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O legado de Rita Lee atravessa gerações — e ainda inspirará as próximas

A carreira da cantora é gigante, assim como era também a vontade que ela tinha de fazer música, de viver sem restrições

Rita Lee: cantora faleceu nesta segunda-feira, 8.  (Rita Lee Oficial/ Roberto de Carvalho/Instagram)

Rita Lee: cantora faleceu nesta segunda-feira, 8. (Rita Lee Oficial/ Roberto de Carvalho/Instagram)

Luiza Vilela
Luiza Vilela

Repórter de POP

Publicado em 9 de maio de 2023 às 11h06.

Última atualização em 19 de maio de 2023 às 14h49.

Eu me lembro como se fosse ontem da primeira vez que ouvi a voz da Rainha do Rock Brasileiro. Devia ter uns cinco ou seis anos quando "Ovelha Negra" tocou na rádio ou talvez fosse um CD dos meus pais — dessa parte, admito, não me lembro tão bem. O significado da letra, é claro, eu não entendi na época. Mas o ritmo e a presença daquela voz me marcaram, e essa se tornou uma das minhas músicas preferidas da Rita Lee.

Hoje, eu tenho 25 anos. Nasci muito depois do auge do sucesso dela, é verdade, mas nem por isso todo o legado histórico dessa artista deixou de "mexer comigo" de uma maneira que nenhum outro artista brasileiro conseguiu porque, pelo menos para mim, ela é sinônimo de confiança. É um misto de sentimentos até um pouco difícil de explicar, para ser sincera: é energia, vontade de viver, de se permitir, de não desistir, de ter segurança. Sabe?

Durante a adolescência, essa mesma música foi uma das primeiras que aprendi (sozinha) a tocar no violão. E batendo nas cordas, vim a descobrir que esse mix de sentimentos vem não só das letras geniais da Rita Lee, mas também pela trajetória dela na música popular brasileira. Essa ousadia da presença dela nos lugares e a coragem de tocar certos assuntos nas músicas sempre me deixou muito intrigada.

E é por isso, também, que a notícia da morte dela me traz um sentimento tão triste de perda: tenho certeza que eu não fui a única que me senti assim hoje.

Rita Lee tinha a ousadia de unir todo mundo

(Rita Lee Oficial/ Roberto de Carvalho/Instagram)

Lembro que, quando criança, tinha muita vergonha de cantar "Amor e Sexo", quase como se estivesse fazendo algo de errado. A letra falava tanta coisa, trazia uma visão do sexo tão diferente que, quando tocava na rádio, eu chegava a ficar com as bochechas vermelhas. E, mesmo assim, meus pais ouviam esse hit comigo em casa e no carro, cantavam junto.

Não sei vocês, mas se eu ouvisse um trecho da Mc Pipokinha no carro com meus pais, eles vão ficar muito envergonhados (e nada contra a Pipokinha, tá?). Mas com a Rita Lee, seja falando de sexo, lança-perfume, várias drogas ou até as orgias dos anos 1970, ouvir essa música era super normal. Eu cantava nas reuniões de família (com 10 aninhos), nos churrascos dos amigos dos meus pais, na praia e até com violão, quando adolescente.

Esse, eu acho, era um dos vários superpoderes da Rita Lee — a união. Posso discordar de vários pensamentos dos meus pais, mas a gente concorda pelo menos nisso: não existe uma cantora tão poderosa e inspiradora quanto ela. E sei bem que funciona assim em tantas outras famílias. Aposto que até na disputa por terreno ou herança, se alguém colocar "Mania de Você" para tocar, o pessoal pausa a briga para dançar e cantar.

Essa presença dela, uma constante em várias famílias do Brasil, fez e faz toda a diferença.

'Para fazer rock, tem que ter culhão'

(Rita Lee Oficial/ Roberto de Carvalho/Instagram)

Para além da música, Rita Lee também tinha uma inspiração única para as mulheres em geral. É como ela disse, certa vez, para o portal Hysteria:

"Nunca carreguei bandeira de feminismo. Eu era a única menina roqueira no meio de um clube só de bolinhas, cujo mantra era: para fazer rock tem que ter culhão. Eu fui lá com meu útero e meus ovários – e me senti uma igual, gostassem eles ou não"Rita Lee

Imagina só, na década de 1970, 1980 e 1990, em um país tão conservador quanto o Brasil, uma mulher vendendo milhões de disco e falando sobre drogas, sexo e liberdade? Foi uma baita de uma revolução, ainda mais no gênero do rock e da música popular brasileira. E ela não hesitou nem uma vez em bater de frente.

Esse "culhão", querendo ou não, ela passou adiante para várias mulheres nesse país. Em níveis bem mais brandos, eu acho que também fui uma delas: muitas vezes, quando me vi em cenários bastante machistas ou intimidadores pelo meu gênero, a solução era botar "Todas as mulheres do mundo" no fone e arrumar coragem. E assim tenho seguido desde pequena — e acho que seguirei até quando for a minha vez de morrer também.

'Amor é sorte' — mas não para ela

Rita Lee e o marido Roberto de Carvalho (Rita Lee Oficial/ Roberto de Carvalho/Instagram)

Uma das coisas que também me admira demais na vida de Rita Lee é toda a luta dela com o uso das drogas, uma parte bem interessante que ela aborda na própria autobiografia. Em uma entrevista ao UOL, a cantora comentou do uso dos narcóticos como uma página virada.

"Repare como as drogas servem sempre como canos de escape e becos sem saída. Pois é, parece que eu tive de passar por todas para não querer mais nenhuma. Espero que a garotada de hoje seja mais espertinha."Rita Lee

Foram vários os problemas que a cantora enfrentou por ser usuária de narcóticos. Mas ainda maior do que essa batalha para desintoxicação (nada fácil) — que já me deixa mais admirada por ela —, é com a família que ela construiu, a vida ao lado do marido, Roberto de Carvalho, que fez parte de todo o legado que ela deixou, que fico tão comovida. Mesmo diante de toda a maluquice da vida de superstar, sempre se viu ali que o amor com ele e os filhos era tão grande quanto as letras dela.

É aquilo, Rita Lee se reergueu em tantos aspectos que, apesar dos pesares, é quase impossível não se afeiçoar a ela. A carreira da cantora é gigante, assim como era também a vontade que ela tinha de fazer música, de viver sem restrições, de viver. E todo mundo em volta sabe muito bem disso, de Carvalho a Gil e Caetano.

Rita acreditava que o "Amor é sorte". E pode ser mesmo, mas se for para ela... Bem, Rita Lee é, então, a pessoa mais sortuda do mundo.

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