Após quebrar muitos ossos, Bob Burnquist quer mostrar a verdade 'nua e crua' do skate em série
Em entrevista à EXAME, o skatista relembra o momento em que arriscou a vida para realizar uma manobra inédita que marca sua carreira até hoje
Repórter da Home
Publicado em 13 de agosto de 2024 às 11h11.
Última atualização em 13 de agosto de 2024 às 14h57.
Todos os esportes têm suas figuras históricas que inspiram gerações, tal qual Pelé e Socrates que encantam até hoje vários jogadores de futebol. Mas, entre os amantes de skate, a lenda da modalidade é Bob Burnquist . O atleta carioca - e meio estadunidense - é o maior medalhista da história dos X-Games e considerado um dos melhores deste esporte no mundo.
O skatista de 47 anos coleciona diversas conquistas em campeonatos ao redor do mundo e protagonizou vários jogos Tony Hawk's (série de videogames focados em skate). Agora, ele tem sua trajetória explorada na série documental “Bob Burnquist: A Lenda do Skate", que será lançada nesta terça-feira, 13, pelo canal HBO e a plataforma Max.
A produção revela cenas inéditas de bastidores, momentos memoráveis e depoimentos exclusivos de familiares e grandes nomes do esporte que cruzaram o caminho do brasileiro, em seu esforço para alcançar o reconhecimento mundial.
Em entrevista à EXAME, Bob Burnquist conta que a decisão de permitir que o público conheça profundamente sua vida e os momentos mais desafiadores de sua carreira partiu da necessidade de mostrar que sua história não se define apenas em campeonatos e vitórias. Envolve também as lutas e vulnerabilidades de um atleta antes das provações.
"Após as competições em que participei, surgiam notícias e perfis que davam às pessoas uma visão romantizada sobre mim. Mas, essa série mergulha diretamente nos bastidores do que estava vivendo naqueles momentos e o que acontecia antes da minha chegada nas disputas".
Para o skatista, a série traz aos telespectadores a oportunidade de conhecer a verdade 'nua e crua' do skate, como um esporte que vai muito além da diversão entre jovens. Uma prática que exige um desempenho hercúleo dos atletas por incluir manobras radicais, controle absoluto dos shapes e, literalmente, a disposição para encarar grandes lesões - Bob já fraturou mais de 40 ossos ao longo da carreira.
"Há também o propósito de quebrar a ideia que a minha presença em uma competição era garantia de vitória. Chegar até qualquer prova 'estava longe de ser fácil', havia um trabalho árduo e uma longa jornada que as pessoas precisam conhecer", explica.
Para retratar a jornada do multimedalhista, a série combina momentos marcantes de sua carreira com imagens raras dos bastidores, cedidas diretamente do acervo pessoal de Burnquist. Além disso, conta com depoimentos de outras lendas do skate, como Tony Hawk, Danny Way, Jake Brown, Lance Mountain e Christian Hosoi.
Com uma narrativa íntima e bem-humorada, os episódios também capturam a resiliência e paixão de Burnquist pelo skate — um esporte que historicamente foi marginalizado, mas que tem ganhado popularidade no Brasil, especialmente após sua inclusão nas Olimpíadas.
Grand Canyon
Além de sua carreira no esporte, Bob Burnquit faz questão de exibir seu lado complexo e versatil nos episódios. Fora das rampas, o skatista também destaca suas peripécias como artista plástico, piloto de helicóptero e entusiasta de Base Jump. Apesar das diferenças entre essas atividades, ele revela que a junção delas lhe deu os insumos necessários para um dos maiores desafios de sua vida: o salto no Grande Canyon, em 2006 - que conta com episódio especial na série.
Para quem não se lembra, vale uma breve viagem no tempo. Em julho de 2005, o skatista Danny Way impressionou o mundo com um salto feito na Muralha da China. A ousadia do americano provocou Bob a realizar uma façanha digna de um filme de ação, uma manobra única no famoso desfiladeirodentro da reserva indígena dos Navajos, noArizona, nos Estados Unidos.
"O Danny sempre foi uma referência para mim e quando eu assisti o salto na China, eu decidi tirar do papel algo que ninguém tinha feito até então. Essa ideia apareceu de acordo com as habilidades que eu adquiri. Eu tinha desenhado alguns cenários e escolhi o Grand Canyon, pela sua exuberância e grandiosidade", recordou.
