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Abrir capital na bolsa é a solução para os Correios?

Depois de anunciar 57 projetos de privatização, o governo estuda abrir o capital dos Correios, empresa que está no vermelho há 5 anos

Correios: o maior empregador do Brasil acumula problemas, mas atual num mercado com potencial (Elza Fiuza/Agência Brasil)

Correios: o maior empregador do Brasil acumula problemas, mas atual num mercado com potencial (Elza Fiuza/Agência Brasil)

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Letícia Toledo

Publicado em 30 de agosto de 2017 às 18h58.

Última atualização em 30 de agosto de 2017 às 18h59.

O gigantesco pacote de privatizações do governo Michel Temer, que vai da companhia de energia Eletrobras à Casa da Moeda, ganhou mais um ativo em potencial nesta quarta-feira: a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. A intenção de abrir o capital da empresa foi noticiada nesta quarta-feira pela agência Reuters.

Segundo a agência, o governo chegou cogitar colocar os Correios no pacote anunciado pelo governo na última semana. Por fim, decidiu dar mais tempo aos estudos que o Ministério das Comunicações está preparando sobre a combalida companhia. Ainda segundo a Reuters, o governo avalia que abrir o capital traria menos resistência do que privatizar uma das empresas mais emblemáticas do país, criada em 1663.

A notícia levantou temores em economistas por trazer ainda mais complicação a um pacote que já tem 57 ativos anunciados para ser encaminhado até o final do ano. Poucas horas depois, o ministro da integração nacional, Helder Barbalho, anunciou que até a transposição do Rio São Francisco pode entrar no pacote.

“O governo está lançando projeto atrás de projeto. O plano todo tem cara de factóide. Há muita coisa sendo anunciada, mas não se tem detalhe de nada e isso tudo traz angústia para o investidor. Como é possível mostrar interesse nesses ativos se não há nenhuma informação de como o processo será feito?”, diz Sandro Cabral, professor de estratégia do Insper. “A intenção é boa. Mas é frustrante que o pacote não tenha saído de maneira mais organizada. Dá a impressão de que tudo foi feito às pressas sendo que o Moreira Franco [ministro da Secretaria-Geral e responsável pelo Programa de Parcerias de Investimento] está lá para isso”, diz o sócio de um fundo de investimentos que atua no Brasil.

Dentro de um pacote tão grande e disperso, é natural que ativos interessantes se misturem com negócios que não fazem lá muito sentido. Em um congresso realizado no último fim de semana pela bolsa brasileira, a B3, o próprio ministro da Fazenda admitiu que a Casa da Moeda é um tremendo abacaxi. “A questão é o declínio no uso de selos e de cédulas. Ela produziu 3 milhões de cédulas há quatro anos, e neste ano vai ser um [milhão]. E a tendência internacional, como sabemos, é para baixo”, afirmou o ministro Henrique Meirelles.

“O que o governo fez foi apresentar um menu de privatização como uma forma de testar onde há resistência e onde há interesse. Obviamente que uma parte vai ser vendida e a outra, não”, diz Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B.

Nesta equação, apesar dos seguidos prejuízos, os Correios podem estar no time dos negócios promissores, segundo especialistas ouvidos por EXAME. Isso, claro, exige pensar no potencial do negócio, e ter muito, muito estômago.

Qual a saída para os Correios?

Os Correios são uma estatal que parece ter chegado à exaustão após anos de aparelhamento político, preços de serviços defasados e falta de investimentos. Apesar do monopólio no setor, a empresa deve fechar 2017 em seu quinto ano consecutivo de prejuízo. Desde 2013, as perdas acumulas são da ordem de 4,4 bilhões.

Enquanto estatais como a Eletrobras e a Petrobras mostraram grandes avanços em sua gestão e no caixa sob o governo Michel Temer, os Correios permanecem como a grande exceção. Na tentativa de resolver a situação financeira, a atual diretoria dos Correios adotou um plano de corte de gastos. A meta é fechar até 350 das 6.470 agências postais e cortar o quadro de 117.400 funcionários da maior empregadora do país. Um plano de demissão incentivada, criado no ano passado, teve a adesão de 5.500 servidores – abaixo dos 8.000 esperados. Segundo a Reuters, a empresa vai reabrir em breve o plano de demissão. Dessa vez, com a meta de obter o desligamento de 3.000 empregados.

Para Tadeu Gomes Teixeira, professor de administração na Universidade Federal do Maranhão e autor de um livro lançado neste ano sobre os Correios, o PDV não é uma medida capaz de solucionar os problemas da empresa. “O caminho dos Correios é muito mais inovar do que diminuir a força do trabalho. Com o programa de demissão os Correios diminuem a sua capacidade de atender cidades mais afastadas e perdem qualidade em seu serviço. Diminuir a folha de pagamento traz um efeito imediato, mas muito ínfimo diante dos problemas da companhia”, diz Teixeira.

Além disso, enquanto Eletrobras e Petrobras têm em seus cargos executivos pessoas renomadas do mercado, os Correios seguem chefiados por indicações políticas. O atual presidente, Guilherme Campos, ex-deputado federal (DEM-SP), era presidente do PSD. Campos foi nomeado por Kassab 21 dias antes da aprovação da Lei das Estatais, que impede que pessoas que participaram da diretoria de partidos políticos ou da organização de campanhas eleitorais nos 36 meses anteriores à indicação assumam a direção de estatais. As oito vice-presidências dos Correios estão ocupadas por apadrinhados de PDT, PSD, PTB e PMDB.

Diante deste cenário, analistas ouvidos por EXAME consideram que uma abertura de capital dos Correios poderia ser um choque importante para a empresa. E, por mais que seu principal negócio – a entrega de correspondências – se mostre obsoleto em um mundo com serviços digitais, economistas acreditam que a empresa deve atrair interessados por ter espaço para crescer em outros segmentos. “O mercado de encomendas, por exemplo, tem crescido e a rentabilidade no transporte de mercadorias é boa. Dentro dos Correios já foram feitos vários estudos que mostram outros setores em que a empresa poderia entrar”, afirma Teixeira.

Uma abertura de capital dos Correios traria o aporte de recursos necessários para a entrada da empresa em novos segmentos e também traria uma gestão profissionalizada para a empresa. Um risco grande, porém, é que locais mais distantes ou violentes deixem de ser atendidos com a transferência dos Correios para o capital privado – é o que acontece com muitas transportadoras privadas, que não entregam em todos os CEPs. Para que isso não aconteça, analistas ressaltam que é importante que qualquer mudança nos Correios seja acompanhada por um órgão regulador, que a obrigue a prestar os serviços. E que monitore.

Outros países já privatizaram suas empresas de entregas, ou abriram o mercado. A Suécia abriu mão do monopólio em 1993, a Holanda privatizou em 1994 e abriu o serviço para a concorrência em 2009. Na Alemanha, 79% das ações do Deutsch Post estão na bolsa desde 2000 e o mercado é competitivo desde 2008. No ano passado, o governo do Japão abriu o capital do Japan Post e arrecadou 12 bilhões de dólares (o processo de privatização começou há dez anos).

Soluções pelo mundo não faltam. Resta saber que ativos do seu cada vez maior pacote o governo conseguirá entregar e que projetos importantes ficarão pelo caminho.

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