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Lázaro Ramos sai da Globo; conheça seu lado empreendedor

O ator e outros empreendedores do entretenimento e da publicidade miram a população negra e ajudam a criar um modelo econômico mais inclusivo

O ator Lázaro Ramos. (Leandro Fonseca/Exame)

O ator Lázaro Ramos. (Leandro Fonseca/Exame)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 22 de setembro de 2021 às 07h20.

Última atualização em 24 de setembro de 2021 às 15h22.

Lázaro Ramos vai sair da Globo depois de quase 20 anos. O ator e a emissora decidiram não renovar o contrato. Em comunicado, a Globo afirmou que "Lázaro Ramos tem abertas as portas da empresa para futuros projetos em nossas múltiplas palataformas". O artista participará ainda das próximas temporadas de Sob Pressão e Aruanas, além dos trabalhos na série DPA - Detetives do Prédio Azul e nos filmes Silêncio na Chuva e Medida Provisória.

A vida fora da emissora pode proporcionar mais tempo para o ator se dedicar aos seus negócios. “Viver em eterna criação é o meu funcionamento”, diz Lázaro Ramos, ator que não se limita a uma única profissão e não para de desenvolver novos trabalhos e negócios. O baiano, que começou a carreira em 1994, não imaginava ser um dos atores mais consagrados do país nem estar à frente do programa mais longevo da história da televisão por assinatura do Brasil com o mesmo apresentador e formato, feito conquistado com Espelho, lançado há 15 anos, ou ainda ser o autor negro mais vendido dos últimos anos, com 474.647 unidades comercializadas de três títulos.

“Fico muito feliz com essa resposta de quem gosta de mim e do meu trabalho. Acredito que minha linguagem e bagagem como homem negro, migrante, pai e casado com uma mulher incrível, que tem a mesma profissão que eu, gera a simpatia e a identificação com o público”, diz. Se engana quem entende essas conquistas e narrativas como indivi­duais. A formação gratuita quando adolescente no Bando de Teatro Olodum deu a ele a compreensão da importância da coletividade em toda a sua jornada e na mudança do cenário social, econômico e cultural do país ao gerar acesso e visibilidade para mais profissionais negros.

(Arte/Exame)

O filme Medida Provisória, dirigido por Lázaro e com estreia prevista para o segundo semestre, tem 90% da equipe composta de negros. A busca pela inclusão continua em suas futuras empreitadas. Um projeto que ficou parado por causa da pandemia de covid-19, mas está previsto para 2022, em sociedade com sua esposa, Taís Araujo, é a inauguração de um restaurante no Rio de Janeiro comandado por uma chef pernambucana e uma carioca, com a intenção de juntar características da culinária do país. No imóvel haverá ainda um centro cultural com shows e exposições que valorizam a cultura negra para frequentadores de todas as classes sociais.

“É preciso mostrar o valor da negritude para além da própria comunidade”, diz Lázaro. Pensando nisso, ele também pretende lançar um negócio focado em festas infantis móveis entregues por meio de um veículo e com personagens ligados aos que usa na literatura. “Em 2019 criei 38 projetos diferentes, todos ligados a meus interesses, mas com formatos diversos. A festa infantil, por exemplo, é uma ideia para gerar entretenimento de qualidade e mais acessível”, afirma.

O investimento em negócios de impacto para a comunidade afro-brasileira é prática recorrente para o ator e diretor. Um exemplo se dá com a ­­Diaspora.Black, uma rede global de pessoas negras que oferece espaços para hospedagem desde 2017. Fundada por Carlos Humberto da Silva Filho, ao longo do tempo a startup ampliou a oferta de serviços com consultoria para empresas do setor de turismo, e na pandemia inovou com o oferecimento de experiências artísticas e culturais online.

“Metade dos empreendedores no país é negra, mas tem mais desafios para fazer os negócios crescerem. Pensar em afroempreendedorismo é pensar nos acessos a crédito, networking e outras facilidades que impulsionam a economia para todos. Afinal, pessoas não negras também utilizam e percebem valor em nossos serviços”, afirma Silva. Com as inovações na pandemia, a Diaspora.Black faturou 327% mais no último ano. “O dinheiro dos investidores é importante, mas, no caso de Lázaro, temos também um apoiador que nos dá dicas e impulsiona os negócios com divulgação nas redes sociais.”

