Revista Exame

Brasil segue com boa imagem lá fora - falta tirar proveito

Pesquisa mostra que, apesar da crise, dos escândalos de corrupção e dos tropeços com a Olimpíada, o país segue com uma boa imagem no exterior.

vista do Rio de Janeiro: os estrangeiros percebem qualidades no Brasil que nem o próprio país enxerga (Divulgação/Exame)

vista do Rio de Janeiro: os estrangeiros percebem qualidades no Brasil que nem o próprio país enxerga (Divulgação/Exame)

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Da Redação

Publicado em 31 de agosto de 2016 às 17h48.

São Paulo — Às 20 horas do dia 5 de agosto, o Rio de Janeiro vai atrair a atenção de mais de 1 bilhão de espectadores para a festa de abertura da Olimpía­da.

Em 4 horas de cerimônia, dirigida pelo cineasta Fernando Meirelles, mais de 12 000 voluntários deverão reverenciar o jeito de ser dos brasileiros, como a receptividade ao forasteiro, o jeito informal do dia a dia e a propensão a misturas de toda sorte, do feijão com arroz à miscigenação racial. A influência cultural será lembrada em ritmos musicais, como samba, bossa nova e forró.

Ao contrário da abertura da Olimpíada de Atenas, em 2004, e de Pequim, em 2008, que evocaram culturas milenares do países-sede, no Rio a ordem é olhar para o futuro — uma alusão à importância da Amazônia no combate ao aquecimento global é esperada. “A ideia é mostrar um país rico em belezas naturais e no jeito de ser de seu povo”, diz Leonardo Cae­tano, diretor de cerimônias do comitê dos Jogos Rio-2016.

O roteiro do espetáculo começou a tomar forma há três anos, em consultas feitas a 100 personalidades nacionais — atletas, artistas, intelectuais e executivos — ao longo de quatro meses. Em mesas-redondas na Casa do Saber, um espaço cultural na Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul do Rio, os grupos discutiram uma questão sem resposta simples: afinal, que Brasil deve ser mostrado ao mundo?

Pelo que o roteiro indica, o mundo vai ver o que já aprecia. A personalidade do brasileiro e as belas paisagens do país são o que os estrangeiros mais gostam quando pensam no Brasil. É o que mostra uma pesquisa global realizada pela agência de publicidade americana Young & Rubicam com 16 000 pessoas, entre personalidades públicas, formadores de opinião e cidadãos comuns de 32 países.

O trabalho listou os melhores lugares para viver e desenvolver negócios segundo a visão de estrangeiros. Pelas regras, os brasileiros opinaram sobre outras nacionalidades, e vice-versa, em diversos atributos que avaliam desde a força da economia, como a competitividade e o ambiente de negócios, até aspectos mais subjetivos, como influência cultural e dinamismo da população. A campeã é a Alemanha e em seguida vêm outros países desenvolvidos: Canadá, Reino Unido e Estados Unidos, e assim por diante.

O Brasil aparece em 20o lugar entre as 60 nações avaliadas — mas, entre os emergentes, fica atrás apenas da China, 17a colocada.
É uma boa colocação para o Brasil? A resposta depende do ponto de vista, levando a um diagnóstico de copo meio cheio, meio vazio. Considerando o gigantismo do país — não custa lembrar que somos a quinta maior população e a nona maior economia —, a resposta é não.

O Brasil está atrás de pequenos enclaves, como Luxemburgo, com 500 000 habitantes, que ficou no 14o posto, e Singapura, em 15o. Mas o país tem melhor reputação do que sociedades mais ricas e desenvolvidas, como Israel, que ocupa o 25o lugar, e o Chile, em 43o.

“O Brasil está aquém de seu potencial, mas tem muito mais moral perante o mundo do que imagina”, diz o francês David Laloum, presidente da Young & Rubicam no Brasil. O país ficou bem em dois aspectos: personalidade, em que foi campeão, e dinamismo, onde aparece em sexto lugar.

Já nos demais, como ambiente de negócios e competitividade das empresas, mais suscetíveis ao funcionamento das instituições públicas e da iniciativa privada, o Brasil está merecidamente na rabeira. Em qualidade de vida, nosso pior desempenho, ficamos atrás de paí­ses como Índia e Sri Lanka.

Aos velhos problemas conhecidos dos brasileiros, como a burocracia para fazer negócios, a infraestrutura precária e a deficiência dos sistemas de saúde e educação, soma-se hoje um punhado de más notícias que ganharam repercussão internacional — a recessão, a confusão política e a epidemia do vírus zika, por exemplo.

“Parece que as sete pragas da Bíblia resolveram agir ao mesmo tempo sobre o Brasil”, diz o jornalista inglês Michael Reid, da revista The Economist, autor do livro A Turbulenta Ascensão de um País, lançado em 2014. “A sensação atual é de um país à deriva.”

Olhando para o copo meio cheio, a simpatia causada pelo jeito de ser do brasileiro é a expressão máxima do chamado soft power, conceito popularizado nos anos 90 que, em resumo, é a maneira como uma nação pode influenciar outros países sem o uso da força ou da coerção. Para muitos especialistas, o Brasil é uma potência do soft power.

