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Comida no Mercado Livre? A corrida da empresa na pandemia

Para dar conta da alta em meio ao coronavírus, empresa argentina, líder em e-commerce no Brasil, está usando praticamente toda a sua capacidade de entregas

(Mercado Livre/Divulgação)
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Carolina Riveira

Publicado em 8 de abril de 2020 às 10h02.

Última atualização em 8 de abril de 2020 às 11h10.

As últimas três semanas foram um pouco diferentes no Mercado Livre do que na maioria das empresas operando no Brasil. Enquanto companhias que atuammajoritariamente no mundo físicoprecisaram reestruturar suas operações paracontinuarvendendo, na empresa argentina o choque foi menos brusco.

Com operações somente online, os argentinosnão perderiam, na teoria, faturamento em meio à pandemia.Na prática, contudo, a quarentena também trouxe algumas adaptações necessárias.

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O diretor de operações do Mercado Livre no Brasil,StelleoTolda, disse à EXAME que a pandemia forçou a empresa a se movimentar para acelerar sua entrada em segmentos como supermercado e itens de saúde, onde sua presença era menor.Conhecido sobretudo por vender eletrônicos, artigos esportivos e itens de segunda mão de todo tipo, a empresa viu,de uma hora para outra,abuscacrescer exponencialmentepor produtosaté então menospopularesna plataforma.

Entre os dias 17 e 31 de março, as vendas no segmento de saúde e equipamentos médicos subiram 89%; artigos para casa, móveis e jardim, 93%; itens de beleza, 57%; artigos para bebês, 58% e alimentos e bebidas, 40%.

“O comportamento do consumidor mudou no curtíssimo prazo”, diz Tolda. O Mercado Livre representa cerca de um terço do comércio eletrônico brasileiro, sendo o mercado local o maior do mundo para a empresa. No ano passado, a companhia faturou por aqui mais de 1,4 bilhão de dólares, entre vendas nomarketplace, entregas e produtos financeiros de suafintech, o Mercado Pago.

Com mais de um terço do país em quarentena, os brasileiros reduziram as compras de itens como celulares e eletrônicos e diminuíram as idas ao mercado presencialmente.

Em meio aos novos tempos, aempresa tentaaproveitar o momento para realizar o desejo antigo dealavancar sua frente de supermercados, até então menos representativa no Brasil.“Já éramos muito fortesem supermercadono México, por exemplo, mas não no Brasil. Ocoronavírusnos forçou a acelerar este movimento”, diz Tolda."A crise gera uma oportunidade também de acelerar projetos que a gente tinha em mente, mas que não estavam na prioridade momentânea."

A companhia só vende hoje produtos não-perecíveis, de papel higiênico a itens de limpeza ou bebidas. Tolda diz que, com os avanços, nada impede que a empresa entre aos poucos em categorias relativamente perecíveis, como arroz, farinha ou outros alimentos “secos”. Refeições e produtostotalmente perecíveis ainda ficam para um plano de mais longo prazo, diz o executivo.

A mudança no consumidor do Mercado Livre reflete o mesmo movimento que aconteceu no restante do comércio eletrônico brasileiro. Dados da empresa de inteligênciaCompre&Confiemostram que, entre o fim de fevereiro e o fim de março, categorias como saúde, beleza e pet shop cresceram mais de 50%. O segmento de alimentação e bebidas subiu mais de 20%. Enquanto isso, caíram as vendas de categorias tradicionais, como eletrônicos e telefonia.

Mudança interna

Para dar conta da alta na demandaem novas categorias,o Mercado Livreremanejou algumas equipes internamente.“Pessoas da equipe de eletrodomésticos ou eletrônicos foram para categorias de bens de consumo”, conta Tolda.

As mudançasinternascomeçaram há cerca de um mês, quando a diretoria da empresa percebeu que a pandemia, que começou na China, não ficaria somente por lá. O primeiro caso no Brasil foi registrado no fim de fevereiro.

Com o passar dos dias, mais de 90% da equipecomeçouatrabalharde forma remota.Desde o fim de março, os trabalhadores terceirizados de atendimento ao consumidor que atendemaempresa também estão em casa.

Quem atua diretamente com operações físicas, como no centro de distribuição, está tendo a temperatura medida diariamente e passa por outros procedimentos de segurança, como o distanciamento. “Falamos com empresas da China e da Coreia do Sul para entender como foi feito lá”, diz o diretor no Brasil.

Na crise, não só o comportamentodo consumidormudou, como das próprias empresas parceiras.Companhiasque estudavam vender no MercadoLivre mas ainda não haviam batido o martelo aceleraramo processoem meio à pandemia.

“É até uma questão de sobrevivência neste momento: a empresa precisa vender e não tem um site ou umtráfego muito bons. O Mercado Livre é um canal relativamente fácil para começar a operar online ou ampliar as vendas, então houve um aumento dessa procura para vender conosco”, diz o executivo, sem citar os números de crescimento de novos vendedores.

Estudo feito antes da crise pela Boa Vista, empresa que gerencia o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) e serviços como análise de CPF, mostrou que, para quatro entre dez empresas brasileiras, só 10% do faturamento vinha do comércio eletrônico. Com a mudança das vendas para o online, a tendência é que empresas em estágio menos avançado de transformação digital devam se voltar para opções de marketplace.

As pequenas empresas, algumas das mais afetadas pela menor circulação de pessoas, estãoentre os principais clientes doMercado Livre. Segundo a empresa, 300.000 famílias no Brasil dependem parcial ou integralmente das vendas feitas na plataforma.

