Filme está em cartaz nos cinemas brasileiros desde a última quinta-feira, 7 (O Sequestro do Voo 375/Divulgação)
Repórter de POP
Publicado em 13 de dezembro de 2023 às 20h04.
Última atualização em 15 de dezembro de 2023 às 07h12.
Existe um caso de sequestro muito reconhecido na aviação brasileira, mas que beira tanto ao absurdo que me parece quase inacreditável. Ele aconteceu em 1988, ápice da crise econômica após o fim do regime militar no Brasil, quando um homem chamado Raimundo ‘Nonato’ Alves da Conceição entrou à bordo de um avião da Vasp, armado com uma pistola, matou o copiloto e demandou que o piloto, Fernando Murilo, mudasse a rota do voo para Brasília. O plano era que a aeronave colidisse com o Palácio do Planalto e, assim, matasse o presidente da época, José Sarney. O autor do crime dizia que sua principal motivação era a falta de emprego no Brasil e a alta inflação da época.
Graças a uma manobra super arriscada por parte do piloto, Nonato foi contido e nenhum outro passageiro à bordo, além do copiloto, morreu. O criminoso foi contido pelas Forças Armadas brasileiras, foi baleado e morreu no hospital, dias depois, vítima de insuficiência renal, pulmão de choque e parada cardíaca.
O caso ficou reconhecido como "Sequestro do Voo 375" e agora, 35 anos após o acontecido, tornou-se um filme de ficção baseado em fatos reais, em cartaz nos cinemas brasileiros desde o dia 7 de dezembro. A produção é assinada pelo Estúdio Escarlate, produzido por Joana Henning, com direção de Marcus Baldini e distribuição da Star Original Productions (Disney). Compõem o elenco Danilo Grangheia, Jorge Paz, Roberta Gualda, Gabriel Godoy, César Mello, Juliana Alves, Wagner Santisteban, Arianne Botelho, Diego Montez, Claudio Jaborandy, Johnnas Oliva e Adriano Garib.
O filme foi gravado com um avião verdadeiro, um Boeing dos anos 1980, relíquia preservada por um colecionador. Ao todo, o longa-metragem contou com orçamento de R$ 15 milhões, e surpreende por se aproximar ao estilo de cinema norte-americano. Mas será que vale a pena ver no cinema? Pela EXAME Pop, assisti ao filme com antecedência e trago para vocês minha análise crítica sobre "O Sequestro do Voo 375". Confira:
De cabeça, consigo lembrar de poucos exemplos de thrillers brasileiros que conseguem a manter a tensão das cenas tão alta a nova aposta do Estúdio Escarlate. Dentro do Boeing, do momento em que Nonato (Jorge Paz) se senta no assento da aeronave e começa a criar coragem para iniciar o sequestro até o momento em que ele é finalmente detido, a sensação de ansiedade permaneceu no meu peito.
Essa tensão ininterrupta das telas poderia ser cansativa se não fosse o enquadramento: dentro do avião, as cenas intensas se concentram na cabine de pilotagem, com um recorte de câmeras bem fechado nos rostos do piloto Murilo (Danilo Grangheia), Nonato (Jorge Paz), o autor do crime, e sua pistola. A apreensão vem também da trilha sonora e dos diálogos, tanto entre eles próprios quanto entre o piloto e a central de comando, representada pela personagem de Roberta Gualda. Danilo e Jorge, muito alinhados, são a perfeita escolha de Baldini: alternam espaço para desenvolvimento de ambos os protagonistas com excelência.
Fora da cabine de pilotagem, o espaço onde ficavam os passageiros e comissários de bordo também rendeu boas contracenas. Pela perspectiva intimista como o longa foi filmado, que coloca em Nonato uma figura central do desespero, qualquer passo em falso, respiração mais profunda, ideia ou mesmo iniciativa poderiam resultar em morte — várias vezes o criminoso visita a cabine dos passageiros e profere ameaças. E uma vez que o primeiro tiro é dado, fica realmente difícil prever se o próximo está a caminho, o que contribui ainda mais para o clima de tensão do filme.
Saber que todo o filme foi baseado em fatos reais impressiona, mas comove ainda mais poder "fazer parte" da cena, porque a imersão no longa é cativante. O ápice vem, inclusive, com a tomada de decisão do piloto de fazer o "tonneau", manobra na qual o avião faz um giro de 360º — e que foi questionada, na época, por vários estudiosos da aviação por ser considerada "impossível" para o tipo de aeronave disponível.
Colocar em cena o momento da manobra em específico foi não só corajoso por parte da produção, como fundamental para aproximação do público com o filme. E faz pensar como foi o momento na vida real.
Para além da atuação cativante de Danilo e Jorge, que é talvez um dos maiores destaques do filme, são bem-vindos também as cenas com o elenco de apoio. A produção do Estúdio Escarlate optou por reunir vários dos operadores de voo da época em uma única personagem, Luzia (Roberta Gualda), uma maneira de trazer mais equidade de gênero no elenco — posto que, na época, as mulheres não podiam ocupar esse tipo de cargo.
A adição foi ideal: Gualda traz uma perspectiva bem brasileira para uma personagem que se envolve na tensão em terra firme, com a missão de estabelecer um diálogo com Nonato e tentar impedir uma catástrofe. A sensibilidade dela fica evidente no rosto da atriz, que traz às telas um bom trabalho. Dentro do avião, também vale o destaque para a atuação de César Mello (Evangelista, o copiloto) e Juliana Alves (Cláudia, comissária), que contracenam com Jorge Paz e os demais atores que compõem o corpo de passageiros.
Já em terra firme, dentro do Palácio do Planalto, a construção dos personagens muda um pouco de perspectiva e deixa a desejar: não convence tanto quanto o resto do elenco, a ponto de se tornar até caricata. Faltou intensidade para os "engravatados", que não tiveram muito tempo de desenvolvimento para preencherem mais do uma lacuna "vilanesca".
Em uma produção que montou um cenário tão convincente, dentro de um avião verdadeiro e com a composição de figurino tão bem ambientada, é quase um pecado ver que algumas cenas que fazem o uso de computação gráfica são tão fracas.
Enquanto toda a cena da manobra impressiona pela gravação genuína — a produção do filme fez com que a cabine girasse 360º mesmo, a ponto que os próprios figurantes tivessem que tomar medicamentos para conter o enjoo —, os takes do avião no ar me tiraram da imersão do momento. É triste, inclusive, porque todo o resto parece bem verossimilhante: Danilo conversou com pilotos para saber quais botões apertar, tinha uma noção básica do que dizer e como reagir, tal qual um piloto de avião, o que fica bem retratado no longa. Mas assim que a aeronave é filmada no ar... a credibilidade cai por terra.
Deu para perceber que faltou recurso para a equipe de edição, mas esse foi o problema que mais me incomodou. Por tudo o que o filme representa, é um mero detalhe na constituição do todo: "O Sequestro do Voo 375" é bom filme nacional, que representa um importante marco histórico do nosso país e que, ainda que se baseie muito nos roteiros norte-americanos, traz um DNA brasileiro que dá um baita orgulho.
O filme está em cartaz nos cinemas brasileiros desde a última quinta-feira, 7.
Compõem o elenco Danilo Grangheia, Jorge Paz, Roberta Gualda, Gabriel Godoy, César Mello, Juliana Alves, Wagner Santisteban, Arianne Botelho, Diego Montez, Claudio Jaborandy, Johnnas Oliva e Adriano Garib. A direção é de Marcus Baldini.