Bolsa Família, bets e asiáticas: as pedras no sapato da indústria de calçados
Setor calçadista sofre com a concorrência asiática dentro e fora do país e cobra medidas do governo federal para retomar crescimento
Repórter de Negócios
Publicado em 13 de novembro de 2024 às 08h40.
Última atualização em 13 de novembro de 2024 às 08h53.
Apesar do crescimento da produção, a indústria de calçados brasileira ainda tem pedras no sapato que causam incômodo e dificultam o crescimento em 2024. Enquanto a produção se aproxima do nível pré-pandemia, com projeção de 893 milhões de pares, alta de mais de 3%, a queda nas exportações destaca um desequilíbrio no setor.
A Abicalçados estima que as exportações, que já caíram 16,6% no último ano, devem registrar queda de até 19,2% em 2024. Os dados foram divulgados nesta terça-feira, 12, durante a BFSHOW, maior evento do setor calçadista, no Distrito Anhembi, em São Paulo.
A falta de competitividade no mercado global não é exatamente uma novidade para o setor. O maior exportador de calçados fora da Ásia enfrenta cada vez mais dificuldade para competir com os países asiáticos e plataformas internacionais de e-commerce, como Shein e AliExpress, por conta de custos mais elevados de mão de obra e falta de incentivos fiscais.
"O Brasil tem um grande potencial de exportação de calçados mais elaborados, mas precisa de apoio governamental", diz Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados.
Na coletiva de imprensa, executivos falaram sobre a desoneração da folha de pagamento , medida que deve impactar ainda mais a competitividade internacional do setor.
"A desoneração da folha de pagamento vai impactar diretamente a competitividade do setor. Se não houver contrapartidas do governo, pode prejudicar ainda mais a nossa capacidade de competir no mercado internacional, especialmente com os asiáticos", diz Ferreira.
No mercado interno, as importações de produtos asiáticos também impactam o desempenho da indústria.Até outubro, 29,8 milhões de pares entraram no Brasil, alta se 20,9% em relação ao mesmo período do ano anterior. Entre os principais importadores estão China, Vietnã e Indonésia.
Entraves no mercado interno
Outro ponto levantando pelos executivos é a falta de mão de obra. A Abicalçados ainda não tem dados oficiais sobre o assunto, mas o presidente da associação afirmou que todos os polos calçadistas no Brasil enfrentam escassez de trabalhadores em maior ou menor grau.
O crescimento do Bolsa Família foi apontado como uma das causas, principalmente em municípios menores. De acordo com os executivos, a situação se agravou no ano eleitoral.
"Não somos contra o assistencialismo a quem realmente precisa, mas o programa do governo está deixando muitas pessoas em casa. Se elas voltarem a trabalhar, não recebem mais o benefício. Muitos acabam trabalhando de forma informal também", diz Rodrigo Martins, CEO da Marina Melo.
Para contornar a situação, muitas empresas apostam na oferta de benefícios e capacitação. É o caso da Vulcabras que emprega mais de 20.000 pessoas. "Fazemos um trabalho de RH intenso para dar incentivos dentro da fábrica, manter pessoas e atrair novos trabalhadores", diz o CEO Pedro Bartelle.
Assim como setores, a indústria calçadista também cita o efeito negativo das apostas esportivas, as famosas bets, no consumo dos brasileiros -- o que recai também sobre suas vendas.
De acordo com o Banco Central, os brasileiros movimentam até R$ 21 bilhões por mês em apostas online via Pix. O governo também estuda proibir o uso do cartão do Bolsa Família em casas de apostas.
"Os jogos de azar são verdadeiros cassinos de bolso e tiram muito dinheiro do consumo. O governo brasileiro tem que agir mais rápido", diz Roberto Argenta, CEO da Beira Rio.