Por que a Starbucks comprou uma briga bilionária com a Kraft
Maior rede de cafeterias do mundo planeja crescer com vendas de café em supermercados, mas a Kraft está no caminho
Da Redação
Publicado em 9 de dezembro de 2010 às 12h00.
São Paulo - Está cada vez mais difícil reunir os executivos da Starbucks para tomar um cafezinho com seus colegas da Kraft. As duas gigantes do capitalismo mundial vivem às turras, depois que a Starbucks manifestou o desejo de retomar o controle da distribuição, para o varejo, de seus produtos, como cafés embalados e chás. Essa tarefa está nas mãos da Kraft desde 1998, quando as empresas fecharam a parceria.
O acordo assinado na época não tem prazo de vencimento. Ele só perde a validade, se uma das empresas quebrar o combinado. Na prática, a Starbucks repassa os produtos à Kraft, que os distribui para os varejistas, como supermercados e mercearias. Em troca, a Kraft paga royalties à rede de cafeterias, baseados em parte no volume de vendas e, em parte, no lucro que obtém com o negócio.
No final de novembro, as empresas intensificaram as conversas para encerrar a parceria. A iniciativa partiu da Starbucks, que alega que a Kraft não está se esforçando para promover seus produtos e, portanto, o acordo não está rendendo tudo o que poderia. Em outubro, a rede de cafeterias deu um ultimato formal: ou a empresa melhorava os resultados da distribuição, ou o acordo seria encerrado no primeiro trimestre de 2011.
A Kraft alegou que está fazendo a sua parte. Desde 1998, quando o documento foi assinado, a empresa afirma que elevou a rede de distribuição dos produtos da Starbucks de 4.000 pontos-de-venda em 12 estados americanos para 40.000 em todo os Estados Unidos. A receita gerada também decuplicou, saltando de 50 milhões para 500 milhões de dólares por ano. Por isso, para terminar a parceria, a Kraft cobra outra cláusula do acordo: a de que a Starbucks pague o valor de mercado da operação de distribuição, mais um prêmio de 35%.
A rede comandada por Howard Schultz ofereceu 750 milhões de dólares para quitar o negócio. A proposta foi descartada pela Kraft. Para analistas americanos, não foi ranhetice – eles avaliam a operação em, pelo menos, 1 bilhão de dólares, sendo que alguns calculam até 1,5 bilhão. Sem acordo sobre o fim do acordo, a Starbucks e a Kraft preparam-se, agora, para recorrer a uma câmara de arbitragem.
Da cafeteria para o varejo
Mais do que insatisfação com os resultados, há motivos estratégicos para a Starbucks comprar uma briga bilionária com outra gigante do capitalismo mundial. Schultz enxerga, no varejo, o próximo grande mercado a ser desbravado pela marca. Por ora, as vendas de cafés embalados e chás representam apenas 7% dos 10,7 bilhões de dólares que a rede faturou até setembro. A companhia acredita, porém, que a venda de produtos em supermercados e mercearias tem todo o potencial para virar um negócio bilionário.
A aposta mais recente da Starbucks nesse segmento é o café instantâneo Via. Lançado em fevereiro de 2009, o Via tornou-se a principal arma da companhia para cativar os consumidores. Vendido em caixas com 12 sachês por 9,95 dólares em supermercados e mercearias, o produto faturou 135 milhões de dólares em seu primeiro ano, segundo a agência de notícias Reuters.
O ponto é que o Via reforça uma mudança profunda no perfil de produtos ofertados pela empresa. Os cafés e chás vendidos nos supermercados, até então, eram focados em um segmento mais nobre. Embora o Via também seja baseado em grãos do tipo arábica (os melhores, segundo os entendidos no assunto), trata-se de uma tentativa de alcançar uma fatia maior de público.
Como todo competidor que está lutando para abrir espaço, a Starbucks está incomodando a concorrência. E, no seu caminho, encontra-se justamente a Kraft, uma das maiores produtoras de alimentos e bebidas do mundo, com faturamento anual quatro vezes maior que o seu e um poder de fogo incomum junto aos varejistas. A Kraft também possui suas marcas próprias de café instantâneo. A mais famosa é a Maxwell House.
Não foi por acaso que, ao lançar o Via, a Starbucks buscou um novo parceiro para a distribuição – a Acosta, empresa sediada em Jacksonville, na Flórida, e que movimenta cerca de 40 bilhões de dólares por ano em vendas de seus clientes – fabricantes de alimentos, bebidas e medicamentos. Se a parceria com a Kraft realmente chegar ao fim, não está descartada a possibilidade de a Acosta assumir a tarefa também com os outros produtos da rede de cafeterias.
A aposta da Starbucks no varejo é tão grande, que Schultz chegou a afirmar, durante uma teleconferência com analistas, que a empresa planeja comprar redes varejistas para acelerar as vendas de café embalado e instantâneo, bebidas e sorvetes com a marca. Segundo o empresário, esse segmento tem todo o potencial para crescer tão rápido quanto sua rede de cafeterias. Por ora, os investidores de Wall Street olham com cautela para o plano, enquanto aguardam mais detalhes sobre essas eventuais aquisições. Também esperam o capítulo final da briga com a Kraft. Só não se sabe se, depois, pensarão nisto tudo com um copo de café Starbucks ou Maxwell House.