A imagem de Lázaro Ramos é tão bem-vista no mercado que, cada vez mais, empresas de diferentes segmentos buscam se associar a ele. No ano passado foram 11 campanhas publicitárias realizadas — sem falar em ações digitais — e pelo menos cinco propostas recebidas por mês. Uma das parcerias ocorreu no Natal com a marca de cosméticos O Boticário. A campanha que apresentou um vídeo contando a história de um Papai Noel negro estreou no intervalo do especial Falas Negras, da TV Globo. Além da escolha de lançar o filme durante o programa, O Boticário também foi patrocinador da atração com direção de Lázaro Ramos, idealizada e organizada por Manuela Dias. O ator ainda participou como narrador do documentário Papai Noel: Uma História de Diversidade e foi um dos palestrantes para os 12.000 funcionários do Grupo Boticário na semana da diversidade da empresa.

“Para essa campanha buscamos pessoas como o Lázaro Ramos e a filósofa Djamila Ribeiro, que nos ajudaram a construir uma narrativa coerente e lúdica. Ele contribui imensamente com sua experiência pessoal e profissional. Para ter ideia, o vídeo no qual ele narra a história do Papai Noel foi o conteúdo com maior engajamento em nossas redes naquele período, com uma média 300% maior do que os outros vídeos no IGTV”, diz Gustavo Fruges, diretor de comunicação e marca do Boticário.

A boa imagem de Lázaro foi também o motivo do convite da empresa de serviços financeiros SumUp para sua primeira campanha em outubro. “Queremos consolidar a imagem de nossa marca no mercado e encontramos no Lázaro a figura da pessoa bem-aceita pelo público, reconhecida por seu carisma, resiliência e inventividade, como o nosso cliente microempreendedor”, diz Meliza Pedroso, diretora de comunicação da SumUp. Segundo uma pesquisa à qual a EXAME teve acesso, seus mais de 9 milhões de seguidores (quando somadas todas as redes sociais) associam sua figura às seguintes temáticas: ressignificação das masculinidades, impulsionamento da representatividade negra, valorização da educação e fomento a projetos sociais emergentes.

Apesar da presença de diferentes atores e conteúdos produzidos por negros no país, na pesquisa Dossiê Afro-brasileiro: Perfil dos Negros, Consumo, Relação com Conteúdo Audiovisual e Empreendedorismo, realizada pela Afar Ventures com 1.309 pessoas, a única série brasileira em uma lista de 18 mencionadas é Mister Brau, exibida na TV Globo entre 2015 e 2018 e protagonizada por Lázaro Ramos e Taís Araújo. Já na lista de 21 filmes, Lázaro está em dois dos três brasileiros citados. A pesquisa mostra não só a importância do ator para o setor mas especialmente como o Brasil ainda explora pouco o potencial de consumo dos negros, que correspondem a 56% da população e movimentam 1,7 trilhão de reais por ano.

“O showbusiness americano é liderado por pessoas negras, enquanto no Brasil falta representatividade e, consequentemente, oportunidades de negócios”, diz Paulo Rogério Nunes, cofundador da aceleradora de startups Vale do Dendê e da Afar Ventures. Foi pensando nesse cenário que ele e o sócio David A. Wilson lançaram em novembro a Afro.TV, uma plataforma de conteúdo digital focada na cultura afro-brasileira que pretende atrair 10 milhões de ­reais em investimentos nos três primeiros anos de operação.

“Com a pesquisa percebemos que existe uma demanda reprimida por esse tipo de conteúdo. A população é disposta a pagar por streaming e vê a importância da representatividade nas produções. Além disso, as marcas entendem como é caro investir no formato tradicional de TV e como podem explorar oportunidades com produtores e atores que têm uma proposta de valor genuína”, diz Nunes.

(Arte/Exame)

Para ele, com incentivos públicos e privados é possível mudar o cenário do Brasil, a exemplo do que ocorreu na Geórgia, e mais especificamente na capital Atlanta, cidade ao sul dos Estados Unidos onde nasceu Martin Luther King Jr. e surgiram importantes movimentos de direitos civis da população negra. No estado americano, a indústria criativa teve um impacto econômico de 62,5 bilhões de dólares, gerou 37 bilhões de dólares em receitas, empregando 200.000 pessoas em 2015, com os negros como protagonistas nas produções. Tanto é que na Geórgia está o único grande estúdio de cinema do país de propriedade de um afro-americano, com investimento de 250 milhões de dólares.

