Revista Exame

Poupar mais dinheiro é a única saída para a Previdência?

Essa é a única solução real para o problema da aposentadoria, na opinião de Andrés Velasco, ex-ministro da Fazenda do Chile

 (Victor Ruiz Garcia/Reuters)

(Victor Ruiz Garcia/Reuters)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 24 de março de 2017 às 05h55.

Última atualização em 24 de março de 2017 às 12h52.

Nova York — A carreira do economista chileno Andrés Velasco é marcada pela alternância entre a academia e a política. Ele cursou doutorado em economia na Universidade Colúmbia e foi professor em Harvard até se tornar ministro da Fazenda do Chile aos 45 anos, no primeiro mandato de Michelle Bachelet, em 2006. Como ministro, Velasco criou um fundo para acumular ganhos com a venda de cobre, principal commodity chilena. Essa reserva ajudou o país a atravessar a crise internacional iniciada em 2008.

Velasco também liderou uma reforma da Previdência, ampliando os benefícios da população mais pobre. Ao sair do governo, em 2011, voltou a dar aulas em Harvard. Em 2013, foi candidato à Presidência do país, mas ficou atrás da ex-chefe Bachelet. Sua plataforma mais ao centro o levou à criação do partido Ciudadanos, que passou a presidir em 2016. Nas próximas semanas, deve decidir se concorrerá ao Senado ou se vai  tentar a Presidência da República nas eleições chilenas deste ano. Na entrevista a seguir, Velasco discute os modelos de previdência, um tema que tem estudado em profundidade.

EXAME – A previdência do Chile tornou-se um exemplo quando foi adotada uma poupança para a aposentadoria gerida por fundos privados. No entanto, uma parcela  dos aposentados recebe pensões baixas demais. O que há de errado com o modelo?

Andrés Velasco – As origens do problema vêm de fora do sistema previdenciário. Há três motivações principais. A primeira é a demografia. A expectativa de vida é bem maior do que costumava ser. No Chile, a esperança média de vida é de 79 anos no nascimento. Mas, quando uma mulher alcança 65 anos, espera-se que viva até os 90. Ou seja, qualquer sistema previdenciário terá de cobrir de 25 a 30 anos de aposentadoria. A segunda parte é o mau funcionamento do mercado de trabalho no Chile e na América Latina em geral.

Boa parte das mulheres e dos mais jovens estão contribuindo para o sistema esporadicamente. Se você não contribui, especialmente quando é jovem, terá uma aposentadoria diminuta. Em terceiro lugar, e esse é o ponto menos compreendido, os juros reais caíram no mundo inteiro. O Brasil foi uma das poucas exceções. E, em sistemas como o chileno, isso é uma notícia ruim para pessoas prestes a se aposentar, porque faz com que seus fundos de pensão rendam menos.

EXAME – Os problemas no Chile põem em xeque a eficácia do regime previdenciário de capitalização?

Andrés Velasco – Os dois primeiros problemas que citei afetam o modelo de previdência chileno, mas também o do Brasil e de qualquer país da região. Todos os sistemas estão sob pressão por fatores que são alheios ao modelo de previdência em vigor. Até mesmo os híbridos, usados em vários países da Europa. Neles, o governo estabelece benefícios mínimos e investe os recursos para pagar por esses benefícios. Esses sistemas também estão encarando problemas porque o valor das aposentadorias não caiu, mas o retorno dos investimentos, sim. O debate sério sobre reforma da Previdência deve começar com questões como “quais são as consequências das mudanças demográficas?” e “como consertamos o mercado de trabalho?”

EXAME – Quais são suas ideias para enfrentar esses problemas?

Andrés Velasco – A resposta conceitual é simples: é preciso poupar mais. Para isso, deve-se ter mais gente trabalhando por um período mais longo. Hoje, no Chile, alguém que está se aposentando contribuiu, em média, 20 anos, embora tenha cerca de 40 anos de vida econômica ativa. Em média, essas pessoas vivem 20 anos após a aposentadoria. Mas suas contribuições foram de 10% do salário. Com juros baixos, o salário não chegará perto do que foi durante o período de contribuição. Portanto, a solução é contribuir durante 30 ou 40 anos em vez de 20, e possivelmente com mais de 10% do salário. Essa solução é politicamente difícil, mas, conceitualmente, é a única cabível.

EXAME – No Brasil, a ideia de fixar uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria é a mais polêmica da reforma proposta para a Previdência. É possível fugir dessa amarra?

