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Como o Itaquerão levou a Odebrecht à recuperação judicial

O estádio do Corinthians, construído para a Copa do mundo de 2014, é o mais vistoso ativo da Odebrecht erguido com financiamentos da Caixa

Corinthians vs Palmeiras (Alexandre Schneider/Getty Images)
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Carolina Riveira

Publicado em 19 de junho de 2019 às 07h59.

Última atualização em 21 de fevereiro de 2020 às 23h46.

A seleção brasileira de futebol masculino joga contra o Peru neste fim de semana pela terceira e última rodada da fase de grupos da Copa América, em um estádio emblemático.

O jogo será na Arena Corinthians, em Itaquera, zona leste de São Paulo. O estádio, construído para a Copa do mundo de 2014, não vem sendo notícia apenas pela partida, mas porque é um dos motivos que levaram o grupo da empreiteira Odebrecht a pedir recuperação judicial nesta segunda-feira, 17.

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A possibilidade de recuperação judicial já vinha sendo aventada há algum tempo diante da má situação financeira da Odebrecht, com dívidas entre 80 e 90 bilhões de reais. Mas a situação chegou ao limite na última sexta-feira, 14, quando a Caixa Econômica Federal executou sua parte nas dívidas e deixou a empreiteira sem escolha a não ser pedir sua recuperação judicial.

O estádio do Corinthians é o mais vistoso ativo da Odebrecht erguido com financiamentos da Caixa. A princípio, o estádio custaria por volta de 825 milhões de reais, mas o valor subiu para 985 milhões de reais quando a Arena foi escolhida como palco da abertura da Copa de 2014.

Com os juros, o valor devido pelo estádio hoje já passa de 1 bilhão de reais. Para construir o estádio, em obra iniciada em 2011, a Odebrecht pegou empréstimo com o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) por meio da Caixa, em valores que hoje ficam em mais de 400 milhões de reais.

Apesar do financiamento público e do fato de a Odebrecht ter desembolsado o custo e feito os empréstimos, o estádio é privado e pertence ao Corinthians. Mas o clube não consegue pagar essa dívida com a Odebrecht (que, por sua vez, não tem caixa para pagar os bancos).

A renda de bilheteria do Corinthians vai toda para pagar o estádio, e nenhum centavo fica no caixa corintiano. Mas não é nem de longe o suficiente para cobrir os mais de 1 bilhão de reais gastos na obra, uma vez que a bilheteria é de pouco mais de 60 milhões por ano (foram 61 milhões em 2017, ano em que o Corinthians foi campeão brasileiro, e de 64 milhões em 2018).

“Os clubes brasileiros não têm condições de financiar um estádio de 800 milhões de reais, porque não têm dinheiro para isso”, diz Amir Somoggi, sócio da consultoria de marketing esportivo Sports Value e especialista em gestão financeira dos clubes de futebol.

Somoggi ressalta, também, as taxas de juros brasileiras, que fazem a dívida subir ano após ano. “Hoje esse estádio do Corinthians já é impagável, imagine daqui a 15 anos?”, questiona.

Há ainda um componente político em toda a história. Conforme disseram a EXAME fontes próximas à negociação, a Arena Corinthians foi um dos principais fatores que fizeram a Caixa, banco federal e controlado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), executar a dívida da Odebrecht também porque ter o estádio do time de Lula no centro da crise é uma resposta da atual gestão, de oposição.

Como é sabido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é corintiano e, segundo informaram pessoas da Odebrecht nos depoimentos prestados à Justiça, tinha grande interesse na construção do estádio.

Em um depoimento em 2017, o presidente da Odebrecht entre 2008 e 2015, Marcelo Odebrecht, disse que não queria entrar em projetos da Copa ou das Olimpíadas (ocorridas em 2016), mas entrou para, de certa forma, agradar ao governo.

“Moral da história: eu fiz uma coisa que não interessava para a gente. Hoje, estou com um pepino, porque a gente tem uma garantia com a Caixa e o Corinthians não paga a gente”, disse Marcelo Odebrecht em depoimento ao ministro Herman Benjamin, como parte de uma ação contra a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral à época.

Os pepinos da Odebrecht

A Arena Corinthians não foi o único estádio feito pela Odebrecht para a Copa do Mundo e que hoje se encontra cercado de polêmicas. A empreiteira também participou do Maracanã, no Rio de Janeiro, da Fonte Nova, na Bahia, e da Arena Pernambuco, metade dos seis estádios da Copa que foram construídos via parceria público-privada, segundo o Radar PPP, consultoria que estuda as PPPs em desenvolvimento no Brasil.

Ao todo, 12 estádios sediaram jogos da Copa do Mundo de 2014, todos construídos do zero ou com custosas reformas. Alguns privados (como a Arena Corinthians, a Arena da Baixada, do Athletico Paranaense, ou o Beira-Rio, do Internacional), outros via PPPs (como o Maracanã, usado pelos times do Rio de Janeiro) e outros via obra pública (como a Arena Amazônia, em Manaus, ou o Mané Garrincha, em Brasília).

“A Odebrecht deu um grande ‘azar’ também no caso das PPPs, pois acabou pegando estádios entre os que estão com mais problemas”, afirma Guilherme Naves, sócio do Radar PPP e que trabalha de perto na observação dos estádios feitos via PPP.

Também neste ano, o governo do Rio de Janeiro, hoje nas mãos do governador Wilson Witzel (PSC) anunciou o cancelamento da concessão do estádio ao Consórcio Maracanã, liderado pela Odebrecht.

Segundo o governo do Rio, desde 2017 o consórcio não vem pagando as parcelas referentes à concessão, numa dívida que chegou a 38 milhões de reais. O contrato estava suspenso desde setembro de 2018. Segundo executivos próximos à Odebrecht, o Maracanã se mostrou símbolo da insegurança de contratos feitos com o poder público. A empresa assinou o contrato de olho em promessas feitas pelo governo, que acabaram não sendo cumpridas pelo então governador Sérgio Cabral.

O Maracanã custou cerca de 1,3 bilhão de reais, e, em seis anos no comando do estádio, a Odebrecht teve prejuízos de 247 milhões de reais. A própria falta de expertise de uma empreiteira como a Odebrecht no gerenciamento das arenas também é um ponto contra as obras, além do histórico amador de gestão dos estádios brasileiros, com clubes que não conseguem utilizá-los para gerar renda.

“Havia uma expectativa de que com a Copa e as Olimpíadas fosse ser criada uma experiência diferente nos estádios, com arenas multiuso e alto nível de serviço, mas a verdade é que isso não aconteceu”, diz Naves, do Radar PPP.

Empreiteiras como a Andrade Gutierrez e a OAS também participaram da construção de estádios e outras obras superfaturadas para Copa e Olimpíadas. Mas o fato é que, como mostram os depoimentos de Marcelo Odebrecht, não foi apenas azar que motivou a Odebrecht a pegar para si alguns dos “pepinos” que foram as obras da Copa do Mundo, mas uma tentativa de se manter em boas relações com os governos. A conta pode ter chegado nesta segunda-feira.

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