Justiça diz que entregadores não têm vínculo trabalhista com iFood
A juíza responsável afirmou que os motoboys estão mais próximos da figura de um trabalhador autônomo
Carolina Riveira
Publicado em 28 de janeiro de 2020 às 11h42.
Última atualização em 29 de janeiro de 2020 às 11h46.
A Justiça Trabalhista de São Paulo negou uma ação civil pública que pedia vínculo empregatício entre o iFood e os entregadores que atuam na plataforma.
A juíza responsável pelo caso afirmou que o trabalho dos entregadores não caracterizava vínculo “em razão das peculiaridades da forma de organização do trabalho que, de fato, é inovadora e somente possível por intermédio da tecnologia”.
O Ministério Público do Trabalho, autor da ação, pedia a contratação dos entregadores e que as empresas pagassem multa por dano moral coletivo -- que seria no valor de 5% do faturamento das empresas e poderia passar de 20 milhões de reais. Ambos os pedidos foram negados pela Justiça.
A decisão foi proferida pela juíza Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar, da 37ª Vara do Trabalho de São Paulo. Escobar afirmou que os motoboys estão mais próximas da figura de um trabalhador autônomo, que presta serviço a uma outra empresa. A juíza diz ainda que ficou "demonstrado" que "o trabalhador se coloca a disposição para trabalhar no dia que escolher trabalhar, iniciando e terminando a jornada no momento que decidir", e também que o entregador pode optar por usar outros aplicativos de concorrentes.
O iFood tem mais de 83.000 entregadores diretamente vinculados à plataforma da empresa, que respondem por cerca de 20% das mais de 26 milhões de entregas mensais, segundo dados de novembro do ano passado.
O restante das entregas é feita por entregadores dos próprios restaurantes. O trabalho do iFood com entregadores "próprios" -- mas que são considerados parceiros, não empregados da empresa -- começou somente em 2018. Antes disso, todas as entregas eram feitas pelos próprios restaurantes, e o iFood atuava somente como um marketplace de refeições, ligando os clientes interessados aos restaurantes por meio de sua plataforma.
O iFood foi criado em 2011 e hoje pertence ao grupo brasileiro Movile, que reúne uma série de empresas de tecnologia com foco nas operações via aplicativos de smartphone. A decisão da Justiça sobre os vínculos trabalhistas vale também para a Rapiddo, aplicativo que também pertence ao grupo Movile.
Caso Loggi
A decisão concedida ao iFood é diametralmente oposta ao entendimento que uma outra vara trabalhista de São Paulo teve em relação à Loggi, startup de entregas. Em dezembro do ano passado, a 8ª Vara do Trabalho de São Paulo decidiu que a Loggi deveria contratar como funcionários seus entregadores. A ação foi movida também pelo Ministério Público Trabalhista.
Um dos argumentos na ocasião foi que havia uma concorrência desleal da Loggi para com empresas menores de motofrete, que registra seus entregadores com todos os direitos trabalhistas exigidos e carteira de trabalho.
A decisão contra a Loggi foi suspensa semanas depois pelo Tribunal Regional do Trabalho, e agora aguarda decisão final do tribunal.
Ao contrário do iFood, a Loggi atua somente com entregas, e não como marketplace de restaurantes. Boa parte dos clientes da empresa são corporativos, contratando a Loggi para entrega de documentos ou produtos de comércio eletrônico.
A empresa afirma que exige que todos os seus entregadores se registrem como MEI (Microempreendedor Individual), o que lhes garante direitos como cobertura da Previdência Social, garantindo aposentadoria por idade ou por invalidez e afastamento das funções no caso de acidentes, mas sem que o entregador tenha que pagar outros tributos ao governo. O registro custa 51,95 reais mensais. Sendo MEI, o prestador pode emitir uma nota fiscal cobrando por seus serviços. O artifício da MEI é usado por pequenos negócios, por prestadores de serviços e também por uma série de empregados fixos cujas empresas não contratam seus funcionários via CLT.
Empresas como iFood, Rappi, Uber ou 99 não exigem registro como MEI, embora recomendem a seus entregadores e motoristas que o façam. Todas atuam no segmento batizado de "economia compartilhada", que, segundo as empresas, apenas conecta os prestadores de serviços (como motoristas, entregadores e restaurantes) a potenciais clientes. Diversas empresas desse segmento, incluindo o iFood, também inauguraram no ano passado programas de benefícios aos entregadores, como seguro de vida e cursos.
O que diz o iFood
Procurado por EXAME, o iFood celebrou a decisão da Justiça paulista e afirmou em nota que a empresa "mantém seu compromisso de dialogar e continuar oferecendo oportunidades de geração de renda para os entregadores que escolhem o aplicativo".
A empresa afirma que a solução -- na relação com os entregadores e com a Justiça -- está ainda sendo "construída" e que o iFood concorda com a busca de futuras leis sobre o tema e que sejam "positivas a todos os envolvidos".
"Celebramos essa decisão histórica no país e no mundo que preserva o direito de profissionais optarem por atuar de forma flexível e destaca que a economia está mudando com as novas tecnologias", disse em nota o presidente do iFood e da Movile, Fabricio Bloisi. "Temos que pensar juntos em como criar leis modernas que, ao mesmo tempo, gerem a estes profissionais renda, oportunidade e bem-estar, trazendo crescimento e desenvolvimento econômico ao nosso país -- este é o futuro."