Andrés Velasco – Não. Fixar a idade mínima é indispensável. Ela precisa estar atrelada à expectativa de vida e deve evoluir conforme o tempo passa. É uma questão de qualidade de vida. As pessoas querem mesmo trabalhar 30 anos e viver aposentadas outros 30? Será que essas são as aspirações dos trabalhadores? É essa a estrutura de sociedade que se quer ter? Não é só uma questão de finanças públicas. O mundo caminha para uma situação em que, como vivemos até mais tarde, trabalhamos até mais tarde também. Dos 33 países da OCDE, 30 elevaram a idade da aposentadoria, vários deles atrelando o mínimo à expectativa de vida. Isso reduz as tensões políticas de reajustar a idade de tempos em tempos.

EXAME – O Chile não tem um problema fiscal relacionado às aposentadorias como o Brasil tem. É possível ter equilíbrio fiscal com um modelo em que o governo paga os benefícios, como é e continuará sendo no Brasil?

Andrés Velasco – Sim, mas com duas condições. Se as pessoas estiverem dispostas a receber aposentadoria bem baixa ou se elas estiverem dispostas a contribuir com 30% a 35% do salário que recebem hoje. Eu suspeito que os brasileiros não aceitem nenhuma dessas condições. E, se esse é o caso, um sistema totalmente bancado pelo governo é completamente inviável.

EXAME – Um modelo de previdência mista, com fundos de capitalização, seria uma solução para o Brasil?

Andrés Velasco – Inevitavelmente o mundo está caminhando para um modelo híbrido. E isso é bom. A discussão sobre reforma previdenciária não pode ser uma luta entre um modelo totalmente capitalizado e administrado por fundos privados, no estilo da Escola de Economia de Chicago, e um modelo de pensões generosas e déficits gigantescos como o do Brasil. Os países que fizeram o dever de casa escolheram modelos híbridos: em parte fundos de pensão, em parte mínimos garantidos pelo governo para os mais pobres. O Brasil não deveria escolher entre preto e branco. Deveria olhar os tons de cinza no meio do caminho.

EXAME – Quem fez o dever de casa?

Andrés Velasco – Dez anos atrás, a Suécia tinha problemas previdenciários parecidos com os do Brasil: um sistema bancado totalmente pelo governo que gerava déficits enormes. Os suecos migraram para um modelo híbrido e hoje estão bem. Eu sei que politicamente é muito difícil passar uma reforma previdenciária restritiva no Brasil. Mas a escolha que os políticos brasileiros têm hoje não é entre um caminho difícil agora e outro mais fácil depois. É uma escolha entre difícil e ainda mais difícil lá na frente.

EXAME – A reforma brasileira então pode só empurrar o problema para a frente?

Andrés Velasco – A reforma previdenciária sozinha não resolve o problema. A América Latina tem uma parcela baixa de pessoas em idade de trabalhar que estão de fato empregadas. Não falo só de informalidade e desemprego. A métrica que gosto de usar é: das pessoas com mais de 18 anos e menos de 65 que não estão estudando ou doentes, quantos trabalham? Na Europa, são 85% dos homens e 75% das mulheres. Na América Latina, são 70% e 50%, respectivamente. Se poucas pessoas trabalham, a renda é baixa e a poupança é baixa. Se não atacarmos o problema, os países latino-americanos nunca terão um bom modelo previdenciário. As medidas serão paliativas e o problema vai sobrar para o futuro.

EXAME – Por que o percentual de adultos que trabalham na América Latina é baixo?

Andrés Velasco – Isso tem a ver com salários baixos, falta de qualificação, pouco acesso a creches para as mulheres, transporte público de má qualidade, cidades perigosas à noite etc. Enquanto esses indicadores persistirem, os problemas com a Previdência vão permanecer.

EXAME – O senhor liderou uma reforma na Previdência do Chile em 2008, quando era ministro da Fazenda. Os resultados foram como esperava?

Andrés Velasco – A reforma obteve sucesso. O objetivo era aliviar a pobreza na terceira idade. Isso significava criar garantias mínimas para os que não tinham aposentadoria e oferecer subsídios a quem recebia aposentadoria baixa demais. E isso ocorreu. A incidência de pobreza extrema na terceira idade hoje é baixa no Chile. Outro objetivo era diminuir o custo cobrado por gestores privados para administrar fundos de pensão.

Isso também ocorreu, visto que garantimos mais competição nesse mercado. Portanto, o custo para a população caiu, e o lucro dos gestores dos fundos, também. A reforma não tentou garantir um valor mínimo para todo mundo. Isso significaria ir para outro sistema previdenciário. Esse pode ser um caminho, desde que fique claro como a conta será paga.

Acompanhe tudo sobre:BenefíciosChilePolíticos brasileirosPrevidência Social

Mais de Revista Exame

Cocriação: a conexão entre o humano e a IA

Passado o boom do ChatGPT, o que esperar agora da IA?

O carro pode se tornar o seu mais novo meio de entretenimento

Assistentes de IA personalizáveis ajudam a melhorar a experiência do cliente

Mais na Exame