Revista Exame

As marcas que se valorizaram em meio à crise

Uma pesquisa exclusiva da consultoria Interbrand mostra que nunca tantas marcas brasileiras perderam valor como neste ano

Luchetti, presidente da Porto Seguro: a marca passou a valer 27% mais neste ano (Germano Luders/Exame)

Luchetti, presidente da Porto Seguro: a marca passou a valer 27% mais neste ano (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 12 de dezembro de 2015 às 04h56.

São Paulo — O paulista Fabio Luchetti, presidente da seguradora Porto Seguro, faz parte do restrito grupo de executivos brasileiros que não tiveram de gerenciar o encolhimento do negócio neste ano de crise. Pelo contrário. Desde janeiro, cinco novos serviços, como seguro de vida para animais e proteção de transporte de mercadorias, somaram-se aos 40 produtos do portfólio.

A aceleradora de startup Oxigênio, inaugurada em setembro, é o mais novo mecanismo do grupo para identificar oportunidades. É verdade que o contexto ajudou. Como reflexo da busca da população por estabilidade em meio às incertezas da crise, o setor de seguros resiste como um dos únicos a prosperar, com um crescimento acumulado entre janeiro e setembro de 12% em relação ao mesmo período do ano passado.

Na mesma comparação, as receitas da Porto Seguro cresceram 10% e o lucro aumentou 18%. Uma das regras é diversificar sem colocar em risco o negócio principal: o seguro de automóveis, que corresponde a mais da metade do faturamento. Para blindar a marca, uma tática é lançar produtos com outros nomes e só batizá-los de Porto Seguro quando consolidados.

Num desses casos, o grupo criou uma empresa de serviços para condomínios. “Depois de dois anos, percebemos que não íamos conseguir viabilizar o negócio no modelo que queríamos, então vendemos a empresa e não desgastamos nossa marca no mercado”, diz Luchetti. Outra regra básica: só lançar produtos capazes de gerar, no mínimo, 5 milhões de reais em receita no primeiro ano de operação.

Hoje, a marca Porto Seguro vale 619 milhões de reais, 27% mais do que em 2014 — o maior crescimento entre as 25 marcas mais valiosas do Brasil, segundo a análise da consultoria britânica Interbrand, publicada com exclusividade por EXAME.

Na sequência dos maiores crescimentos está a marca de postos de combustíveis Ipiranga, com valorização de 25%, e a varejista de moda Lojas Renner, com ascensão de 22%. A lista deste ano, porém, entra para a história por outra razão. Desde que foi elaborada pela primeira vez no país, em 2001, nunca tantas marcas brasileiras encolheram. Das 25 consideradas as mais valiosas do país, 11 delas perderam valor.

Em 2012, o segundo pior ano da análise, seis marcas estavam na mesma situação. A proporção das quedas também é dramática. As três maiores, pela ordem, são a da Petrobras, que vale quase 40% menos, a da operadora de telefonia Oi, que despencou 36%, e a da varejista Casas Bahia, 32% menor. O sobe e desce poupou apenas o topo da lista, ocupado há 14 anos pelos bancos Itaú e Bradesco.

“Aos problemas na economia soma-se a crise política; e o efeito em muitas marcas tem sido desastroso”, diz Daniela Giavina-Bianchi, diretora executiva da Interbrand no Brasil. No saldo geral, o valor das 25 marcas que compõem o ranking brasileiro somou 103,6 bilhões de reais — praticamente estável em relação ao ano anterior.

Mas, se houvesse um ranking dos países avaliados pela consultoria, estaríamos na 16a posição, seis abaixo em relação a 2014. No capítulo das perdas diretamente relacionadas à crise política, outras empresas se juntaram neste ano à ­Petrobras, cuja marca já perdeu 61% de valor desde 2012.

As investigações da Operação Lava-Jato respingaram também no banco BTG Pactual, com a prisão de seu então presidente, ­André Esteves, no dia 25 de novembro (veja reportagem na pág. 124). Nas contas da Interbrand, a marca do banco já perdeu 8% de seu valor.

“Cal­culamos o impacto inicial, mas é possível que o prejuízo para a imagem e os negócios do banco se acentue dependendo das investigações”, diz André Matias, diretor da Interbrand. Ainda em consequência da crise po­lítica, dois bancos ligados ao governo federal perderam o brilho: o Banco do ­Brasil desvalorizou 6%, e a Caixa ­Econômica Federal, 18%.

