Black Friday: o dia de promoções, inventado nos Estados Unidos, se espalhou pelo mundo (Toby Melville/Reuters)
Letícia Toledo
Publicado em 23 de novembro de 2017 às 18h18.
Última atualização em 23 de novembro de 2017 às 19h29.
Há pouco mais de dois meses 230 dos maiores lojistas do site de comércio eletrônico Mercado Livre lotaram o auditório na sede da empresa, em São Paulo, para se preparar para o dia mais importante do e-commerce no país. Foi o primeiro evento que a empresa realizou para uma Black Friday, que acontece nesta sexta-feira 24.
“Apresentamos nosso plano de vendas, estratégia de marketing, os produtos mais vendidos no evento no passado e instruímos os vendedores sobre como preparar o estoque e estar a postos para atender o cliente. Foi algo inédito”, diz Cristina Farjallat, diretora de marketplace do Mercado Livre.
O evento, que foi repetido em outras empresas de comércio eletrônico, mostra a importância e a proporção que a data tomou para o e-commerce brasileiro. Segundo executivos do setor ouvidos por EXAME, algumas das maiores varejistas chegam a faturar o valor de um mês em apenas três dias de promoção, que, teoricamente, tem início na sexta-feira e vai até domingo (embora muitas tenham começado há alguns dias).
Neste ano a expectativa é que as vendas da Black Friday no comércio eletrônico cheguem a 2,1 bilhões de reais, uma alta de 15% em relação ao valor do ano passado e o equivalente a 4,3% do faturamento total previsto para este ano.
Para se destacar da concorrência, as varejistas fazem loucuras. O Mercado Livre manteve a agressiva política adotada desde maio: frete grátis e vendas em 12 vezes sem juros; a Via Varejo afirma que, se o produto não chegar no tempo previsto, ele sai de graça; o Magazine Luiza, em uma ação “pré Black Friday”, chegou a vender um televisor que custava 5.899 reais por apenas 999 reais e está oferecendo frete grátis em eletrodomésticos selecionados.
Importada dos Estados Unidos, onde é realizada na sexta-feira após o Dia de Ação de Graças, a data chegou ao Brasil em 2010 de maneira tímida. Ganhou força a partir de 2013, quando um grande número de varejistas, tanto de lojas físicas quanto de e-commerces, aderiu à ideia. Após um período conturbado com sites oferecendo produtos pela “metade do dobro”, a data se consolidou no país. O problema agora é o preço que as grandes varejistas estão pagando para turbinar a Black Friday.
O pacote de frete grátis, parcelamento sem juros e grandes descontos é justamente tudo o que grandes sites passaram os últimos anos combatendo, após sucessivos prejuízos por conta dessa estratégia. A situação parecia controlada, mas, numa situação meio “Dr. Jekyll and Mr. Hyde”, as varejistas jogam a temperança às favas nesta semana.
A lógica volta a ser vender mais, ganhar terreno e deixar para pensar no lucro depois. “A Black Friday criou uma cultura no Brasil que nenhum e-commerce consegue mudar. Eles atraem muita gente, aumentam as vendas, mas perdem ainda mais dinheiro. Se e-commerce já não dá dinheiro em dia normal, como vai dar na Black Friday?”, diz um ex-diretor de um grande varejista eletrônico.
Nos Estados Unidos, a Black Friday teria como objetivo limpar os estoques dos varejistas para vender ainda mais no Natal. Geraria, portanto, um benefício duplo. No Brasil, porém, com uma população com menor poder de compra, a Black Friday acaba antecipando as compras de natal e consumindo boa parte do décimo terceiro salário dos consumidores. Com isso, varejistas vendem com desconto produtos que poderiam vender no Natal com uma margem melhor. É um prejuízo duplo.
Em uma pesquisa realizada pelo Mercado Livre com o Ibope Conecta, metade dos entrevistados que pretendem comprar na Black Friday disseram que vão antecipar parte das compras de Natal agora. “O consumidor não tem bolso infinito, sabemos disso, o que a gente faz é definir uma estratégia de vendas diferente para a Black Friday, o natal e as vendas de janeiro”, diz Marcelo Lopes, diretor de logística da Via Varejo.
Por conta dessa proximidade com o final de ano, um grupo de varejistas liderados pela Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) fizeram uma proposta para mudar a data para o mês de setembro, que costuma ser um período de poucas vendas.
Outro problema que a data cria é a logística necessária para estocar e entregar um volume colossal de produtos. “O volume de venda é tão grande que cria desafios operacionais e exige um investimento alto para isso”, afirma um executivo do setor. A Netshoes, maior varejista de artigos esportivos, contratou 750 funcionários temporários por conta da data. Na Via Varejo, dona das marcas Casas Bahia, Ponto Frio e Extra, a contratação foi de cerca de 330 pessoas. O Mercado Livre estabeleceu como meta entregar em até dois dias para os lojistas que armazenam produtos em seu estoque.
Apesar de todas as dificuldades, empresas se empenham cada vez mais na data com a esperança de que parte desses consumidores se torne cliente assíduo das lojas. “O impacto desse evento é muito grande. Hoje, todo brasileiro sabe o que é Black Friday e precisamos nos colocar como uma opção”, diz Ilca Sierra, diretora de marketing do Magazine Luiza.
“A data é importante para fidelizar os clientes que já temos e para atrair muita gente nova. Muitas pessoas que nunca compraram na internet fazem compras nos sites nesta data”, diz Cristina Farjallat, do Mercado Livre.
Para Paulo Humberg, presidente da companhia de investimentos em internet A5, a estratégia não é muito assertiva. “A maioria dos clientes de Black Friday é do tipo que só compra quando tem promoção”, diz. Vinicius Pessin, ex-diretor de marketplace da B2W, afirma que a fidelidade pós Black Friday é baixa. “O que esses sites precisam criar é outras vantagens além do preço para fazer o consumidor voltar; pode ser, por exemplo, com um programa de fidelidade”, afirma.
Nos grandes sites, um cronômetro conta as horas, minutos e segundos para o início da Black Friday. A lógica é perversa: a cada avanço do cronômetro, elas ficam mais perto de perder dinheiro.