Até agora, a companhia anunciou que, nos vencimentos de março, vendedoresnão receberiam multas para atrasos nas contas.O Mercado Livre diz que estuda outras formas de ajudar os pequenos empresários.

Vendedores de itens de primeira necessidade, como alimentos e itens de saúde, também não pagam mais taxas de comissão ao Mercado Livre pela venda desses produtosdesde 17 de março. A medida reduziu os custos de 690.000 produtos e beneficiou 39.000 vendedores.

Na outra ponta, com a alta em algumas categorias, o Mercado Livre inaugurouuma gigantesca operação interna devigilância:a pandemia levou a empresa a adotar uma política debarrar produtos com preços considerados abusivos. Os anúncios ficam a cargo dos vendedores, e a falta de fiscalização dos produtos é uma das reclamações históricas de concorrentes e de alguns consumidores para com plataformas demarketplace.

Aempresadiz que está atuando de forma mais incisiva no monitoramento. Mais de 9.000 anúncios com preços irregulares e mais de 33.000 produtos considerados como “propaganda enganosa” haviam sido retirados até 28 de março -- alguns diziam, na descrição, até aliviar ou curar ocoronavírus.

Funcionários: mais pessoas foram deslocadas para transações comerciais de categorias crescentes, como saúde e alimentos (Nacho Doce/Reuters)

Logística a todo vapor

Em meio à pandemia, Tolda afirma que a logística está sendo mais demandada do que o normal nesta época do ano.Para reduzir os prazos, o Mercado Livre já ofereciaum serviço de entregas, o Mercado Envios, comcentrosde distribuição próprios funcionando desde o ano passado.

Hoje, o serviço próprio já responde por mais da metade das entregas do Mercado Livre.A empresa tem nove centros de distribuição no Brasil, todos abertos no ano passado. Há também mais de 300 pontos de coleta em São Paulo.Na capital paulista, as entregas já são feitas em até 24 horas e em 48 horas nas regiões próximas.

Com a quarentena, a operação de entregas próprias está operando em sua capacidade máxima, diz Tolda.O objetivo é crescer ainda mais econvencer cada vez mais vendedores do marketplace – os chamados sellers – a entregar usando o serviço próprio do Mercado Livre.“Estamos trabalhando para trazer para dentro da nossa malha logística tudo o que for possível”, diz.

O executivo afirma que ainda não precisou aumentar a equipe logística, mas que não descarta a possibilidade caso a demanda continue crescendo.

Os Correios já responderam por mais de 70% das entregas do Mercado Livre,mas hoje os serviços da estatal para a empresa argentina se concentram em cidades menores ou para pequenos negócios, para os quais não vale à pena o serviço de entrega mais rápido.No Mercado Envios, a própria malha logística organizada peloMelirecolhe os produtos, armazena e entrega, com a ajuda de empresas parceiras. Para vendas muito pequenas, não vale a pena esta operação, e é aí que os Correios continuam sendo um parceiro, diz Tolda.

O próprio Mercado Livre também anunciou, em meio à pandemia, uma nova parceria com aLinx, empresa de software para o varejo. Clientes daLinx, que é responsável pelo software de venda em mais de50.000 lojas, poderão oferecer seus produtos no catálogo do Mercado Livre. A parceria é especialmente importante no momento em que boa parte das lojas clientes daLinxestão fechadas em meio amedidas de isolamento social nas cidades brasileiras. Para o Mercado Livre, a empresa ganha com maior número de vendedores em sua plataforma e redução no custo e tempo das entregas, com as lojas funcionando como mini centros de distribuição.

Para facilitar as entregas, oMelijá tinha parceria parecida com a startup de entregas Delivery Center. A startup gaúcha tem bases de operação em shopping centers e recolhe os produtos comprados via Mercado Livre direto das lojas dos shoppings para a casa do cliente. Comos shoppings fechados, a parceria com aDelivery Centercontinua emespaçosque ainda permitem algum acesso ao estoque.

Para incentivar o uso da logística própria entre os clientes, a empresa também estreou nas últimas semanas um filtro que sinaliza aos compradores que determinado produto é entregue pelo Mercado Livre e chegará em poucos dias.“Com nossasentregas próprias, conseguimos reduzir o prazo e fazer a experiência do consumidor ficar melhor. Entregas rápidas serão essenciais para desmistificar as vendas na internet."

Em condições normais,o Mercado Livre vendemais de 370 milhões de itens por ano – mais de 1 milhão por dia -- nos 18 países em que opera na América Latina.Só no Brasil, no último trimestre do ano passado, o faturamento subiu 65%, em parte influenciado também pelos serviços financeiros.

Tolda ainda não divulga uma projeção de o quanto (e se) a operação pode ser impactada com os meses decoronavírus. Apesar da alta no comércio eletrônico, o que era trunfo para o Mercado Livre pode também gerar dor de cabeça em 2020: mais da metade do faturamento do braço financeiro já vinha de fora do marketplace, sobretudo com o uso dos serviços financeiros em pontos físicos. Com as lojas fechadas, o segmento de maquininhas e QR Codes pode sofrer.

Parao executivo,contudo,a tendência é que oe-commercesiga sendo mais e mais demandado, mesmo passada a pandemia. “Muita gente está descobrindo agora a comodidade de receber rapidamente um produto em casa. Tem algumas transformações que vieram para ficar”, diz.

De controle sobre a logística a venda de papel higiênico em alta, as mudanças vieram para o consumidor e, ao que tudo indica, também para o próprio Mercado Livre.

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