aparece quando, vislumbrando um ano difícil, a empresa estabelece metas camaradas. “O bônus não é pago pelo incremento no resultado, mas por cumprir o orçamento”, diz Fernando Andraus, diretor da empresa de recrutamento Page Executive. “No extremo, se a empresa prevê prejuízo e isso acontece, pode pagar bônus.”


Criada em 2008, a HRT projetava lucro a partir de 2012, mas até agora não saiu do prejuízo. Ainda assim, considerando a remuneração média, seu atual presidente, Milton Franke, recebeu 17 milhões de reais em três anos. No mesmo perío­do, a petroleira perdeu 81% do valor de mercado (a empresa não se pronunciou).

“As métricas de remuneração precisam ser mais claras, ou o executivo recebe sem que o acionista saiba por quê”, diz Renato Chaves, sócio da consultoria de governança Mesa Corporate.

Mesmo empresas que não pagam bônus anuais encontraram uma forma de não deixar seus executivos na mão: aumentar os salários. O frigorífico Marfrig, que faturou 24 bilhões de reais e teve prejuízo em 2012, paga a seus diretores e conselheiros o dobro do concorrente JBS — que é três vezes maior e lucrou 719 milhões de reais.

Já a incorporadora PDG teve prejuízo de 2,2 bilhões em 2012 e por isso não pagou bônus — ainda assim, é a mais generosa do setor em remuneração. A seus 18 diretores e conselheiros, a PDG paga 44 milhões de reais apenas em salários — os diretores ganham, em média, 8 milhões de reais por ano.

Seria um valor e tanto, mesmo se a empresa desse lucro. A BR Properties, uma das empresas mais rentáveis do setor e também conhecida pelos altos salários, paga 4 milhões de reais a seus diretores. Na Cyrela, que nunca deu prejuízo anual, não chega a 1 milhão de reais.

Os conselheiros da PDG não ficam atrás: seu salário aumentou 88% em dois anos. “A PDG busca oferecer condições de trabalho competitivas, com o objetivo de atrair os melhores profissionais do mercado”, disse a empresa, em nota. 

Como uma companhia que dá prejuí­zo deve remunerar seus executivos? Acabar com o bônus e diminuir a média salarial adiantaria? O risco é ver a situa­ção piorar. Os melhores profissionais simplesmente buscariam outro lugar para trabalhar. Quem sobrasse não teria motivação para reverter o problema — já que muitos projetos só dão retorno no longo prazo, algo que não se reflete no bônus.

Por mais injusto que pareça e por mais que os acionistas se rebelem, nem sempre a combinação de prejuízo e bônus é ruim para a companhia. “A empresa precisa achar um equilíbrio entre premiação anual e estímulo por resultados de longo prazo”, diz Carlos Eduardo Brandão, conselheiro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “Isso depende do ciclo de negócios de cada empresa.”


A crise de 2008 escancarou algumas distorções. O americano Richard Fuld, que presidiu o banco Lehman Brothers por sete anos até ele quebrar, estava na lista dos mais bem pagos do mercado financeiro. Estima-se que Fuld recebia algo como 76 milhões de dólares por ano.

Um ano antes do colapso, o banco distribuiu 700 milhões a 50 executivos. Depois da crise, acionistas americanos e europeus ficaram mais atentos aos planos de remuneração para vetar propostas abusivas. No ano passado, não aceitaram os números dos bancos Credit Suisse e Barclays na Europa nem o salário do presidente do Citi nos Estados Unidos — ele queria ganhar 15 milhões de dólares por ano.

Em outros países, a regra mudou em busca de maior transparência. A Suécia incluiu os acionistas nos comitês de remuneração e, na Austrália, quando uma proposta de remuneração é recusada duas vezes pelos acionistas, eles ganham o direito de mudar a composição do conselho, por entender que não está alinhado a seus interesses. 

É uma realidade distante da brasileira. Aqui, um grupo de 45 empresas recorreu à Justiça para não expor o valor da remuneração mínima e máxima de seus executivos, uma exigência legal instituída em 2010 — alegam questões de segurança. Mas voltar atrás seria um retrocesso.

Sem a regra de transparência recém-criada no Brasil, ninguém saberia que a fornecedora de equipamentos para a indústria de petróleo Lupatech, em crise aguda, aumentou o limite da remuneração do alto escalão de 5,4 milhões para 11,9 milhões de reais.

No vermelho, a empresa de logística LLX pagou um total de 2,5 milhões em bônus por resultados e mais 2 milhões em bônus de retenção aos diretores neste ano. As histórias se acumulam. Faz sentido pagar caro para reter executivos de empresas em crise? É um debate que só pode fazer bem ao mercado brasileiro. Esconder o assunto sob o manto do silêncio é prejuízo certo.

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