Chama a atenção que, no mesmo setor, haja desempenhos díspares — algumas empresas despencaram, enquanto outras cresceram na mesma proporção. No varejo, com quedas consecutivas de receita desde janeiro, há exemplos nesse sentido. Na ponta positiva está a Lojas Renner, cuja marca valorizou mais de 20% neste ano.

A varejista de moda teve o melhor desempenho entre as seis redes de lojas de moda com capital aberto no Brasil. Nos nove primeiros meses deste ano, as vendas cresceram 22%, e o lucro, 30%, em comparação com o mesmo período do ano passado. As ações valorizaram 29% no acumulado dos últimos 12 meses.

Os resultados fizeram com que a Renner ultrapassasse a C&A em participação de mercado e se tornasse a líder do setor no país, segundo a consultoria Euromonitor. A explicação? “Consistência”, diz José Galló, presidente da companhia. Há diversos sinais do que isso significa na prática. A Renner investe em marketing 2,5% da receita das vendas todos os anos — uma verba intocada mesmo na crise.

Outro investimento mantido é o de treinamento — os 17 000 funcionários da rede continuaram a receber 130 horas de treinamento por ano. O principal ajuste feito neste ano, de acordo com Galló, aconteceu nos preços. Em vez de baixar todos os preços para atrair clientela, a empresa conseguiu manter produtos mais caros e ainda assim atrair público. 

No outro extremo, a marca Hering perdeu 24% de seu valor neste ano. Boa parte da razão, segundo analistas da Interbrand, está na tentativa malograda de avançar em direção ao fast fashion, com novidades nas araras a cada semana e peças inspiradas nas últimas tendências de moda. A mudança se refletiu na comunicação da empresa com os clientes, mas esbarrou em problemas práticos.

Um deles foi afinar o estoque com a demanda de cada loja, de modo que as peças mais pedidas em determinado local estivessem disponíveis. De janeiro a setembro de 2015, a receita caiu 8%, e o lucro, 5,5%. “Estamos trabalhando na correção desses problemas”, afirma Fabio Hering, presidente da companhia.

Cair na armadilha da promessa não entregue é especialmente comum no caso das marcas em busca de um reposicionamento. Para evitá-la, a Ambev cercou-se de cuidados ao tentar transformar a Bohemia em rival para as cervejas artesanais, que já detêm 6% do volume da bebida produzida no Brasil. Em 2015, foram lançados seis rótulos novos da marca, com ingredientes como jabuticaba e erva-mate.

“Fizemos estudos com mestres cervejeiros e especialistas para acertar sabores inusitados que poderiam agradar ao público”, diz Daniel Wakswaser, diretor de cervejas especiais da Ambev. Resultado: a marca Bohemia entrou para a lista das mais valiosas do Brasil neste ano, na 24a posição.

A Ambev detém todas as marcas de cerveja da lista: a Skol manteve o terceiro lugar, conquistado em 2014, a Brahma beneficiou-se da queda do Banco do Brasil e subiu para a quarta posição, e a Antarctica permanece no oitavo lugar. Manter os investimentos estratégicos apesar da crise foi uma medida comum para todas as que continuaram em ascensão na lista.

É o caso também da novata Localiza, locadora de automóveis que pela primeira vez aparece no levantamento. Nos últimos dois anos, a companhia investiu 50 milhões de reais em novas tecnologias para modernizar o relacionamento com os clientes — a quantia é cinco vezes maior do que a aplicada com o mesmo objetivo entre 2012 e 2013.

Uma das razões é agradar mais aos clientes individuais, num momento em que os corporativos começam a minguar. “Queremos tornar nosso atendimento mais ágil e interativo”, diz Eugênio Mattar, presidente da companhia. Neste ano, a empresa lançou um aplicativo para aluguel de veículos que poupa tempo no preenchimento de dados cadastrais e na escolha do modelo.

Investir em tempos de crise é um ensinamento propagado por um dos maiores especialistas em marca do mundo, Peter Fader, professor de Wharton, escola de negócios da Universidade da Pensilvânia.

“Os que se mantêm fiéis agora voltarão a comprar tanto ou mais depois que a crise passar”, disse Fader a EXAME. Como mostram os dados da Interbrand, as marcas brasileiras que seguiram esse caminho conseguem colher esses frutos desde já.

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