Revista Exame

Após recessão, empresas se preparam para entrar na Bolsa

Cerca de 20 empresas já procuraram bancos para lançar suas ações. Um sinal de que, após a Grande Recessão, as coisas começam a voltar ao normal.

Operadores na Bovespa: as ofertas de ações poderão somar 40 bilhões de reais até 2017 (Germano Lüders / EXAME)

Operadores na Bovespa: as ofertas de ações poderão somar 40 bilhões de reais até 2017 (Germano Lüders / EXAME)

DR

Da Redação

Publicado em 24 de setembro de 2016 às 05h56.

Última atualização em 25 de abril de 2018 às 18h13.

São Paulo – Como de costume, o desempenho da bolsa brasileira foi melhor no boato do que no fato. Nos meses que antecederam a aprovação do afastamento da presidente Dilma Rousseff, o Ibovespa valorizou 54%. Depois que o impeachment foi aprovado, no fim de agosto, caiu 2%.

Para empresários e executivos de algumas das principais empresas do país, porém, os impactos do impeachment não se restringem a observar os altos e baixos no mercado e o comportamento por vezes errático dos investidores. Com a definição do cenário político, muitos aproveitaram para desengavetar projetos de investimento — e decidiram buscar recursos na bolsa para colocá-los de pé ou para aliviar sua situação financeira após anos de recessão.

EXAME apurou que corretoras e bancos já têm uma lista de cerca de 20 companhias que estão se preparando para fazer ofertas de ações neste e no próximo ano — mais da metade delas são empresas de capital fechado que pretendem estrear na bolsa. A elétrica Energisa puxou a fila em julho com uma oferta de 1,5 bilhão de reais em ações.

Outras duas já pediram o registro de oferta pública, a Log Commercial Properties, empresa de galpões industriais da incorporadora MRV, e a Alliar, rede de clínicas de diagnóstico controlada pela gestora Pátria. A operadora de saúde Hapvida, que já estava em busca de um sócio, contratou o banco Credit Suisse para acelerar a abertura do capital e a empresa área Azul quer listar sua subsidiária de milhagens, como fizeram as concorrentes Gol e Latam.

Além dessas, a construtora Tenda, a farmacêutica Biotoscana, a varejista Netshoes e as locadoras de veículos Unidas e Movida planejam fazer as primeiras captações de recursos na bolsa até o fim de 2017 (procuradas, Hapvida, Unidas e Netshoes não comentam especulações; Azul, Movida e Tenda dizem que não há nada definido).

“Há seis meses, nem empresas muito boas encontravam espaço na bolsa para captar recursos. Isso mudou”, afirma Roderick Greenlees, chefe do banco de investimento Itaú BBA. O último IPO (sigla em inglês para oferta inicial de ações) da Bovespa aconteceu em julho de 2015.

A busca das empresas pela bolsa é consequência de mudanças sutis na economia, hoje capitaneada por Henrique Meirelles, um nome que agrada ao mercado. Até agora elas acontecem no campo das expectativas. Os juros brasileiros são altíssimos, mas a perspectiva de queda para 13,75% neste ano e para 11% em 2017 é vista como positiva por investidores estrangeiros, que, na última década, compraram mais da metade das ações de empresas listadas na Bovespa.

Segundo a consultoria EPFR Global, que monitora os investimentos de fundos globais, a bolsa brasileira recebeu 400 milhões de dólares de fundos estrangeiros neste ano — não é grande coisa, mas em 2015 houve resgate de 1,2 bilhão de dólares. “Essa queda gradual da taxa de juro e do risco-país diminui o desconto que o investidor exige para comprar ações”, diz Luis Gustavo Pereira, estrategista da Guide Investimentos, que tem recomendado aos investidores que voltem para a bolsa.

Cálculos dos bancos indicam que a exposição a ações brasileiras de fundos estrangeiros que investem em mercados emergentes está em 13% hoje, ante 25% em 2010 — se decidirem ajustar as posições, podem aplicar cerca de 100 bilhões de reais na Bovespa em até um ano e meio. Mesmo que a realidade esteja no meio do caminho entre o oba-oba de 2010 e o mau humor de 2016, dezenas de bilhões podem voltar à bolsa brasileira.

É natural que, após o trauma da Grande Recessão, os investidores estejam reticentes na hora de apostar em novatas. Segundo executivos ouvidos por EXAME, a demanda se concentra, por enquanto, em grandes companhias que pretendem captar recursos para investir nas próprias operações, e não para seus controladores colocarem um dinheiro no bolso.

Quando há concorrentes de capital aberto, seu valor de mercado serve de referência para as novas operações. É o caso de Unidas e Movida. As ações da concorrente Localiza subiram 86% em um ano e, com isso, a empresa vale em bolsa 8,4 bilhões de reais, o equivalente a oito vezes sua geração de caixa.

Numa métrica semelhante, a Unidas pode valer 3 bilhões de reais hoje. Em 2015, não valia mais do que 500 milhões de reais. A expectativa, no entanto, é que as novatas sejam negociadas com desconto em relação ao valor de suas rivais na bolsa por ser companhias menos conhecidas dos investidores.

As empresas saíram correndo atrás de bancos e corretoras para fazer ofertas de ações após o impeachment porque captar recursos no cenário atual virou um drama. Os bancos restringiram o crédito e aumentaram os juros, e emitir títulos no exterior ficou mais arriscado em razão da volatilidade do dólar.

Além disso, as empresas estão mais endividadas: a dívida total das companhias de capital aberto hoje é de 1,2 trilhão de reais, o dobro de 2010. Algumas empresas, assim, pretendem captar para pagar dívidas. No caso da Log, o dinheiro será usado para construir novos empreendimentos e para “reequilibrar a estrutura de capital”; na Alliar, para expansão e “amortização de passivos bancários”.

A expectativa dos bancos é que as ofertas de ações na Bovespa somem 40 bilhões de reais até o fim de 2017. Se o número se confirmar, será o maior desde 2010, quando foram captados 149 bilhões de reais em ofertas públicas. A reabertura do mercado de capitais é uma ótima notícia para as empresas e também para bancos e escritórios de advocacia, que ganham um percentual de cada operação assessorada.

Para os investidores, porém, um IPO nem sempre é um bom negócio. Das 64 empresas que foram listadas na Bovespa em 2007, ano recorde desse tipo de operação na bolsa brasileira, apenas 42 continuam listadas (as demais fecharam capital ou foram incorporadas). Três estão em recuperação judicial e 25 dessas ações só caíram desde o IPO.

“Muitos investidores que compraram ações de 2007 a 2010, quando havia uma euforia, ficaram machucados. Por isso, não vejo uma onda de aberturas de capital, mas de operações bastante selecionadas”, diz Patrice Etlin, diretor do fundo Advent, que pretende levar duas das empresas em que investe à bolsa no ano que vem: a Biotoscana e a distribuidora de eletrônicos Allied.

IPOs podem dar certo ou errado. A anomalia surge quando eles simplesmente não acontecem. Se a janela da bolsa de fato se abrir, será sinal de que, aos poucos, a economia brasileira está voltando ao normal. Seria um lucro e tanto.

Acompanhe tudo sobre:AçõesHapvida

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda