Negócios

As maiores vítimas da alta dos juros

Empresas de infraestrutura e consumo, de menor porte, bastante endividadas ou com necessidade de capital de giro devem ser as mais afetadas pelo aumento da Selic

Manifestantes contestam a alta dos juros em frente ao edifício-sede do Banco Central, em Brasília (.)

Manifestantes contestam a alta dos juros em frente ao edifício-sede do Banco Central, em Brasília (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h38.

SÃO PAULO - Presidentes de bancos centrais ao redor do mundo são comumente rotulados de estraga-prazeres. Afinal, quando a economia começa a crescer com mais vigor e os investidores estão eufóricos, em geral é hora de elevar os juros para conter a inflação. O ex-presidente do Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) Alan Greenspan admitia publicamente que seu papel era o de suspender as bebidas quando a festa começava a ficar animada. Seu antecessor no BC americano, o lendário Paul Volcker, chegou a receber em sua sala centenas de cartas, alguns fragmentos de materiais de construção e dezenas de chaves de automóveis quando elevou os juros no começo dos anos 80 - e decepou centenas de milhares de empregos na área automobilística e de construção civil.

Entre os primeiros da atual fila de estraga-prazeres, encontra-se o presidente do BC brasileiro, Henrique Meirelles. Com a expectativa de crescimento da economia brasileira de mais de 5% neste ano, a dúvida no mercado é se o Comitê de Política Monetária (Copom) começa a acabar com a festa em março ou abril. Na média, os investidores acreditam que a taxa básica de juros da economia brasileira (Selic) saltará de 8,75% para 11,25% durante todo o próximo ciclo de aperto monetário. O movimento teria como justificativas a aceleração da inflação, a baixa ociosidade do setor produtivo e os gargalos que reduzem o potencial de crescimento sustentável do país.

Diante da irreversibilidade do ciclo de alta de juros que se avizinha, o Portal EXAME perguntou a diversos especialistas quais setores seriam os mais prejudicados pela ação do BC. A resposta unânime é que as empresas de infraestrutura, varejo e consumo vão sentir o baque. A captação de recursos para a construção de hidrelétricas, ferrovias, portos ou estradas deverá ficar mais lenta e cara porque quanto mais alta a taxa básica de juros, mais rentável precisa ser um projeto para superar o retorno oferecido pela segurança dos títulos públicos brasileiros. Além disso, muitas das atuais empresas desses setores estão bastante endividadas e seus títulos pagam juros indexados à Selic. (Continua)


 

Já os setores de varejo e consumo serão afetados devido ao impacto dos juros na concessão de crédito. "A diminuição do volume de compras manterá a inflação estável, mas retrairá o crescimento das redes varejistas", afirma Bernardo Wjuniski, economista da consultoria Tendências. No Brasil, as compras de bens duráveis e de imóveis são as que mais dependem do crédito. Para Marcos Duarte, sócio e cofundador da gestora de recursos Polo Capital, no entanto, o setor imobiliário não deve ser tão prejudicado porque o financiamento à compra de casas é subsidiado com recursos da caderneta de poupança. Como as taxas de juros variam de acordo com a TR (taxa referencial), que oscilará muito menos que a Selic, as decisões do Copom não devem evitar que o mercado imobiliário em trajetória de expansão.

As pequenas e médias empresas também serão especialmente prejudicadas pela arrancada dos juros. "Quanto menor o porte da empresa mais afetada ela será", diz o professor Tharcisio de Souza Santos, diretor do curso de MBA da universidade FAAP. Segundo ele, hoje os pequenos e médios negócios compõem a parte mais volumosa da pirâmide econômica no país. Essa classe empreendedora busca fontes de investimentos para a sua expansão e está atrás de recursos para pagar seus fornecedores. No entanto, esses empresários dificilmente conseguem avançar numa negociação com o BNDES para obter empréstimos indexados à TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que estão entre os mais baratos da economia brasileira.

