Revista Exame

Em épocas de máscaras, são os olhos que falam

As bocas agora estão cobertas por máscaras. Na pandemia do coronavírus, aprender a usar outros recursos de comunicação torna-se essencial

A designer Teresa Caeiro: ações de inclusão para deficientes auditivos  (Germano Lüders/Exame)

A designer Teresa Caeiro: ações de inclusão para deficientes auditivos (Germano Lüders/Exame)

BC

Beatriz Correia

Publicado em 2 de julho de 2020 às 05h15.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h10.

Em tempos de coronavírus, o uso da máscara facial, que cobre boca e nariz, evidenciou nossos olhos, seja por força de lei, seja por recomendação, seja por bom senso mesmo. Com essa restrição, fica mais difícil enxergar expressões faciais importantes para criar afinidade, como o sorriso. São incômodos necessários em prol de um bem comum, a saúde, mas que exigem jogo de cintura no dia a dia, pois olhar também é se colocar no lugar do outro.

No contexto da pandemia da covid-19, palavras como “segurança”, “resiliên­cia” e “empatia” passaram a figurar no dicionário social. “Temos de treinar o olhar, a escuta atenta e a paciência”, diz Rachel Jordan, presidente da Associação Internacional de Consultores de Imagem (Aici) Chapter Brasil. Em casa, no trabalho, no supermercado, em qualquer ambiente onde haja interação, enfim, saber se expressar com clareza e cordialidade é essencial. O risco agora é perder o rumo e naufragar em meio ao desespero e às tensões que transbordam em períodos tempestuosos. “Uma pitada de oti­mismo é sempre bem-vinda”, defende o especialista em comportamento ­humano Georg Frey.

A regra de ouro vale inclusive para as reuniões por videoconferência, que se tornaram comuns no ambiente corporativo e educacional. “O ato de falar e depois calar-se para ouvir e responder voltou a ser um hábito”, acrescenta Frey. E atenção: a mentira tem as pernas curtas, mesmo à distância. Segundo Frey, autor do livro Eu Sei Que Você Mente! Aprenda a Detectar Mentiras, há indícios de meias-verdades ou mentiras completas em muitos gestos e sinais, até mesmo pela tela numa videoconferência.

O desafio da comunicação hoje é ainda maior para quem tem alguma limitação. Surda desde os 2 anos por complicações de uma meningite, a designer gráfica Teresa Caeiro participa de reuniões de trabalho online pelo menos duas vezes por semana com seus colegas da consultoria EY do Brasil. “É cansativo se todos falam ao mesmo tempo”, reconhece a profissional, que faz leitura labial. Nestes dias mascarados, quando precisa sair ou receber alguma entrega em casa, Caeiro usa máscara com abertura transparente na região da boca. Ela bem sabe da importância das expressões para compreender o que é dito.

As barreiras à acessibilidade na comunicação, no entanto, vão muito além de um tecido cobrindo a boca. Caeiro participa da campanha #QueremosLegenda, idealizada pela escritora e palestrante Paula Pfeifer. A ação pede que programas de TV, vídeos e lives tragam legendas para dar acessibilidade e inclusão aos surdos, já que nem todos dominam a língua brasileira de sinais, ou Libras. “Há muita diversidade dentro da própria surdez”, disse Caeiro à ­EXAME por videochamada.

Se a virtualidade possibilita a interação, estar junto no mesmo espaço potencializa o florescimento humano e legitima diferenças, segundo o doutor em educação e pedagogo no Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) Tiago Ribeiro. “A relação no ambiente físico da escola demanda o corpo como fonte de linguagem, e as crianças precisam disso para se tornarem sujeitos no mundo. Embora tenha suas vantagens, a virtualidade afeta a dimensão da presença corporal”, avalia Ribeiro.
Com base nas conversas com os especialistas citados nesta reportagem, elaboramos algumas orientações práticas para ajudar na comunicação neste mundo de pandemia.

Olho no olho

O contato visual aumenta a conexão e indica atenção ao que a outra pessoa diz. Aproveite para sorrir. Um apreço genuíno pelo interlocutor se reflete nos olhos, que sorriem junto, transmitindo positividade. As pupilas se dilatam quando há interesse e, aqui, o gestual da cabeça é um complemento: incliná-la é um potencial sinal de afinidade. Molduras dos olhos, as sobrancelhas também falam. Um design mais curvo transmite personalidade mais acessível do que linhas mais retas e diagonais.

Postura receptiva

Manter o corpo virado para a pessoa com quem se fala é tão importante quanto o contato visual. Isso denota interesse e receptividade. Evite cruzar os braços, atitude que indica o oposto. Dependendo da situação, a postura ereta passa a ideia de autoconfiança e respeito, mas também pode mostrar rigidez e pouca flexibilidade. Lembre-se: a meta é buscar um clima de bem-estar nos encontros, não importa quão desafiadores pareçam. Como o sorriso, a postura pode abrir portas quando bem empregada.

Mãos e pés

Cuidado para não enfiar os pés pelas mãos. Os gestos podem ser nossos aliados ou inimigos. Um discurso alinhado com movimentos naturais e sem excessos tende a ser mais atraente e menos entediante. Mãos em sincronia com a fala enfatizam ideias e emoções. Cuidado com manias e tiques nervosos: estalar ou apertar os dedos transmite ansiedade e até pode dar a impressão de estar mentindo. Pés e pernas orientados para o interlocutor denotam interesse, mas, se virados para outra direção, podem indicar desejo de fuga.

Entonação da voz

Para driblar a barreira da máscara, falar em alto e bom som ajuda a transmitir a mensagem de forma clara e segura. Pronuncie as palavras com tranquilidade e energia, principalmente ao expor ideias, planos ou projetos numa reunião profissional. A pressa e a ansiedade são inimigas nessa hora. A não ser que você seja tímido e tenha medo de falar em público (o que pode ser trabalhado), tropeçar nas sílabas ou gaguejar pode deixar sua audiência desconectada ou, pior, desconfiada de que esteja mentindo.

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