Para o sonho de Bob se tornar realidade, foi montada uma rampa de 12 metros de altura no topo do penhasco Hell Hole Bend (Declive do Buraco do Inferno), por onde ele desceria e decolaria para encaixar em um trilho que tinha como fim um abismo. Dali, ele saltaria de paraquedas dentro do Grand Canyon, despencando de uma altura de cerca de 500 metros. Na época, o salto foi transmitido pelo programa "Stunt Junkies", do Discovery Channel.
Mesmo quehouvesse preocupação com os riscos, Bob diz que a manobra inédita foi fruto de sua inquietação."O lugar era surreal, eu estava em uma absorção de inspiração mágica que ia muito além do skate. A razão de fazer aquilo foi dentro de uma ideia de conteúdo que inspirasse, que fizesse com que você saísse do sofá para viver os seus sonhos. Seja ele qual for, mas a minha foi o Grand Canyon".
Antes de Bob, duas pessoas já haviam morrido tentando saltar desse penhasco. A primeira tentativa quase custou a vida do skatista, após perder o controle antes de abrir o paraquedas. Ele ressalta que a confiança foi sua maior aliada naquele momento. Sua segunda manobra transcorreu sem falhas.
"Para quem está de fora pode ser uma coisa de maluco, mas para mim, foi um dos dias mais marcantes e divertidos da minha vida. Eu levei comigo a segurança nas habilidades que adquiri ao longo dos anos, mas também considerei o clima antes de levantar voo. A rampa foi construída com basante cuidado para que o shape não escapasse dos meus pés. Eu queria ter feito outros saltos e experimentado outras possibilidades, mas a equipe da produção do programa me advertiu: 'não queremos que você morra'. Eles não conheciam ainda as minhas habilidades, então precisei convencê-los para fazer acontecer".
A descontrução do herói
No mundo do cinema e das séries, várias obras buscam cativar o público com personagens destinados a grandes aventuras, dentro do conceito da "Jornada do Herói". Por outro lado, essa não é a lógica de Daniel Baccaro, diretor de "Bob Burnquist: A Lenda do Skate" . Sua premissa é apresentar um personagem que, apesar das extraordinárias realizações, tem as imperfeições de qualquer ser humano e uma jornada de mais 'baixos do que altos'.
"Logo no primeiro episódio, a série começa sua missão de desconstruir a imagem do herói, como a que as pessoas imaginam dos quadrinhos. O público vai conhecer o Bob como o cara que foi para as pistas preparado para se machucar, porque se trata de um esporte totalmente diferente. A aventura na mega rampa traz uma perspectiva que não tem a ver com as disputas de skate que as pessoas assistiram nos Jogos Olímpicos de Paris ", diz o cineasta.
Baccaro também conta que acompanha a carreira de Bob Burnquist desde os 12 anos de idade e vê a perseverança do skatista como sua força motriz, sendo essa uma de suas inspirações para a produção da série documental.
"Estamos falando de um personagem singular. Uma figura que tinha a resiliência como principal arquétipo. Ao longo da série, as pessoas podem ver o quanto ele se machucava e insistia até alcançar suas metas. Muitas deles talvez se lembrarão de imagens do Bob andando de skate a qualquer custo, mesmo com um pé lesionado e um braço quebrado. É um cara que não para por nada. Por isso, entendemos que deviamos ilustrar essas quedas para transmitir a mensagem que apesar do tombo, é necessário continuar".
Para Patrício Diaz, co-diretor de "A Lenda do Skate", a 'odisseia' de Bob Burnquist do skate brasileiro até os campeonatos internacionais tem como pano de fundo a transição desse esporte, anteriormente desmerecido pelas massas e que aos poucos conquistou uma posição relevante entre as modalidades mais aclamadas;
"O valor do skate é notado desde 2021, quando o esporte foi incluído nos Jogos Olímpicos de Tóquio. E a série aborda essa mudança, de uma prática marginalizada até chegar a outro nível. Mas, não começou naquela ocasião. Foram décadas de transformações".
E reforça: "Antes destas mudanças, o Bob já estava fora do Brasil buscando reconhecimento e várias vezes foi campeão mundial. Além da jornada dele, a produção passa por pautas sociais ao redor do esporte, questões familiares e um cenário de contracultura e rebeldia entre os jovens".