Com ânsia de ampliar a carteira de crédito, os bancos estão investindo cada vez mais em linhas específicas para atender às necessidades das pequenas e médias companhias. A grande dificuldade das instituições financeiras é avaliar quando um pequeno negócio tem caixa suficiente para arcar com seus compromissos. Muitos bancos que atuam nesse segmento chegam a fazer um acompanhamento diário das receitas e despesas de uma empresa antes de liberar um empréstimo. Mesmo com todos esses cuidados, o risco desses financiamentos costuma ser alto. O ambiente de negócios no Brasil é predatório para empresas que estão longe da liderança de mercado. Por isso, o empresário brasileiro é obrigado a pagar juros elevados para compensar as perdas com a inadimplência dos que não prosperam. (Continua)


Outras empresas bastante afetadas pela alta da Selic são aquelas que precisam de capital de giro para financiar a operação. Num cenário de juros elevados, a receita da empresa vive um movimento semelhante ao da gangorra: enquanto o preço do financiamento do capital de giro sobe, a margem de lucro cai. Esse exemplo se encaixa no atual cenário da locadora de veículos Localiza. A maior rede de aluguel de automóveis da América Latina chega a fechar contratos superiores a 1 bilhão de reais para comprar milhares de veículos de uma só vez com preços vantajosos. Para financiar a troca da frota, a empresa precisa antes captar dinheiro. A alta dos juros muitas vezes eleva o custo dos empréstimos de uma forma que a Localiza não consegue repassar integralmente para o aluguel do veículo ou para seu preço de revenda quando chegar a hora de novamente renovar a frota.

A compressão das margens de lucro é considerada pelos bancos na hora de liberar um empréstimo. No ano passado, era possível para um empresário parcelar o valor de um financiamento em até 60 meses com juro mensal de 1,28%. Além da expectativa de aumento da Selic, o banco embute um cenário de margens menores - e, consequentemente, risco maior de inadimplência - no momento em que estipula a taxa de juro que será cobrada em troca do dinheiro. Logo, as concessões de linhas de capital de giro serão feitas com o spread em picos acima do período da última crise financeira mundial. "A Selic elevada inviabilizará diversos investimentos, podendo levar ao naufrágio empresas de médio porte como, por exemplo, algumas redes farmacêuticas", avalia Celina Ramalho, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.

Outro abalo evidente acontecerá no mercado de capitais. Entre 2005 e 2008, quando a Selic passou de 19,75% para 11,25%, houve um aumento significativo nos IPOs (oferta pública de ações, na sigla em inglês). Somente em 2007, foram realizadas 64 emissões de papéis na BM&FBovespa. O movimento contrário, de alta na taxa básica, fará com que as empresas interessadas em abrir capital fiquem com um pé atrás. Os juros mais elevados vão diminuir a atratividade da bolsa em relação à renda fixa. É provável que algumas empresas desistam de listar suas ações em um ano que já prometia não ser dos mais simples devido às turbulências nos países ricos, à esperada megacapitalização da Petrobras e às eleições presidenciais. (Continua)


 

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p class="pagina">Atenuantes

Uma das saídas para as empresas não serem encurraladas pela alta da taxa Selic está nas linhas de crédito pós-fixadas. Nessa modalidade, o valor dos empréstimos tem a seguinte equação: CDI (Certificados de Depósito Interbancário, ou seja, os juros de mercado) mais o spread bancário (que varia de acordo com o risco do empréstimo). Como o CDI flutua, o risco do banco nesse tipo de empréstimo é menor, o que possibilita a redução dos spreads. Por outro lado, quem assume parte do risco de mercado é a empresa. No início da crise de 2008, as taxas de juros dispararam junto com o dólar. Num exemplo hipotético, caso o mesmo ocorra nos próximos meses se o grupo de países conhecido como PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) der calote na dívida, quem pagará o pato será o empresário endividado. "Aí, quem captou recursos em pós-fixado vai ter prejuízo", diz o economista Rafael Paschoarelli, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).

A maioria das médias e das grandes empresas também poderá repassar o aumento da taxa básica para o consumidor final. Esse cenário acentuará o endividamento e a inadimplência de quem vinha num ritmo de compras sem precedentes. "A retirada do IPI menor para diversos produtos já vai arrefecer o comércio, deixando a economia menos aquecida do que o período de recessão", defende Fábio Gallo Garcia, professor de finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. Os juros maiores devem acentuar esse movimento.

De qualquer forma, especialistas garantem que não há motivos para alardes: "Vamos apenas voltar ao patamar anterior à crise mundial", diz Garcia. Assim, diferente do ex-presidente Paul Volcker, o brasileiro Henrique Meirelles poderá dormir tranquilo, sabendo que não receberá cartas de reclamações, nem fragmentos de materiais de construção e tampouco chaves de automóveis caso decida continuar no cargo até o final do governo Lula.


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