O país tem uma democracia relativamente estabelecida, com Justiça e imprensa atuantes e uma tradição diplomática conciliatória em fóruns internacionais, como a Organização Mundial do Comércio e as Nações Unidas.

“O Brasil já tem o que muitas nações estão trabalhando arduamente para conseguir”, diz a economista espanhola Lourdes Casanova, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, uma das maiores especialistas na in­fluência externa do Brasil. Não raro, na tentativa de ganhar a simpatia de outros países, o efeito acaba sendo contrário.

É o caso da China, que, desde 2004, gasta 200 milhões de dólares por ano no Instituto Confúcio, uma rede de mais de 480 centros culturais espalhados pelo mundo que oferecem aulas de mandarim e de costumes chineses devidamente aprovados pelo Partido Comunista.

Atualmente, o país sofre críticas de que esses centros, na verdade, servem para polir a imagem de um regime repressor e empregar espiões a serviço do país em seis continentes. Na pesquisa da Young & Rubicam, a China ficou em 47o lugar no quesito personalidade, que conjuga características da população e da geografia do país — e no qual o Brasil se sagrou campeão.

O enorme potencial do marketing gratuito causado pela simpatia do mundo pelo Brasil ainda é explorado de maneira tímida nas estratégias de internacionalização de governo e empresas.

Enquanto nações como Reino Unido e Itália investem desde os anos 60 em campanhas publicitárias para melhorar a imagem externa na tentativa de atrair negócios e turistas, apenas em 2004 o Ministério do Turismo investiu numa marca para divulgar nosso país no exterior.

E a ideia não pegou: o logotipo confuso que traz a palavra Brasil numa mistura de cores e formas ficou conhecida pejorativamente por consultores de marketing como “a ameba brasileira”. Em 2014, a Apex, agência federal para promoção do comércio exterior, contratou o inglês Simon Anholt, consultor de imagem que prestou serviço para mais de 50 países.

O resultado foi o slogan Brasil Beyond (“O Brasil que vai além”, numa tradução livre), que foi adotado pela agência em missões internacionais, mas a crise e a mudança de governo interromperam o trabalho de divulgação.

Espera-se uma retomada em setembro, quando a agência planeja uma missão comercial à China focada no agronegócio, tendo à frente o presidente Michel Temer, caso o afastamento de Dilma Rousseff seja confirmado pelo Senado.

“A falta de uma divulgação constante só mostra como a promoção no exterior ainda não recebe a devida atenção por parte do governo e das empresas”, diz Janaina Giraldi, professora na Universidade de São Paulo que pesquisa o efeito da imagem na economia do país.

Quem costuma explorar no exterior as origens brasileiras, em geral negócios que fazem alguma alusão às belezas naturais do país, colhe bons resultados. Para a Alpargatas, dona da marca Havaianas, o fato de ser do Brasil colabora para cobrar mais por um simples chinelo.

“Na Europa, nosso preço médio é de 30 euros o par, enquanto um produto local é vendido por 2,5 euros”, diz Márcio Utsch, presidente da Alpargatas. “Os clientes não estão comprando apenas uma sandália, querem sentir o espírito espontâneo do brasileiro.” A tão cultuada brasilidade, no entanto, não captura só vantagens — e acaba sendo percebida como algo nada elogioso nas relações comerciais.

Na calçadista Grendene, dona de marcas como Melissa e Ipanema, a abertura de lojas-conceito da Melissa em endereços nobres de metrópoles como Nova York e Londres, desde 2012, serviu para reforçar a marca no exterior e afastar suspeitas de que a companhia seria mais uma brasileira que exporta só quando o câmbio joga a favor.

“Não queremos ser vistos como uma empresa que muda as regras e deixa um cliente na mão”, afirma Francisco Schmitt, diretor financeiro da Grendene. Quando a informalidade brasileira se transforma no famoso “jeitinho” e em toda sorte de atalhos para burlar a lei, os estrangeiros costumam perder a simpatia e a paciência.

“O tal jeitinho é um subproduto da burocracia”, diz o economista Otto Nogami, professor na escola de negócios Insper. Recentemente, Nogami, que também é dono de uma consultoria de empresas, sentiu essa rejeição ao modo brasileiro.

Ao receber uma missão de investidores japoneses em busca de informações sobre impostos, Nogami explicou a complexidade do sistema brasileiro, que exige muitas horas de trabalho para ser atendido — e dá margem para a venda de facilidades. “Os investidores ficaram horrorizados”, afirma. “Para eles, pagar impostos deveria ser fácil, e essa discussão jamais ocorreria em outros lugares do mundo.”

Um alento é saber que nossas mazelas — que fique bem claro, são enormes e explicam nosso baixo nível de desenvolvimento — são vistas pelos estrangeiros como contornáveis pela capacidade de superação dos brasileiros.

Com 350 000 turistas estrangeiros esperados no Rio de Janeiro nos 17 dias de evento, a organização de uma Olimpíada em meio a tanta notícia ruim vai pôr essa superação à prova. A expectativa conosco é boa — não podemos decepcionar a galera mundo afora.

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