O dono dessa façanha é o bilionário ator, autor e diretor Tyler Perry, que aos 51 anos participou de 1.200 episódios de séries de televisão, 22 filmes (entre eles Preciosa, que em 2010 conquistou dois Oscars) e pelo menos duas dezenas de peças de teatro. “A história de luta pelos direitos da população negra em Atlanta faz com que hoje a cidade tenha bons resultados de um setor audiovisual robusto que pode ser reproduzido no Brasil e no mundo com políticas de incentivo”, afirma Nunes. Por lá, outras estrelas estão à frente de produções relevantes, como Oprah Winfrey, que transformou seu talk show em um império de mídia e negócios, consolidando uma fortuna pessoal de 2,6 bilhões de dólares. Em 2020, a empresária de 67 anos foi considerada a 20a mulher mais poderosa do mundo pela Forbes, à frente da rainha Elizabeth II.

Por aqui, o grupo de mídia francês Trace estreou em julho o canal de cultura afro Trace Brazuca na programação de TV a cabo, a partir da subsidiária Trace Brasil, que desembarcou por aqui em 2019 e cresceu 30% no primeiro bimestre de 2021 quando comparado ao mesmo período do ano passado. “Fazemos um conteúdo voltado para todo mundo e entendemos que narrativas positivas e histórias relevantes geram a transformação de que o mercado precisa”, diz Felippe Guerra, diretor comercial e de projetos da Trace Brasil. “O brasileiro está acostumado a consumir séries de cultura negra com narrativas positivas, como Um Maluco no Pedaço, mas feitas lá fora. Agora muita gente boa está saindo das universidades ou criando conteúdos independentes, e vamos colher bons frutos disso nos próximos anos”, diz Ad Junior, diretor de marketing da Trace Brasil.

Quem também entende bem como o audiovisual tem poder para estimular toda uma cadeia são os irmãos Leandro e Evandro Roque de Oliveira, mais conhecidos como Emicida e Fióti, sócios-fundadores da Laboratório Fantasma. Com a pandemia, eles perceberam a importância de não demitir as cerca de 30 pessoas que diretamente trabalham na empresa, assim como de levantar recursos para freelancers, que juntos impactam 150 famílias. Apesar de ter perdido 70% do faturamento de música com o cancelamento de eventos, a empresa se manteve com a parceria com 33 grandes marcas, a fabricação de vestuário de marca própria, vídeos e músicas em streaming e o filme Amarelo — É Tudo Pra Ontem, na Netflix, um produto que dá continuidade ao álbum Amarelo, lançado em 2019.

“A pandemia trouxe um cenário atípico e inesperado, mas reforçou o que fizemos nos últimos 12 anos. Profissionalizamos nossa comunidade e focamos em dar condições e autonomia para que essas pessoas tenham boas condições de vida”, diz Fióti. Em 2020, o faturamento da companhia cresceu 65% quando comparado com o ano anterior. Já o consumo dos produtos do catálogo da gravadora aumentou 20%.

(Arte/Exame)

Para além do sucesso de Amarelo ­— É Tudo Pra Ontem, a Net­flix está de olho nas produções que focam a cultura negra. No último fim de semana de fevereiro estreou na plataforma o filme M8 — Quando a Morte Socorre a Vida, do diretor Jeferson De, no qual Lázaro Ramos faz uma breve participação. Segundo relatório divulgado em janeiro, nos últimos três anos a companhia dobrou para 8% a força de trabalho e para 9% a liderança de profissionais negros. Nas produções, o número de negros protagonistas foi de 18,2% nos filmes, 5 pontos percentuais acima da indústria americana. Já nas séries os indicativos se mantiveram no mesmo patamar da indústria de 2018 e 2019.

Todas essas produções dependem essencialmente da aceitação do público. Ao mesmo tempo, os investimentos das marcas têm sido bastante relevantes. “As marcas perceberam o poder social e econômico da população negra no Brasil e que fazer um vídeo de 30 segundos não basta, é preciso construir histórias genuínas e apostar em conteúdo”, diz Ad Junior, da Trace Brasil.

No ano passado, as agências de publicidade promoveram eventos para debater racismo e inclusão na comunicação, além de incentivar a formação de grupos internos para a ampliar a diversidade étnico-racial, como é o caso do Eixo Benguela na Ogilvy Brasil e da Indique uma Preta, incubada pela Mutato. Assim, a semente que Lázaro Ramos planta ao trazer mais diversidade em suas equipes e trabalhos é espalhada também por outros atores, diretores, publicitários e profissionais que entendem que a inclusão é um caminho sem volta e benéfico para todos.  

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